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Campanha sobre escravidão busca sensibilizar público jovem

No bojo de mais um 13 de maio, campanha “Escravidão Não” pretende mostrar a jovens que circulam por bares, espaços culturais e universidades de São Paulo que o trabalho escravo continua bem mais presente do que se imagina

Nos bancos da escola, todo estudante aprende sobre a Lei Áurea. Para se dar bem nas avaliações, precisa guardar na memória – e repetir, quando perguntado – que a escravidão foi abolida no país, pelo menos no papel, após o famoso ato firmado em 13 de maio de 1888 pela Princesa Isabel.

No bojo de mais um 13 de maio, a campanha “Escravidão Não”, lançada na última sexta-feira (9), pretende mostrar a jovens que circulam por bares, restaurantes, espaços culturais e universidades da maior metrópole do país que o trabalho escravo continua bem mais presente do que se imagina.

Ao todo, 10 mil cartões postais, com uma mensagem provocativa sobre a escravidão contemporânea, estão sendo distribuídos em 50 estabelecimentos espalhados pela capital paulista. Aqueles que pegarem o cartão, sujarão literalmente as mãos com carvão vegetal, uma das principais atividades econômicas envolvidas na exploração do crime no Brasil.

“Os jovens são o futuro da sociedade. Acreditamos que, para o futuro ser bom, a ética e o pensamento crítico devem estar sempre em pauta no dia-a-dia dessas pessoas”, afirma Pedro Sene, sócio-diretor da Sagarana Comunicação, agência de publicidade com foco diferenciado (de interesse das pessoas) que promove a campanha “Escravidão Não”. O cartão direciona os leitores a um site com informações complementares: www.escravidaonao.com.br

O site especial disponibiliza um canal para que os visitantes assinem o abaixo-assinado para a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, conhecida como PEC do Trabalho Escravo, que prevê a expropriação de terras dos empregadores que explorarem mão-de-obra escrava.

“Jovens são mais engajados quando se trata de um assunto como este, pois participam ativamente de movimentos sociais. Este fator é essencial para o sucesso da campanha, já que buscamos 1 milhão de assinaturas para o abaixo-assinado”, completa Pedro Sene.

Lucas Pacifico, também sócio-diretor da Sagarana, conta que a idéia de abordar a escravidão surgiu de um contexto mais amplo “carregado de acontecimentos relacionados aos direitos humanos e às questões ambientais do planeta”.

“O forte discurso de uma vida mais sustentável, o aquecimento global e a entrada de um presidente negro na presidência dos Estados Unidos deram margem para que muitos tabus e assuntos pouco discutidos entrassem em pauta, como o passado escravocrata na América, o preconceito moderno em relação aos negros nos dias atuais e claro, os direitos humanos violados discaradamente”, emenda Lucas Pacífico.

De acordo com ele, os “números absurdos de lucro e exploração” contidos na obra “Tráfico Sexual – Por Dentro do Negócio da Escravidão Moderna”, no qual o autor Siddharth Kara trata da máquina econômica por trás da escravidão, também contribuíram para a escolha do tema.

Conforme os resultados, mais cartões da “Escravidão Não” poderão ser distribuídos em locais públicos. Pedro Sene inclusive planeja: “Continuaremos atualizando o site e queremos abordar anualmente, em cima da mesma campanha, um diferente segmento ligado ao trabalho escravo no Brasil”.

Por Repórter Brasil.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.reporterbrasil.org.br.

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Por que a Lei Áurea não representou a abolição definitiva?

O fim da escravidão legal no Brasil não foi acompanhado de políticas públicas e mudanças estruturais para a inclusão dos trabalhadores. Por isso, os escravos modernos são herdeiros dos que foram libertados em 13 de maio de 1888

Em 2008, comemora-se os 120 anos da Lei Áurea, quando o Estado brasileiro passou a considerar ilegal o direito de propriedade de um ser humano sobre outro. Contudo, o ato da princesa Isabel não foi a causa do fim do regime escravista no país, mas o final (postergado, ao máximo) de um processo que começou com a proibição do tráfico negreiro entre a África e o Brasil. E contou com a instituição de garantias prévias para que os proprietários rurais tivessem mão-de-obra farta e à disposição mesmo após a assinatura que condenou o trabalho escravo à ilegalidade. Para entender esse processo, portanto, é necessário voltar no tempo e recoorrer aos acontecimentos do início do século 19. Não apenas àqueles decorrentes da mudança da família real para o Brasil, mas também à expansão da Inglaterra industrial pelo mundo.

Com a invasão das tropas napoleônicas, a Coroa portuguesa dependia dos ingleses para retomar o seu país e garantir sua própria segurança no Rio de Janeiro, além da proteção de suas colônias. Não é de se estranhar, portanto, que a Inglaterra, interessada em tornar o Brasil e as colônias espanholas do Prata e do Pacífico mercados para seus produtos manufaturados e fontes baratas de matérias-primas, pressionasse por melhores condições comerciais. O Tratado de Navegação e Comércio, assinado em 1810, dois anos após a abertura dos portos às nações estrangeiras, foi instituído nesse sentido. Por um tempo, os ingleses passaram a usufruir de uma taxa de importação (15%) menor que a própria taxa imposta aos produtos portugueses (16%).

Junto com esse acordo foi assinado outro entre as duas coroas. Pelo Tratado de Aliança e Amizade, Portugal se comprometia a limitar o tráfico de escravos entre suas colônias. A bem da verdade, isso não causou grande impacto na economia brasileira, pois o comércio português de escravos já estava restrito aos seus próprios domínios na África. Mas foi um dos primeiros indícios do que viria a ser o comportamento inglês nas décadas seguintes. Prova disso é que, no Congresso de Viena, cinco anos mais tarde, pressionado pelos ingleses, Portugal concordou em proibir o tráfico de seres humanos em regiões acima da linha do Equador. O que colocava de fora desse sistema comercial um dos principais fornecedores de mão-de-obra para o Brasil, a Costa da Mina, na África Ocidental. O acordo veio ganhar “força de lei” após a inclusão das canhoneiras ao papel assinado, por meio de uma cláusula adicional, inserida anos mais tarde, que dava à Inglaterra o direito de abordar em alto-mar embarcações suspeitas de transportar cativos e de apreendê-las.

A despeito dos acordos internacionais, tanto a Coroa portuguesa quanto o governo imperial brasileiro que a sucedeu não tornaram efetivas essas promessas para encerrar o tráfico. A Inglaterra, que teve um papel de mediação no processo de independência do Brasil, continuou pressionando a nova administração por medidas duras para acabar com o tráfico negreiro. Exigiu em um tratado de 1826, ratificado em 1827, que o país proibisse o comércio humano em três anos. Em 1831, o Brasil realmente promulgou a lei que proibiu o tráfico de pessoas da África e declarou livre os cativos que desembarcassem nos portos do país após aquela data. É claro que a lei permaneceu como letra-morta em função do fortalecimento da influência dos proprietários rurais após a abdicação do imperador Pedro I no mesmo ano.

Pois, como afirmou Caio Prado Júnior, a escravidão constituía a mola mestra da vida no país, repousando sobre ela todas as atividades econômicas. A produção nacional, voltada para atender às necessidades de gêneros alimentícios (como o café) e matérias-primas para uma Europa em plena marcha industrial, dependia do trabalho servil. Em decorrência disso, por mais que houvesse um crescente descontentamento da opinião pública esclarecida com o trabalho escravo, era enérgica a defesa de sua manutenção pelo setor produtivo. Afinal de contas, não havia no horizonte visível uma opção (que não desmontasse o sistema) para substituir esse tipo de mão-de-obra. E a importação era a única forma de suprir o aumento da demanda por força de trabalho e mesmo sua reposição, haja vista que a reprodução da mão-de-obra escrava em cativeiro era insignificante.

Na sociedade escravista, o trabalhador não possuía a propriedade de sua força de trabalho. Não tinha liberdade para vendê-la a quem garantisse melhores remuneração ou condições de subsistência, estando atado a uma pessoa ou empresa pelo tempo de sua vida. Era mercadoria. E, por ser mercadoria, também era patrimônio. A riqueza de um homem era comumente medida pela quantidade de escravos que possuía. Mas um patrimônio com natureza diferente, comprado pelo fazendeiro em um mercado de força de trabalho, do qual aquele acaba por ser dependente e refém.

O escravo-mercadoria se tornava objeto de lucro pelo comércio internacional antes mesmo de começar a produzir. Ao investir determinada soma de dinheiro na compra de força de trabalho, um fazendeiro tinha em mente que ele teria que buscar um retorno equivalente ou superior à quantidade de recursos necessários para a manutenção da mão-de-obra somada aos recursos que ele investiu em sua compra mais a taxa de juros que ele ganharia caso investisse o mesmo valor no mercado. Caso contrário, o negócio não valeria a pena.

Na primeira metade do século 19 já era possível prever que o fim da escravidão era apenas uma questão de tempo no Brasil. Tanto as pressões externas quanto internas apontavam para uma mudança no tipo da força de trabalho utilizada na produção, o que, sem dúvida nenhuma, era condição fundamental para o desenvolvimento econômico e social do país. A dúvida seria como e quando essa mudança aconteceria e a qual custo – toda alteração no curso de um sistema tem um custo, que é ponderado no momento de tomar decisões de adoção de políticas por gestores. Um fator interno que contribuiu para que esse balanço de fatores pendesse para o fim do tráfico foi a situação exposta acima pelo sociólogo José de Souza Martins. Os comerciantes de escravos haviam se tornado proeminentes figuras financeiras, tendo os proprietários rurais do país como seus devedores. A sujeição econômica a essa classe, que já não gozava de boa reputação e imagem pela sociedade, trazia insatisfação aos produtores.

Vale lembrar que, externamente, o país já enfrentava problemas com a abordagem internacional de seus navios, sendo eles transportadores de escravos ou não. A justificativa de impedir o tráfico era usada mesmo quando as embarcações estavam de acordo com o acordos ingleses. Em 1845, o parlamento inglês aprovou o Bill Aberdeen, declarando legal o aprisionamento de qualquer embarcação utilizada no tráfico e a sujeição de seus ocupantes ao julgamento por pirataria. Os navios eram caçados não apenas em alto mar, mas também em águas abrigadas do Brasil e nos seus portos.

Em 1850, o governo brasileiro finalmente adota ações eficazes para coibir o tráfico transatlântico de escravos, com a adoção de leis e ações. Os resultados puderam ser sentidos rapidamente: em 1849, 54 mil escravos entraram no país. O número caiu para 23 mil em 1850, 3 mil em 1851, pouco mais de 700 em 1852, para acabar então definitivamente.

Nos anos seguintes, foram tomadas medidas que libertaram crianças e sexagenários. O que, na verdade, serviu apenas como distrações para postergar o fim da escravidão. Os escravos que conseguiam chegar aos 60 anos já não tinham condições de trabalho e eram um “estorvo” financeiro para muitos fazendeiros que os sustentavam. Já os filhos dos escravos não possuíam autonomia para viver sozinhos. Muitos, até completarem 18 anos, foram tutelados (e explorados) pelos proprietários de seus pais. Além disso, uma corrente de tráfico interno vendia escravos do Nordeste para suprir a crescente produção de café no Sudeste.

Mas, por mais que fosse postergada, com o fim do tráfico transatlântico, a propriedade legal sob seres humanos estava com os dias contados. Em questão de anos, centenas de milhares de pessoas estariam livres para ocupar terras virgens – que o país tinha de sobra – e produzir para si próprios em um sistema possivelmente de campesinato. Quem trabalharia para as fazendas? Como garantir mão-de-obra após a abolição total?

Vislumbrando que, mantida a estrutura fundiária do país, o final da escravidão poderia representar um colapso dos grandes produtores rurais, o governo brasileiro criou meios para garantir que poucos mantivessem acesso aos meios de produção. A Lei de Terras foi aprovada poucas semanas após a extinção do tráfico de escravos, em 1850, e criou mecanismos para a regularização fundiária. As terras devolutas passaram para as mãos do Estado, que passaria a vendê-las e não doá-las como era feito até então.

O custo da terra começou a existir, mas não era significativo para os então fazendeiros, que dispunham de capital para a ampliação de seus domínios – ainda mais com os excedentes que deixaram de ser invertidos com o fim do tráfico. Porém, era o suficiente para deixar ex-escravos e pobres de fora do processo legal. Da mesma forma, a lei proibia que imigrantes que tiveram suas passagens financiadas para vir ao Brasil (ato comum na política de imigração) comprassem terras até três anos após a sua chegada. Ou seja, mantinha a força de trabalho à disposição do serviço do capital.

Os preceitos da lei não foram necessariamente respeitados, principalmente por quem possuía recursos para isso. Afinal, ela não havia sido criada para impor ao capitalismo brasileiro um problema, mas sim garantir o seu florescimento. De acordo com Emília Viotti da Costa, os ocupantes de terras e os possuidores de títulos de sesmarias ficaram sujeitos à legitimação de seus direitos, o que foi feito em 1854 através do “registro paroquial”. O documento validava a ocupação da terra até essa data. Com isso nasceu uma indústria da falsificação de títulos de propriedades, com a participação de cartórios. Familiar aos proprietários de terra, os procedimentos para isso eram inatingíveis ao ex-escravo ou ao imigrante, por desconhecimento ou falta de recursos financeiros para subornar alguém.

Com o trabalho cativo, a terra poderia estar à disposição para livre ocupação. Porém, com o trabalho livre, o acesso à terra precisava ser restringido. A existência de terras livres garante produtores independentes e dificulta a centralização do capital e da produção baseada na exploração do trabalho. Com o fim do tráfico e o livre mercado de trabalho despontando no horizonte, o governo brasileiro foi obrigado a tomar medidas para impedir o acesso à terra, mantendo a mão-de-obra reprimida e alijada de seus meios de produção.

Dessa maneira, a Lei de Terras, nascida do fim do tráfico de escravos, está na origem da atual exploração do trabalhador rural e, portanto, da escravidão contemporânea. As legislações que se sucederam a ela e trataram do assunto apenas reafirmaram medidas para garantir a existência de um contingente reserva de mão-de-obra sem acesso à terra, mantendo baixo o nível de remuneração e de condições de trabalho. Com a Lei de 1850 estava formatada uma nova estrutura – em substituição àquela que seria extinta em maio de 1888 – para sujeitar os trabalhadores.

Porém, ela também resolveu outro problema crucial: ao dificultar o acesso e legalizar a posse, criou valor para algo que até então não o possuía – a terra. Como não era um objeto passível de ser comercializado, a fazenda consistia, em um primeiro momento, no locus onde ocorria a exploração e, dali em diante, no trabalho acumulado dos escravos – traduzido em mercadorias e benfeitorias. Martins explica que a lei possibilitou, dessa forma, a transferência da garantia dada ao mercado de crédito da propriedade dos escravos para a propriedade da terra. Esse momento é decisivo. O trabalho, liberto da condição de renda capitalizada, deixa de fazer parte do capital para se contrapor a ele. Não era mais preciso comprar a capacidade de gerar riqueza: com o fim do direito à propriedade privada sobre seres humanos, o capital também ganha a liberdade. Com a diferença de que poderia usufruí-la melhor do que os antigos escravos.

No dia 13 de maio de 1888, com a Lei Áurea, o Estado deixou de reconhecer o direito de propriedade de uma pessoa sobre outra. Contudo, isso não significou que todas as relações de trabalho nas sociedades regidas pelo capital passariam a ser guiadas por regras de compra e venda da força de trabalho mediante assalariamento, com remuneração suficiente para a manutenção do trabalhador e de sua família. O fim da escravidão não representou a melhoria na qualidade de vida de muitos trabalhadores rurais, uma vez que o desenvolvimento de um número considerável de fazendas continuou a se alimentar de formas de exploração semelhantes ao período da escravidão. Não apenas no momento da acumulação primitiva originária – historicamente realizada através de recursos naturais e da força de trabalho – mas ao longo do tempo, como forma de garantir uma margem de lucro maior ao empreendimento ou mesmo lhe dar competitividade para a concorrência no mercado.

Dois casos de utilização de formas de exploração semelhantes ao trabalho escravo, mas que não envolvem propriedade legal de um ser humano sobre outro, tornaram-se referência no pós-Lei Áurea. O primeiro é o dos nordestinos levados a trabalhar na florescente indústria da borracha na Amazônia. O segundo o dos colonos estrangeiros trazidos para as fazendas de café do interior do Estado de São Paulo. Pela descrição da situação, é possível constatar que há um padrão na forma de exploração desses trabalhadores, que continua praticamente o mesmo nos dias de hoje – a servidão por endividamento ilegal. Como esse padrão se repetia em diversos países, ele foi objetivo de discussões internacionais e definido em convenções da Organização Internacional do Trabalho.

Após 1850, as exportações de borracha cresceram no Brasil devido ao aumento na demanda internacional pelo produto após o desenvolvimento do processo de vulcanização, que aumentou a sua resistência e ampliou as possibilidades de moldagem. Entre 1881 e 1890, representava 8% do total de exportações do país e ocupava o terceiro lugar entre os produtos mais vendidos. Vinte anos depois (1901-1910), a borracha passou a 28% do total de exportações. Isso levou o luxo à região amazônica, onde estavam concentrados os seringais – riqueza esta extraída do trabalho de migrantes nordestinos, muitos deles fugidos da seca que atingiu o Nordeste entre 1877 e 1880. O relato de Caio Prado Júnior vale para aquela época, mas descreve esse padrão que continua até os dias de hoje:

“As dívidas começam logo ao ser contratado: ele adquire a crédito os instrumentos que utilizará, e que embora muito rudimentares, estão acima de suas posses em regra nulas. Freqüentemente estará ainda devendo as despesas de passagem desde sua terra nativa até o seringal. Estas dívidas iniciais nunca se saldarão porque sempre haverá meios de fazer as despesas do trabalhadores ultrapassarem seus magros salários. E quando isto ainda não basta, um hábil jogo de contas que a ignorância do seringueiro analfabeto não pode perceber, completará a manobra. Enquanto deve, o trabalhador não pode abandonar o seu patrão credor; existe entre os proprietários um compromisso sagrado de não aceitarem a seu serviço empregados com dívidas para com outro e não saldadas”. E utilizava-se a força para manter o trabalhador no serviço.

Com o final do tráfico negreiro, deu-se o início da implantação de regimes de parceria em várias fazendas de café, trazendo colonos europeus para o serviço. Vale lembrar que a escravidão não era apenas um modo de produção. Ela estava historicamente enraizada em toda sociedade, que girava em torno dela. Portanto, era claro que a relação fazendeiro/escravo demoraria a ser substituída pela patrão/empregado tanto ideologicamente quanto na prática – ou talvez que nunca venha a se realizar plenamente. Um exemplo citado por José de Souza Martins é o da firma Vergueiro & Cia, que contratou imigrantes para executar o serviço:

“Na parceria, conforme o contrato assinado com os colonos suíços, “vendido o café por Vergueiro & Cia pertencerá a estes a metade do seu produto líquido, e a outra metade ao (…) colono. Entretanto, o parceiro era onerado em várias despesas, a principal das quais era o pagamento do transporte e gastos de viagem dele e de toda a sua família, além da sua manutenção até os primeiros resultados do seu trabalho. Diversos procedimentos agravavam os débitos, como a manipulação das taxas cambiais, juros sobre adiantamentos, preços excessivos cobrados no armazém (em comparação com os preços das cidades próximas), além de vários abusos e restrições que, no caso da [fazenda] Ibicaba, logo levaram a uma rebelião. Esses recursos protelavam a remissão dos débitos dos colonos, protelando a servidão virtual em que se encontravam”.

O colono não entrava no mercado de trabalho livre para vender sua força. E se estivesse insatisfeito com o patrão, teria que procurar outro que comprasse suas dívidas. Perante a lei, estavam livres, contudo, economicamente, eram similares a escravos. A experiência da Vergueiro & Cia gerou insatisfação por parte dos colonos, temor por parte dos fazendeiros que receavam que insurreições como a ocorrida nessa fazenda em 1856 se repetissem e mesmo desconfiança de outros países fornecedores de mão-de-obra. Situações como essa se repetiram ao longo de décadas até que a prática da imigração para o colonato estabelecesse um modus operandi que contou com a participação do governo. Este passou a subvencionar o transporte dos estrangeiros de seu país de origem até o Brasil, diminuindo os problemas com o endividamento. Os colonos esperavam obter no trabalho das fazendas de café recursos suficientes para adquirirem sua própria terra. O colonato passou a ser visto, e incentivado, como uma etapa necessária para independência econômica.

A exploração degradante e ilegal do trabalho continuou. Ao analisar a situação do colonato do café entre o final do século 19 e início do século 20 no Brasil, Martins afirmou que a propriedade capitalista da terra assegurava ao fazendeiro a sujeição do trabalho e, ao mesmo tempo, a exploração ilegal de seres humanos.

Apesar de trabalharem para a fazenda, os colonos atuavam como arrendatários, ficando cada grupo com um pedaço da fazenda, cuidando do cafezal e entregando o produto para o proprietário da terra. Para isso, eram remunerados abaixo do valor do seu serviço e de forma insuficiente para garantir sua subsistência, tendo que utilizar as terras entre os cafezais ou próximas deles para produzir seus alimentos. O trabalho absorvido na formação da fazenda de café era convertido em capital na forma de cafezais. Dessa forma, ela produzia a partir de relações não-capitalistas de produção boa parte de seu capital.

Durante todo o século 20, a servidão por dívida utilizada contra os seringueiros e os primeiros imigrantes do café consolidou-se como uma das formas empregadas para reprimir a força de trabalho nas situações de expansão do capital sobre formas não-capitalistas de produção. Não há estimativas confiáveis do número de escravos no país hoje. Alguns levantamentos falam de 25 mil, outros de 40 mil. O fato é que de 1995 até hoje, mais de 30 mil pessoas já foram libertadas em operações dos grupos móveis de fiscalização do governo federal, responsáveis por apurar denúncias e libertar trabalhadores.

Para além dos efeitos da Lei Áurea que completa 120 anos, trabalhadores rurais do Brasil ainda vivem atualmente sob a ameaça do cativeiro. Mudaram-se os rótulos, ficaram as garrafas. Marx afirmava que o “morto apodera-se do vivo”. Com base na permanência da escravidão sob outras formas, constata-se que não são apenas as velhas formas que se inserem nas novas, mas as novas recorrem às velhas sempre que possível.

Por Leonardo Sakamoto, que é coordenador da ONG Repórter Brasil, jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.

Para saber mais:
– História do Brasil, de Bóris Fausto
– História econômica do Brasil, de Caio Prado Júnior
– Política de terras no Brasil e nos Estados Unidos, de Emília Viotti da Costa,
– Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul, de Fernando Henrique Cardoso
– O cativeiro da terra, de José de Souza Martins
– A questão agrária e o capitalismo, de Samir Amin e Kostas Vergopoulos

ARTIGO PUBLICADO NO SÍTIO www.reporterbrasil.org.br EM 13/05/2008.

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Trabalho forçado “desvia” US$ 21 bilhões do bolso das vítimas

Relatório global da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revela que, se não fossem as formas de trabalho forçado, renda adicional de US$ 21 bilhões anuais poderia estar sendo direcionada a explorados que estão na base social

Se não fossem as práticas de trabalho forçado, as vítimas poderiam ser beneficiadas com recursos adicionais da ordem de US$ 21 bilhões por ano. O cálculo faz parte do novo estudo sobre o tema lançado nesta terça-feira (12) pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). O relatório, intitulado “O Custo da Coerção”, também detalha experiências inovadoras e dificuldades cada vez mais complexas no combate à quantidade crescente de práticas fraudulentas e criminosas que podem resultar na submissão de pessoas a situações de trabalho forçado.

A soma de US$ 21 bilhões – que é uma estimativa provisória e exlcui as vítimas da exploração sexual para fins comerciais – resulta das diversas formas de subtração de valores que caracterizam o trabalho forçado. As vítimas desse tipo de exploração geralmente recebem salários mais baixos; muitas vezes, menos que o piso necessário para a subsistência – ou até, em determinados casos, não recebem nada. Costumam arcar ainda com cobranças excessivas por alojamento, comida e outros bens e equipamentos.

Além disso, enfrentam longas jornadas de trabalho e não recebem horas extras. Para completar, especialmente nos casos de tráfico de pessoas, o trabalho forçado “desvia” recursos que poderiam remunerar os aliciadores intermediários encarregados pelo recrutamento por meio de honorários, custos de viagem sobretaxados e outros expedientes. O 1º relatório global da OIT, de 2005, revelou que mais de 12 milhões são vítimas de trabalho forçado no mundo e que os lucros provenientes do tráfico de pessoas, especialmente para fins de exploração sexual, podem chegar a US$ 32 bilhões por ano.

Divulgado em meio à crise econômica, este segundo relatório acrescenta que “nesta conjuntura, os que mais sofrem são os mais vulneráveis. Nesses tempos é ainda mais necessário evitar que os ajustes não ameacem as salvaguardas conquistadas a duras penas para impedir que os trabalhadores e trabalhadoras, ao longo das cadeias produtivas, sejam submetidos ao trabalho forçado ou ao abuso representado pelo tráfico de pessoas”.

“A maior parte do trabalho forçado ainda é encontrada nos países em desenvolvimento, frequentemente na economia informal e em regiões isoladas, com pouca infraestrutura, sem fiscalização do trabalho e aplicação da lei”, coloca o relatório. “Isto só pode ser combatido por meio de políticas e programas integrados que combinem medidas de cumprimento efetivo das leis com iniciativas pró-ativas de prevenção e proteção, capacitando as pessoas em risco de trabalho forçado a defender seus próprios direitos”.

“O trabalho forçado moderno pode ser erradicado e isso pode ser alcançado desde que haja um compromisso sustentado da comunidade internacional, trabalhando em conjunto com os governos, empregadores, trabalhadores e a sociedade civil”, completa Juan Somavia, diretor-geral da OIT.

Diversos países adotaram legislação que enquadra o trabalho forçado como um crime. A maioria deixou de tratar o tema como um tabu e passou a divulgar mais informações sobre o assunto, como é o caso do Brasil. No relatório da OIT o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) é citado por facilitar a divulgação de informações sobre o número de pessoas liberadas de situação de trabalho forçado. Por outro lado, o documento destaca que a Justiça Penal brasileira condenou poucas pessoas pelo crime de trabalho forçado.

Na visão de Roger Plant, chefe do Programa de Ação Especial de Combate ao Trabalho Forçado da OIT, “o trabalho forçado é muitas vezes mal definido na legislação nacional, tornando difícil de abordar as múltiplas e sutis formas pelas quais os trabalhadores podem ter a sua liberdade negada”. “O desafio consiste em resolver estes problemas de forma integrada, através da prevenção e da aplicação da lei, usando ao mesmo tempo a Justiça do trabalho e a Justiça criminal”, acrescenta Roger.

O novo estudo da OIT, lançado um dia antes de mais um aniversário da Lei Áurea de 13 de maio de 1888, traça também um panorama dos esforços realizados em nível global para combater o trabalho forçado.

Planos de ações

Entre os planos de ação contra o trabalho forçado, o relatório da OIT destaca a implementação da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) no Brasil e a elaboração dos dois Planos Nacionais de Combate ao Trabalho Escravo, sendo o último lançado em setembro de 2008.

O segundo plano incorpora medidas como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que permite a expropriação e a redistribuição das propriedades de empregadores que utilizam trabalho escravo e inclui outra proposta para dar garantias a estrangeiros submetidos ao trabalho forçado. O documento também propõe sanções econômicas mais elevadas contra empregadores que exploram esse tipo de crime, proibindo-os de obter empréstimos, tanto do setor privado como de fontes públicas, e de assinar qualquer tipo de contrato com entidades públicas.

O relatório destaca um estudo que traça o perfil de vítimas de trabalho escravo. Descobriu-se que a maioria dos entrevistados (121 pessoas) se deslocava constantemente dentro do Brasil. Somente um quarto deles continuava vivendo no estado onde nasceu. Quase todos começaram a trabalhar antes dos 16 anos. Mais de um terço iniciou a labuta antes dos 11 anos – na maioria para ajudar os pais em atividades agrícolas. Dos 121 entrevistados, 48 foram aliciados por meio de um amigo ou conhecido e 33 foram aliciados por um “gato” ou diretamente no estabelecimento rural.

A “lista suja” de infratores que exploraram trabalho escravo, mantida pelo governo federal, é citada no relatório como um exemplo de combate a esse tipo de crime. A lista passa por atualizações maiores a cada seis meses. Os nomes são mantidos por dois anos e, caso o empregador não volte a cometer o delito e tenha pago devidamente os salários dos trabalhadores, o registro é excluído. “Descobriu-se que uma parte importante das atividades estavam vinculadas a práticas ilícitas que causaram o desmatamento da região amazônica. De fato, muitos desses estabelecimentos rurais são de grande extensão, de até 30.000 hectares ou mais”, coloca o documento.

Um atlas brasileiro elaborado pela ONG Amigos da Terra com o apoio do governo, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da OIT também mereceu citação no relatório. O trabalho reúne informações sobre a incidência de trabalho escravo em diferentes regiões geográficas. Além de apresentar dados georeferenciados sobre os locais de origem dos trabalhadores e das regiões de onde foram resgatados, o estudo vinculou a incidência de trabalho forçado a outras condições socioeconômicas, como o desmatamento, a incidência de homicídios no meio rural, as taxas de alfabetização e a pobreza.

A partir dessas informações, foi elaborado um índice de probabilidade do trabalho forçado. “As autoridades do governo podem fazer uso estratégico dos resultados para planejar e dirigir políticas públicas e atividades de assistência para essas regiões”, sugere o relatório da OIT.

Também é realçada a iniciativa do Instituto Carvão Cidadão (ICC) de reintegração de vítimas da escravidão. O texto mostra que “115 trabalhadores foram contrados por meio do projeto em 2007. Além disso, as empresas signatárias do Pacto da Indústria Siderúrgica [do Pólo Carajás, que constituem o ICC] destinaram aproximadamente US$ 350 mil para a reinserção de pelo menos outros 400 trabalhadores resgatados até o final de 2010”.

Os estudos da cadeia produtiva dos bens produzidos pelas empresas que aparecem na “lista suja” promovidos pela ONG Repórter Brasil, com apoio da OIT e a pedido da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República, também são destacados pela OIT.

O primeiro estudo foi realizado em 2004, com foco no índice de trabalho escravo no setor de diferentes produtos agrícolas e outros produtos básicos. Um novo estudo, realizado em 2007, trata dos vínculos entre outras redes comerciais e o trabalho forçado. “Estes têm sido instrumentos valiosos para aumentar a sensibilização do público em geral, bem como de empregadores, em relação com o risco de trabalho forçado em suas cadeias produtivas. Como resultado deste estudo, a OIT e o Instituto Ethos estabeleceram contato com as empresas identificadas na investigação a fim de alertá-las sobre a existência de trabalho forçado em suas cadeias produtivas”, salienta a entidade ligada à Organização das Nações Unidas (ONU).

A partir desta iniciativa, surgiu o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, em 2005. Cerca de 160 empresas e associações são signatárias do pacto e se comprometeram a lutar contra o trabalho escravo, por meio de cláusulas em seus contratos de compra e venda e da facilitação da reinserção dos trabalhadores libertados. Entre os signatários figuram grandes cadeias de supermercados e grupos industriais e financeiros que, em conjunto, representam um quinto do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.

Informação e educação

O relatório global da OIT considera ainda “uma estratégia útil o uso dos meios de comunicação para sensibilizar o público sobre os possíveis perigos da migração mal planejada ou “às cegas” ou da aceitação de ofertas de trabalho sem garantias ou proteção adequadas”.

Houve um aumento da cobertura jornalísitca sobre o tema no Brasil, por conta da realização de seminários sobre questões relativas ao trabalho escravo com jornalistas para promover a apresentação de informação ampla e responsável. O projeto “Escravo, Nem Pensar!”, realizado nas principais regiões de emigração também é citado. O projeto da Repórter Brasil – que conta com a colaboração da CPT, da OIT e de outras entidades – oferece cursos a professores, educadores e líderes comunitários. Entre 2004 e 2008, mais de 2 mil pessoas participaram destas atividades em mais de 30 localidades.

Confira a íntegra do Relatório Global “O Custo da Coerção” da OIT, acesse o endereço eletrônico http://www.ilo.org/global/What_we_do/Officialmeetings/ilc/ILCSessions/98thSession/ReportssubmittedtotheConference/lang–en/docName–WCMS_106230/index.htm

Por Bianca Pyl.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.reporterbrasil.org.br.

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