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A territorização da homofobia

O Fantástico exibiu em (12/08/07), o caso de um jogador do São Paulo Futebol Clube, que durante uma partida pelo brasileirão, comemorou o gol fazendo a “dança da bundinha”, gesto que gerou tamanho transtorno.

Deixando de lado as opiniões sobre as mais variadas formas de comemoração de gols, proponho-me aqui debater sobre a questão que faz deste comum gesto, uma polêmica ou um explícito caso de homofobia. Este fatídico caso atraiu-me a atenção por causa de três personagens. 1º personagem o jogador, 2ª personagem o dirigente do time, 3º personagem o Juiz da 9ª vara criminal. A polêmica se iniciou a partir da entrevista do dirigente do clube a um programa de esporte, que no decorrer da sua entrevista disse que o jogador era Gay. Tal ato teve como reposta do jogador, a abertura de uma queixa crime contra o dirigente do time, que a princípio, o repreendia pelo suposto ato de calúnia. Ao ser aberto o caso, o Juiz da 9ª vara criminal arquivou o processo alegando com suas palavras que “futebol é varonil, viril e não para homossexuais”, em continuidade a ação, ele afirma que um homossexual no futebol prejudicaria a uniformidade e o ideal do time.

De acordo com a pesquisa realizada pela Unesco em 2004 com estudantes, pais e professores, cerca de ¼ dos alunos não gostariam de ter um colega de sala homossexual. Ainda segundo a mesma pesquisa feita em 14 capitais, 22% dos professores entendiam a homossexualidade como doença. Embora desde 1985 a homossexualidade tenha sido retirada da lista de doenças da Organização Mundial de Saúde. Segundo a pesquisa, um terço dos pais ouvidos não dialogam com os adolescentes sobre o tema e muitos deles não gostariam que homossexuais fossem colegas de classe de seus filhos: 22% (em Porto Alegre) a 48% (em Fortaleza).

Nessa pesquisa foram entrevistadas 155.604 pessoas. A pesquisa revela que os próprios entrevistados afirmam não saber lidar com o assunto, a homossexualidade. O que me atrai a atenção é que poucas pessoas assumem o preconceito, mas mesmo assim, continuam dizendo frases como: “Eu não sou homossexual, mas não tenho nada contra…” ou “se ele é gay o problema é dele, ninguém tem nada a ver com a vida dele…”.

Seria possível dizer que essas frases se tornaram cotidianas na vida social ou elas verdadeiramente mascaram uma resistência homofóbica cada vez mais intolerante aos homossexuais? Podemos concordar que algumas conquistas foram pautadas a favor da diversidade sexual, mas qual será a real questão dos contínuos casos explícitos de homofobia?

Intriga-me saber que os homofóbicos sabem que esse ato é crime de acordo com o Art. 1º do Código Penal que retrata “a qualquer pessoa jurídica que por seus agentes, empregados, dirigentes, propaganda ou qualquer outro meio, promoverem e permitirem ou concorrerem para a discriminação de pessoas em virtude de sua orientação sexual e para estas pessoas serão aplicadas às sanções previstas nesta Lei”. Com base nesses levantamentos, retorno ao caso do jogador, que por diversas vezes em programa televisivo precisou suplicar a piedade da Nação afirmando que não é gay. Não se trata aqui de travar a discurssão em cima do ser ou não ser, mas sim, de discutir que tipo de perdão social é esse que se exige dos homossexuais. Se o jogador afirmar que é um legítimo macho estará perdoado da sua condenação e assim poderá dar continuidade a sua carreira como atleta? E, no entanto, qual será sua penitência em afirmar que é um homossexual?

Não se trata apenas de um término de carreira futebolística para um homossexual, mas de reconhecer que os territórios estão demarcados, que os espaços para heterossexuais não permitem a existência de homossexuais. Revelando um verdadeiro e velado apartheid sexual, sendo passível nesses locais as perseguições, assassinatos ou uma incessante caça aos homossexuais. A homofobia é um termo criado para identificar o ódio, aversão e a discriminação de uma pessoa contra homossexuais e a homossexualidade. Hoje a homofobia tem sido responsável por 2.403 assassinatos de gays, lésbicas e travestis e os traumas tem levado além desses grupos, os bissexuais, transexuais, pansexuais, metrossexuais, transgênero, aos altos índices de depressão, suicídio, fobias, isolamento social, uso indiscriminado de drogas, dentre outros, de acordo com o relatório apresentado pelo Grupo Gay da Bahia nos últimos 20 anos (fonte: Grupo Gay da Bahia).

Tratando-se de um período de 20 anos, podemos considerar que a extensão desse conflito está levando pessoas a serem mortas de maneira violenta e até sofrerem traumas psicológicos pela simples razão de manifestarem algum desejo sexual que difere da imposição da maioria.

Busco identificar as motivações que levou o dirigente do Palmeiras, neste caso, a afirmar que o jogador era gay. Em sua declaração no programa de esporte é possível suspeitar que o dirigente estaria se apegando ao gesto cometido pelo jogador no momento em que ele marcou o gol. Não irei me prender em discutir se o gesto é ou não duvidoso, até porque seria complexo identificar o que é ou não um gesto duvidoso. Mas chamo a atenção, para a regulação que se impõem aos homossexuais que perpassa até na forma do ser enquanto homem. Algumas frases também me prendem a atenção quando ouço “Ah… ele pode até ser gay, mas não precisa ser afeminado…” frases estas ditas também as mulheres homossexuais.

Podemos tentar identificar quais seriam as reais motivações que levou o dirigente a dizer que o jogador era Gay, uma delas como foi ventilado, seria a recusa do jogador em assinar o contrato com o Palmeiras. Mas sobre todas as hipóteses, podemos concluir que ao querer atacar alguém é só dizer que este alguém é Gay.

Esta tenebrosa palavra é capaz da causar grande impacto, mais que dizer que Renan Calheiros é sonegador de imposto e estar envolvido com lobista ou até mesmo que Paulo Hartung envia 150 policiais ao norte para retirar os quilombolas de suas terras em Linharinho. Gostaria de discutir por fim o terceiro personagem desta fatídica história, o Juiz da 9ª vara criminal, que ao final dos seus dizeres arquiva o processo sentenciando que “….O caso é insignificante perto da grandeza que é o futebol brasileiro”.

Juiz esse, intitulado um representante público do Poder Judiciário cujo papel é controlar e fazer cumprir a constituição. Concordo com o presidente dos magistrados que declarou que este juiz deveria passar por uma reciclagem, e se nos apegarmos ao sentido literal da palavra reciclar, pergunto, será que isso cabe ao juiz da 9 ª Vara Criminal? Mas precisamos fazer valer a lei, este juiz precisa responder de acordo com o que está previsto na lei de combate a homofobia. A territorização da homofobia se caracteriza desta maneira, bruta e segregadora, a exemplo do acontecido.

Mas, em quantos lugares o homossexual não é engolido e sua presença passa a ser um ponto de pressão para sua retirada, com direito a um singelo e frio “Por Favor, se retire, e um não volte sempre ….! Encerro este ensaio na tentativa de buscar interpretar as reais motivações para a existência da homofobia, não se trata apenas da mudança de comportamento ou uma constatação de mais um caso, mas sim de tentar compreender quais são os verdadeiros riscos para a conquista plena dos direitos homossexuais.

Será que esta conquista colocaria em xeque a própria divisão binária entre ser mulher e ser homem, que ignora a existência de qualquer outro tipo de identidade física, humana e sexual existente entre estas duas distinções de gênero? Ou será que essas conquistas podem significar a existência de uma luta antagônica em relação à legitimidade da ordem patriarcal, à ordem imposta pela doutrina religiosa ou para a sociedade industrial, que preserva a manutenção da exploração do trabalho humano, a partir do sexo e da diferenciação do salário. Ou talvez, o epicentro da resistência homofóbica possa se encontrar no Estado, no papel de um Juiz como este, de um deputado ao votar contra a realização de sessões solenes aos grupos GLBT, e no Governo Executivo que age a passo lento, ignorando o verdadeiro conflito ou interesse que existe nesta recriminação sexual manifestada de maneira bruta e constante.

Por Leyse da Cruz, que é cientista social.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.carosamigos.com.br.

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