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Banco ético: uma alternativa às finanças predatórias

O movimento dos bancos éticos ainda ocupa um espaço pouco expressivo no conjunto do sistema financeiro. No entanto, em razão da crise dos últimos anos, esse modelo alternativo (a grande maioria no espaço europeu) tem logrado conquistar um crescimento importante em seus nichos de atuação.

Paulo Kliass

A crise por que passa o sistema financeiro internacional parece longe de ver seu fim. A partir do recrudescimento do cenário norte-americano em 2008, os efeitos negativos das dificuldades enfrentadas pelos bancos naquele país terminaram por evidenciar as reais características do fenômeno da globalização. O “financês” acaba por incorporar as expressões das ciências biológicas e da saúde, e passa a utilizar a imagem da “contaminação dos mercados”. Além da quebradeira em série de bancos nos Estados Unidos, a crise atravessou o Atlântico e aprofundou-se no espaço da União Européia. E sempre tendo como principais personagens – os detonadores da crise – os bancos e demais instituições financeiras.

Mas, como não poderia deixar de ocorrer, mesmo os países que não estavam completamente atrelados às dificuldades daquelas instituições financeiras, passam a sofrer em sua economia real. O ritmo de crescimento dos países em desenvolvimento é reduzido em função da queda na demanda dos países mais ricos. Além disso, os efeitos da injeção de vários trilhões de dólares e euros no mercado internacional apresentam sua fatura em termos da nova face da “guerra cambial” que se estabeleceu a partir dos últimos meses.

Esse quadro só faz piorar a imagem do sistema financeiro perante os governos, as instituições sociais, as universidades, as empresas do setor produtivo, o movimento sindical, o mundo da agricultura e a opinião pública em seu conjunto. Apesar de sabermos que a crise se caracteriza como elemento inerente e intrínseco à própria dinâmica do sistema capitalista, o fato é que o sistema financeiro passa a ser identificado como o grande vilão de todo esse processo de destruição de valor, de emprego e de renda.

Bancos bons e bancos éticos
Em artigo anterior (“Ainda há espaço para bancos bons”) procurei tratar desse aspecto, levantando a hipótese de que haveria ainda espaço para aquilo que chamei de “bancos bons”. Ou seja, a reafirmação de uma evidência da modernização dos sistemas econômicos: a necessidade de que algum tipo de instituição cumpra com a função original desempenhada pelos bancos em nossa sociedade. Refiro-me aqui ao fato de recolher os recursos que não seriam destinados ao consumo por parcela dos agentes econômicos (governo, empresas e famílias) e colocá-los à disposição de outros atores que necessitem de recursos para empréstimo. Naquele texto, eu chamava a atenção para 2 tipos de instituições que poderiam ocupar tal espaço, sem necessariamente provocar os desastres que o sistema havia provocado de forma consciente. Tratava-se dos bancos públicos e das cooperativas de crédito.

No entanto, há outras formas de organização que começam a ganhar espaço em vários países nos tempos de hoje, inclusive em razão da mais completa falta de credibilidade que assola o sistema financeiro tradicional. Um movimento significativo é o dos chamados “bancos éticos”. São diversas formas de associação e organização em torno da figura da instituição bancária, mas com princípios e ações completamente distintas daquilo que o nosso ideário pode imaginar como um banco – em função da prática predatória e irresponsável que tem caracterizado a grande maioria das empresas desse tipo no mundo.

Como se pode imaginar, o movimento dos bancos éticos ainda ocupa um espaço pouco expressivo no conjunto do sistema financeiro. Seja em termos de número de bancos, número de clientes, volume de negócios ou outras variáveis quantitativas. No entanto, em razão da crise dos últimos anos, esse modelo alternativo tem logrado conquistar um crescimento importante em seus nichos de atuação. A grande maioria ainda se localiza no espaço europeu, com presença que se expande para os países da América do Norte e mesmo alguns países fora de fora desse eixo. Porém, o interessante é que boa parte dos empréstimos e aplicações de tais instituições se destina a projetos implantados em países do dito mundo subdesenvolvido.

Bancos éticos: princípios e ações
De acordo com a “Federação Européia de Finanças e de Bancos Éticos e Alternativos”, seus integrantes devem obedecer a alguns elementos básicos constantes na Carta de Princípios da entidade. E trais itens servem como síntese das preocupações que norteiam a maior parte dos bancos dessa nova geração do espaço financeiro. Assim, entre outras obrigações, os bancos éticos e alternativos devem:

“a) se engajar para:
– colocar a economia a serviço do ser humano;
– contribuir para a solidariedade, para a coesão social e o desenvolvimento sustentável;
– recusar a busca exclusiva da rentabilidade financeira;
– favorecer a criação de iniciativas inovadoras do ponto de vista social e ambiental.

b) dispor de uma autonomia de decisão em relação a toda e qualquer organização ou empresa externa.

c) financiar as iniciativas econômicas perseguindo, especialmente, os seguintes objetivos:
– a criação de empregos, em especial de empregos de natureza social;
– o desenvolvimento sustentável (energias renováveis, agricultura biológica e biodiversidade);
– a solidariedade internacional e o comércio internacional justo.

d) oferecer uma informação transparente e completa sobre seu funcionamento interno, sobre o recolhimento da poupança e sobre a utilização de tais recursos.”

Os principais bancos, com esse novo tipo de preocupação, estão presentes em países que acumularam uma experiência e um conhecimento na área econômica, social e financeira, o que tem permitido algum grau de adesão a seu projeto. Nos países escandinavos temos, por exemplo, o Cultura Bank (Noruega) o Merkurbank (Dinamarca) e o Ekobanken (Suécia). Na Suíça o mais importante é o Alternative Bank Schweiz. Na Itália, surge o Banca Etica e o Etimos. Há ainda bancos desse gênero na Alemanha, na Bélgica, na Espanha, na Eslováquia, na Inglaterra, entre outros.

Além disso, uma parcela expressiva desse tipo de iniciativa se baseia em preocupações com o micro-empreendedorismo e o micro-crédito, além de apoio a projetos voltados à geração de emprego decente, de preservação do meio-ambiente e de estímulos às atividades culturais e educacionais. Está sempre presente também a marca da transparência em suas atividades e informações negociais.

O exemplo de maior sucesso até o momento parece ser o do Triodos Bank. A iniciativa começou na década de 1980 na Holanda e pouco a pouco foi ampliando seu espaço de ação para outros países europeus. Em 2011, esse banco contava com 355 mil clientes, um crescimento de 24% sobre o ano anterior. Seus ativos totais registravam o equivalente a US$ 9 bilhões, correspondendo a uma elevação de 23% sobre 2010. Seus lucros foram de US$ 22 milhões, um aumento de 51% sobre o exercício anterior. Apesar das boas taxas de crescimento, os valores são ainda poucos expressivos quando comparados com os bancos tradicionais da realidade econômica européia.

Os desafios para a sua implantação
O grande desafio para a ampliação de tais números é de ordem cultural, política e econômica. A participação percentual em relação ao conjunto do mercado financeiro ainda é irrisória. E isso reflete a situação de toda a rede dos bancos éticos do planeta. O desafio cultural mais relevante é convencer a população a tornar-se cliente de um banco que não promete nenhum “milagre de multiplicação dos pães”. Via de regra, a informação é límpida. O banco confirma que oferece rentabilidade menor do que a maioria dos bancos tradicionais, uma vez que não corre risco emprestando para atividades ilegais, empresas suspeitas ou projetos danosos ao meio ambiente, às populações ou aos trabalhadores. Empresta para projetos de longa maturação e que oferecem baixa rentabilidade relativa, exatamente pela preocupação social ambiental ou de comércio justo.

O desafio de natureza política é justamente o engajamento de seus clientes com os projetos nos quais o banco realiza seus empréstimos. Assim, é razoável supor que, para tornarem-se clientes da instituição, os indivíduos devam ter algum grau de informação e consciência a respeito das verdadeiras causas da crise internacional e das possíveis soluções a longo prazo. Depositar seus recursos em um banco ético é, de certa forma, um ato de compromisso político com uma visão bem distinta daquelas divulgadas pelos grandes órgãos de comunicação, a respeito do fenômeno econômico e social em nosso mundo.

O desafio de ordem econômica é conseguir maior penetração no mercado financeiro e atrair os clientes dos tradicionais para uma opção alternativa. Parece claro que a crise contribui, de certa maneira, para que a população em geral fique cada vez mais desconfiada do sistema financeiro tradicional. No entanto, tal postura não significa que qualquer outra opção seja considerada atraente – aí incluída a do banco ético. A falta de credibilidade atual vale para o conjunto das instituições financeiras, independente de seu discurso e por melhores que sejam suas intenções. Até porque as estratégias de marketing tentam vender imagens “bonitinhas e avançadas” de instituições que todos sabemos serem bastante nefastas e perigosas para a sociedade e para o planeta. Assim, o trabalho para consolidação de uma alternativa aos bancos tradicionais é lento.

A realidade brasileira parece estar um tanto distante de um grau razoável de aceitação de bancos éticos. A experiência das últimas décadas, em que a tendência à financeirização da sociedade foi a grande marca, tornou a maioria das pessoas e das organizações reféns da exigência de elevada rentabilidade nas atividades econômicas. Estamos todos intoxicados e quimicamente dependentes das elevadas taxas de juros. O processo de libertação desse vício é lento e comporta elementos também da esfera cultural e comportamental.

No entanto, um bom exemplo deveria justamente surgir do Estado e de suas instituições. É necessário que as autoridades econômicas cumpram também com seu papel pedagógico para as atuais e futuras gerações, abrindo horizontes para uma sociedade menos voltada para a ganância financeira pura e simples. Os bancos públicos deveriam atuar nessa linha e forçar os concorrentes do setor privado a trilhar o mesmo caminho. Os fundos de pensão deveriam redefinir seus padrões de exigência de aplicações e rentabilidade – afinal seus ativos pertencem aos trabalhadores e não deveriam espelhar uma ação tão predatória quanto aquela do capital especulativo privado.

Por mais utópico que possa parecer, vejam que não se trata nem de uma pretensão de mudar, no curto prazo, o comportamento das corporações do mercado privado. Aqui estão listadas apenas as instituições de natureza pública e semi-sindical, que poderiam conviver sem problemas com a mentalidade e os princípios dos bancos éticos. Como sempre, os grandes obstáculos estão na dimensão da política. E imaginava-se que os primeiros passos para as transformações mais profundas e necessárias viriam dessa esfera, quando houve a mudança eleitoral em 2002. Triste ilusão.

Por Paulo Kliass, que é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.cartamaior.com.br

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