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A diáspora brasileira

O Brasil é hoje um país de emigração. Continua, contudo, recebendo imigrantes, como no passado, gente vinda de toda parte. Mas, o número dos que saem (emigrantes) é bem maior do que em qualquer época de nossa história.

Existem múltiplas diásporas no mundo atual. Inúmeros povos buscam refúgio ou uma vida melhor fora de seus países de nascimento. Em termos numéricos, as migrações massivas da África, da América Latina, do Leste Europeu e de alguns países da Ásia chamam a atenção. Milhões trocam de pátria, idioma e convivência cultural. Vão viver onde existe a possibilidade de trabalho, sonhando com melhores dias. Mais do que em qualquer outra época, o contexto da globalização é o da existência de inúmeros casos de migrações massivas.

Os destinos preferenciais destas migrações são bem conhecidos. Vários países da Europa ocidental, os Estados Unidos, o Canadá, o Japão e a Austrália lideram a disputa pelo maior escore de países de acolhida, em cada região do planeta. O destino de muitos depende de inúmeros fatores, que variam enormemente de caso para caso. Obviamente, conseguem ficar nestes países, porque existem dispositivos legais ou semilegais que facilitam as coisas.

Os países de acolhida, também ‘escolhem’ os imigrantes, de acordo com seus interesses e necessidades. Mesmo os imigrantes ilegais, só ficam porque há trabalho e interesses pelas suas permanências. Os critérios de seleção de imigrantes formatados por alguns países lembram os antigos princípios da eugenia, na busca dos mais aptos e nos que quase nada há o que investir. Buscam mão-de-obra altamente especializada e/ou trabalhadores braçais para preencher as lacunas de suas economias.

Não raro, suas políticas de imigração criam deformidades, como a de contar com pessoas bem formadas trabalhando, se imigradas, em funções socialmente inferiores que exerceriam em seus países de origem, se houvesse emprego. As funções mais qualificadas, quase sempre são reservadas aos nascidos e educados no país. Os imigrantes as alcançam com muitas dificuldades e depois de cinco, dez ou mais anos. Em vários casos, a migração funciona melhor para a segunda e a terceira geração.

Existe uma espécie de redoma invisível, sempre negada, que caracteriza os chamados espaços multiculturais. Nesta, os povos que recebem os imigrantes convivem com os mesmos de modo estranho, onde cada qual deve ficar em seu lugar, sem reivindicar muito e nem querer ter direitos reais exatamente iguais. Para os que chegam, sobram os deveres, quase sempre mais pesados do que os direitos que conseguem obter. No plano da Lei, isto não é verdadeiro. Todos têm os mesmos direitos, quando alcançam a cidadania plena. Mas, quem ainda acredita que a Lei é o que organiza isoladamente as sociedades humanas?

Na Europa, países que mantiveram colônias na Ásia, na África e na América Latina, hoje, recebem milhões de imigrantes vindos de lá. Normalmente, eles ‘escolhem’ seus países de adoção, a partir da língua e da existência de núcleos antigos de imigração que facilitam a chegada e a instalação. Na Ásia, o Japão, por exemplo, vem recebendo milhares de origem brasileira, à busca de trabalho e da formação de uma pequena poupança, a ser investida no Brasil. Neste caso bastante particular, os imigrantes são descendentes dos japoneses que vieram para o Brasil no passado. Os Estados Unidos e o Canadá são destinos de emigrantes saídos de toda parte. Predominam os vindos da América Latina, dos países mais pobres da Ásia e os originados da África, sobretudo os árabes e os povos da África Central. Em todos os casos, contatos anteriores, derivados da política e da economia, a existência da proximidade geográfica, dentre outros fatores, explicam o destino de muitos.

O Brasil é hoje um país de emigração. Continua, contudo, recebendo imigrantes, como no passado, gente vinda de toda parte. Mas, o número dos que saem (emigrantes) é bem maior do que em qualquer época de nossa história. Calcula-se que cerca de quatro milhões ou mais de brasileiros foram tentar a vida no exterior nos últimos vinte anos. Alguns foram e jamais voltaram. Outros, por diversas razões, voltaram espontaneamente ou foram obrigados a retornar. Dos que retornam, alguns devem se radicar definitivamente no Brasil. Outros retornam ao mesmo destino anterior ou para uma nova tentativa de sobreviver em região desconhecida.

A diáspora brasileira tem, como as demais, pontos de concentração precisos. Os brasileiros vão em massa para os EUA e para a península ibérica. Além destes dois pontos, a já comentada emigração para o Japão é um caso particular e bastante problemático. Entretanto, são encontráveis em pequenos grupos espalhados por todo o planeta Terra. Não é difícil encontrar brasileiros, praticamente, em qualquer país. Eles lá estão pelas mais diversas razões.

A presença desta diáspora é um fenômeno novo que precisa ser compreendido como uma das dimensões do atual processo de globalização. A economia mundializou-se, propondo o fim da antiga possibilidade de desenvolvimento local autônomo e autosuficiente. O capital, que nunca teve pátria, percebeu as vantagens de viajar na velocidade das redes de comunicação e dos computadores ligados ao mercado financeiro internacional. É mais lucrativo comprar insumos onde é mais barato, produzir nos países de salários mais baixos e vender no mercado mundial. Também, é um bom negócio empregar imigrantes no chamado primeiro mundo, nas condições que se conhece através das mídias e dos depoimentos de retornados.

Os migrantes são peças destas engrenagens, buscam sobreviver nas frestas desta nova ordem mundial. Tendem a ir para os centros que os acolhem, interessados no que ganharão com isto. Vão porque ainda faltam empregos, salários dignos ou não se está de acordo com a ordem interna de seus países de origem. Existe gente que migra porque não possui meios de se profissionalizar e conseguir um emprego melhor. Normalmente, vão para o emprego precário no exterior, entretanto, ganhando bem mais que o mesmo tipo de emprego daria no seu país de origem.

Eles enfrentam a discriminação, a guetificação e a saudade de seu país natal. Facilmente, estes emigrantes chegam a ter problemas com os aparatos repressivos de seus países de acolhida. Todavia, recordam que de onde vieram tinham que conviver com a criminalidade de massa, a violência policial e, em muitos casos, com as injustiças sociomorais das decisões políticas e judiciais. São anônimos de onde vieram e para onde vão. Acham que vale a pena, porque foram ensinados pela publicidade e pelos modernos valores sociais mundializados de que uma vida boa, só é bem-sucedida, com dinheiro no bolso. É o vil metal que procuram, porque sem ele, de onde vieram e onde estão, nada valem.

Apesar de buscarem o dinheiro, não podem usar os canais pelos quais ele circula. Trafegam como uma mercadoria especial – a carne humana – que, como no passado escravista continua sendo vendida no mercado internacional. A diferença é que não mais se vende – com algumas exceções – as pessoas, mas, sim suas forças de trabalho.

É diverso o espaço de realização das transações desta mercadoria oferecida ao capital internacional. Agora, o mundo já não mais se divide, como até o século XIX, em colônias e países escravistas, de trabalho compulsório ou a baixo preço e as metrópoles e países mais industrializados e, por isso, mais ricos e com menores problemas sociais. No momento, o trabalho precário, que existe no Brasil, também funciona em lugares inimagináveis, onde na redoma existem excelentes condições de vida. Trata-se daqueles países que ostentam o mais alto índice de desenvolvimento humano (IDH), reservado em prioridade para os nativos e de acesso negado, parcial ou difícil para os que vêm de fora.

Tudo isto gera um fenômeno sociocultural e político novo, que alguns já denominaram como estado imigrante, composto pelos grupamentos de brasileiros espalhados pela face da Terra. Eles vêm buscando reconhecimento e alguma espécie de ajuda da pátria-mãe. Não devem ser abandonados porque fugiram dos seus países. Tiveram razões de sobra para isto. Além do mais, têm o direito de ir e vir pelo mundo afora e de experimentar a vida por toda parte e tirar suas próprias conclusões. Alguns conseguem ter uma vida boa. Outros são bem-sucedidos financeiramente, mas, paradoxalmente, reclamam que lhes falta algo que não conseguem compreender. Outros, talvez a maioria, no máximo conseguem algum dinheiro à custa de muito esforço e sofrimento. Muitos, nem isso, caindo em estado de desespero. Todos são brasileiros, mesmo que cidadãos do universo globalizado. Precisam superar diferenças, se abraçarem e se organizarem no exílio especial de nossos dias.

Por Luís Carlos Lopes, que é professor.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.cartamior.com.br.

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