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Coda: Ordens Sociais Familísticas e Ordens Sociais Estatais

Coda é um fragmento musical que se acrescenta ao fim de uma peça em que há repetições. Refere-se também ao final de um balé clássico. Eu tive ainda um coda, na minha aprendizagem, quando li o Texto para Discussão do IE-UNICAMP (TDIE) n. 312, postado em agosto de 2017, História do crescimento econômico: as origens político-culturais da Revolução Industrial, de autoria do meu colega e velho amigo Ademar Ribeiro Romeiro.

Tenho interesse, para entender mais o atraso histórico do nosso País, em aprofundar meu conhecimento sobre os agrupamentos humanos sob a forma de:

  1. família: representa um grupo social primário que influencia e é influenciado por outras pessoas e instituições. É formado por pessoas, ou um número de grupos domésticos ligados por descendência (demonstrada ou estipulada) a partir de um ancestral comum, matrimônio ou adoção. Nesse sentido, o termo confunde-se com clã.
  2. clã: constitui-se num grupo de pessoas unidas por parentesco e linhagem e que é definido pela descendência de um ancestral comum. Mesmo se os reais padrões de consanguinidade forem desconhecidos, não obstante, os membros do clã reconhecem um membro fundador ou ancestral maior. Como o parentesco baseado em laços pode ser de natureza meramente simbólica, alguns clãs compartilham um ancestral comum “estipulado”, o qual é um símbolo da unidade do clã. Em geral, o parentesco difere da relação biológica, visto que esta também envolve adoção, casamento e supostos laços genealógicos. Os clãs podem ser descritos mais facilmente como subgrupos de tribos e geralmente constituem grupos de 7000 a 10000 pessoas.
  3. dinastia: é uma sequência de governantes considerados como membros da mesma família. Muitos Estados soberanos foram dirigidos por sucessivas dinastias, por exemplo, o Antigo Egito e a China imperial. Grande parte da história política europeia é dominada por dinastias. Até o século XVII, quando ocorreu a revolução parlamentarista inglesa contra o absolutismo, baseado na ideia de predestinação divina do monarca, foi aceita como uma função legítima dele apenas engrandecer sua dinastia, ou seja, aumentar o território, a riqueza e o poder dos membros da sua família.

De acordo com a antropologia evolucionária existem quatro estágios de organização sócio-política:

  1. bandos: os principais benefícios do agrupamento em bando são a segurança pelo número e a maior eficácia na procura de comida; a defesa contra predadores é especialmente importante em habitats onde a predação se dá na maior parte das vezes através de emboscadas, pelo que a vigilância de vários olhos é importante.
  2. tribos: era o nome que se dava a agrupamentos humanos unidos pela língua, costumes, instituições e tradições; originalmente, era empregado para designar cada uma das divisões da Roma Antiga formadas por cidadãos plebeus, depois, passou a ser aplicado, também, às divisões dos povos da Antiguidade, como as doze Tribos de Israel, sendo que na época colonialista foi utilizado pela antropologia, em um sentido pejorativo de “agrupamento humano com cultura rudimentar”.
  3. reinados: Monarquia é a mais antiga forma de governo ainda em vigor; nela, o chefe de Estado se mantém no cargo até a sua morte ou a sua abdicação, sendo normalmente um regime hereditário; das quarenta e quatro monarquias existentes no mundo atualmente, vinte são reinos da Comunidade das Nações (ex-império britânico) e 16 destes reconhecem o monarca do Reino Unido como chefe de Estado, tendo as restantes quatro monarcas próprios, resultando no total 29 famílias-reais no poder, mas a maioria é de Monarquias Constitucionais, existindo, oficialmente, cinco Monarquias Absolutistas no mundo: Arábia Saudita, Brunei, Omã, Suazilândia, Vaticano, ainda que o Qatar, sendo oficialmente uma Monarquia Constitucional, possua propriedades de absoluta.
  4. Estados: o termo Estado data do século XIII e se refere a qualquer país soberano, com estrutura própria e politicamente organizado, bem como designa o conjunto das instituições que controlam e administram uma Nação: uma comunidade estável, historicamente constituída por vontade própria de um agregado de indivíduos, com base num território, numa língua, e com aspirações materiais e espirituais comuns. Estado não se confunde com governo. O Estado é dirigido por um governo que possui soberania reconhecida tanto interna como externamente, desde que se submeta a uma Constituição aprovada direta ou indiretamente. Um Estado soberano é sintetizado pela máxima “um governo, um povo, um território“. O Estado é responsável pela organização e pelo controle social, pois detém o monopólio da violência legítima, ou seja, a coerção legal.

Nos casos dos bandos e das tribos, a organização social é baseada em afinidades familiares – familísticas –, em geral sanguíneas, mas não exclusivamente. São sociedades relativamente igualitárias.

Reinados e Estados, ao contrário, são organizados hierarquicamente, sendo que a autoridade é exercida em um território e não com base em relações familísticas, embora estas possam permanecer como base para atividades e organizações sociais variadas.

Esses dois últimos são Estados naturais ou ordens sociais de acesso limitado, os quais constituiriam o resultado social default quando se passa de uma organização tribal para uma organização estatal. É uma situação que tende a predominar na medida em que resulta do alinhamento de interesses de indivíduos poderosos e dominantes para forjar uma coalisão hegemônica, capaz de controlar a violência, monopolizando seu uso. Como consequência, torna-se possível a interação social em uma escala mais ampla.

Em relação às ordens sociais baseadas em afinidades familiares, a tendência observada foi de evolução do estágio de bandos para o estágio de tribo.

A humanidade viveu sob essas duas ordens sociais durante a maior parte de sua história. Como e porque ocorreu esta evolução dos bandos para as tribos?

Uma premissa lógica é a de que a organização tribal apresenta uma vantagem indiscutível em relação à organização em bandos. Nesse sentido, quando por algum mecanismo surge a primeira tribo, as vantagens deste tipo de organização social ficam tão evidentes que os demais bandos circundantes ou seguem pelo mesmo caminho pelo efeito demonstração ou acabam derrotados e/ou assimilados pelas tribos.

Este processo evolutivo é análogo àquele da evolução biológica darwiniana, baseada nos princípios da variação e da seleção:

  1. os organismos sofrem mutações genéticas aleatórias e
  2. aqueles que ganham maior capacidade de adaptação sobrevivem e se multiplicam.

O mesmo ocorreria com o desenvolvimento das instituições políticas: as variações com maior capacidade de adaptação ao meio ambiente físico e social sobrevivem e proliferam.

No entanto, há diferenças importantes entre os dois tipos de evolução, biológica e política: diferentemente dos genes, as instituições humanas resultam de escolhas e projetos deliberados e são transmitidas culturalmente ao longo do tempo. A elas são conferidos valores intrínsecos através de uma gama de mecanismos sociais e psicológicos que as tornam mais difíceis de mudar.

É por essa razão que as forças reacionárias não resultam apenas de:

  1. os interesses velados daqueles que usufruem uma posição privilegiada em uma dada ordem política, mas também de
  2. os interesses de todos aqueles que vêm um valor intrínseco nas instituições e costumes que lhe dão coesão e estabilidade.

A religião é uma fonte de coesão social que permite estender e dar maior segurança ao que seria uma tendência natural de cooperação entre os seres humanos. Sem esta ideologia, a ação coletiva começa a se quebrar na medida em que o tamanho do grupo em cooperação se amplia, ficando mais difícil o monitoramento da contribuição individual de cada membro e, desse modo, abrindo espaço para comportamentos oportunistas.

A religião resolve o problema da ação coletiva, reforçando os ganhos da cooperação pelas punições e recompensas [“porrete ou cenoura”] que promete, bem como pelo valor intrínseco que atribui a determinado conjunto de normas. A tendência humana em investir em modelos mentais e teorias com valores intrínsecos promove, portanto, a estabilidade social e permite às sociedades aumentarem enormemente seu tamanho.

Por sua vez, o conservadorismo inerente a sistemas estáveis torna as sociedades resistentes ao desafio às suas ideias dominantes. A capacidade de resistir, inerente a sistemas sociais que perduram no tempo, pode se tornar fonte de decadência política ao impedir as necessárias mudanças de instituições ou normas que se tornam disfuncionais quando muda o conjunto de circunstancias que lhes deram origem.

As formas de religião baseadas na crença na realidade dos ancestrais mortos atam os indivíduos de uma ordem social tribal em uma escala muito maior do que seria possível em uma ordem social de bando. Mesmo os mais distantes parentes sentem que têm alguma conexão e deveres entre si, sentimento este que é reforçado por rituais variados que se aplicam à comunidade como um todo. O papel de cada indivíduo na tribo é definido pela sociedade que o circunda.

Embora não haja um Estado para tiranizar as pessoas, existe o que se chamou de “tirania dos primos”: o mundo social de cada pessoa é de tal modo limitado pelos círculos de parentes em torno dela, que não há liberdade de escolha individual sobre quando e com quem casar, como rezar, como vestir-se, etc. O risco de comportamento oportunista se encontra desse modo severamente limitado.

A passagem da forma de organização em bando para aquela em tribo como forma dominante de organização social se tornou possível com o desenvolvimento da agricultura (e pecuária), que permitiu um aumento da densidade populacional por Km2. Maiores densidades populacionais, por sua vez, tornam necessárias organizações sociais de maior escala.

No entanto, é preciso considerar que a produtividade do trabalho nas sociedades caçadoras-coletoras em condições de abundância de recursos era muito superior àquela das sociedades baseadas na agricultura. Como numerosos estudos antropológicos têm mostrado, os bandos de caçadores-coletores se moviam constantemente entre os locais mais favoráveis em termos da abundância de recursos. Uma vez esgotados os recursos abundantes e fáceis de caçar/coletar, o bando se movia para outra localidade.

Nesse sentido, a opção pela agropecuária como forma predominante de produção de alimentos somente faria sentido se por alguma razão a abundância de alimentos deixasse de existir; teria sido, portanto, uma opção de sobrevivência frente à escassez crescente de recursos disponíveis para caça/coleta.

Jared Diamond (1997) aponta como causas possíveis dessa escassez a extinção de grandes animais em muitas regiões pela mudança climática e pela própria expansão dos grupos de caçadores, com cada vez melhores tecnologias de caça/coleta e de estocagem de produtos.

Em relação à passagem da organização em bandos para a organização em tribos, a busca por maior segurança foi provavelmente o vetor primário de mudança. Uma sociedade tribal é muito mais poderosa que uma sociedade organizada em bando.

Desse modo, assim que algum líder conseguiu juntar vários bandos formando uma tribo em torno da crença em ancestrais comuns, a enorme vantagem militar que passou a ter estimulou a imitação por parte de outros grupos, resultando no predomínio da organização tribal por milhares de anos. Maior poder militar que passou a ser usado para proteger e/ou roubar uma produção de excedente muito superior ao que produziam as sociedades não agrícolas organizadas em bandos.

O vetor da guerra provavelmente foi também, na maioria dos casos, a variável independente na passagem das formas de organização tribais para formas de organizações sociais estatais. Do mesmo modo que as vantagens militares da tribo dão origem a um processo de formação de tribos por parte dos bandos que se sentem ameaçados, as vantagens militares do Estado dão origem a um processo de formação de Estados por parte das tribos. Historicamente há muitos exemplos deste processo, mas não se sabe quando, onde e como ocorreu a formação de um Estado original.

É muito pouco provável que o primeiro Estado tenha sido o resultado de um acordo voluntário, como implícito nos teóricos do contrato social (Hobbes, Locke e Rousseau), pois isto implicaria supor que em uma dada tribo seus membros tivessem em certo momento decidido voluntariamente conceder de modo permanente poderes ditatoriais a um indivíduo, e seus descendentes, para reinar sobre eles.

Um cenário mais provável para a origem do primeiro Estado é aquele em que confluem vários fatores:

  1. a existência de recursos suficientemente abundantes para permitir a criação de um excedente;
  2. a escala absoluta da sociedade tem que ser suficientemente grande para permitir a ocorrência de uma divisão rudimentar do trabalho e a emergência de uma elite dominante;
  3. a população tem que estar limitada a um espaço geográfico que induza à maior densidade quando os avanços tecnológicos permitem e evite a fuga das pessoas quando a coação para extração de excedentes começa a ser exercida;
  4. os grupos tribais têm que ser motivados a desistir da sua liberdade em favor de autoridades de um Estado: pela ameaça de extinção por outros grupos melhor organizados ou pela liderança carismática de algum líder religioso.

Por sua vez, o surgimento de ordens sociais estatais propiciadas pelo desenvolvimento da agricultura abriu a possibilidade de acumulação de capital, ou seja, de crescimento econômico.

Entretanto, o aparecimento de sociedades organizadas sob a forma de Estados não implica forçosamente o desaparecimento das instituições tribais. Pode ocorrer que instituições de Estado sejam meramente sobrepostas como uma camada sobre as instituições tribais e, durante um longo período, um equilíbrio precário entre as duas se estabelece, limitando a ampliação das transações econômicas, do mercado.

A única parte do mundo onde o tribalismo foi plenamente superado por formas de relacionamento social mais voluntárias e individualistas foi a Europa, onde o Cristianismo teve um papel decisivo no enfraquecimento da organização familística como base da coesão social.

No resto do mundo, estruturas familísticas complexas, que incluem indivíduos não relacionados por sangue (clientelísticas), permanecem até os dias de hoje como o locus primário da vida social e influenciam fortemente a interação de grupos com as instituições políticas modernas.

É o caso do peemedebismo no Brasil! O toma-lá-dá-cá congressual é tribal! Os nativos tupiniquins ainda vivem em uma tribo! Afinal, não estamos em uma Aldeia Global? Plim-plim, Rede Glooobo

Artigo colhido no sítio https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/2017/12/31/coda-ordens-sociais-familisticas-e-ordens-sociais-estatais/#more-51387

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