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CUT: das raízes aos frutos

A idéia de criar uma central unitária de trabalhadores no Brasil ressurgiu quando a ditadura militar emitiu os primeiros sinais de que não contava mais com forças para se manter em pé. Mas a luta pelas centrais sindicais percorreria uma trajetória dramática desde então. Na passagem dos 24 anos de fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), numa série farei uma breve passada pela história da principal central sindical da atualidade, comentando suas virtudes e debilidades.

No final da década de 70, o movimento sindical e as demais organizações democráticas começaram a deixar para trás o longo inverno ao qual foram condenados pela noite de terror que caiu sobre o país com o golpe militar de 1964. Em meados de 1977, o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) descobriu que 120 mil metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema (SP) perderam 34,1% de poder aquisitivo nos salários em conseqüência da compressão nos índices de custo de vida, determinada nos anos de 1972, 1973 e primeiros meses de 1974 pelo ex-ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto.

Outras categorias também foram atingidas. Mais de 10 mil jornalistas do Estado de São Paulo foram lesados em 12% e cerca de 100 mil bancários viram seus salários reajustados 17,8% a menos do que o índice de inflação. O estudo do Dieese desencadeou um movimento vigoroso para pressionar o governo pelo ressarcimento do prejuízo. Catorze sindicatos paulistas e outros tantos de outros Estados iniciaram, em agosto de 1977, a campanha pela reposição daquelas perdas. Reuniões e assembléias se espalharam pelo país. Outros sindicatos também consultaram o Dieese.

Tudo começou quando a revista Conjuntura Econômica, de julho daquele ano, divulgou a revisão das contas nacionais feita pelo Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) — ligado à Fundação Getúlio Vargas. A revisão apontou um aumento de 20,5% no custo de vida de 1973, e não 13,7% como fora divulgado.

O substituto de Delfim Neto, Mário Henrique Simonsen, que assumiu o Ministério da Fazenda em março de 1974, reconheceu o erro em relatório enviado ao presidente da República, general Ernesto Geisel, e publicado pelo jornal Gazeta Mercantil. “Em 1973, o governo, procurando aproximar-se da meta de 12% de inflação, reprimiu ao máximo possível os aumentos de preços via tabelamento e controle (…). Assim, o índice, em dezembro de 1973, registrava a carne de primeira ao preço de 6,60 cruzeiros, quando o preço no mercado paralelo se situava em torno de 14 cruzeiros, ou seja, 112% a mais (…). Se os cálculos fossem corrigidos para tomar por base os preços reais do mercado e não os preços oficiais das tabelas, o aumento global do custo de vida em 1973 subiria 26,6%”, explicou o ministro.

Posições políticas de juristas e estudantes

Também em 1977, um movimento que surgiu em 1973, chamado “Carta das Mães da Periferia de São Paulo”, que lutava contra o alto custo de vida, transformou-se em “Movimento do Custo de Vida” (mais tarde rebatizado como Movimento Contra a Carestia). Uma assembléia popular com mais de sete mil pessoas lançou o abaixo-assinado pelo congelamento dos preços — que reuniu 1,3 milhão de assinaturas entregues ao presidente Geisel.

Outros importantes atores da luta pela redemocratização do país também irromperam no cenário político, como os juristas e os estudantes. Os primeiros marcaram sua posição com a “Carta aos Brasileiros”, divulgada em 11 de agosto de 1977, iniciativa de professores da Faculdade de Direito de São Paulo, entre eles Goffredo da Silva Telles. Assinada por 100 juristas, o documento exigia a volta do Estado de Direito e a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte.

Os estudantes já haviam se destacado na luta contra a ditadura militar nas décadas de 1960 e 1970. A União Nacional dos Estudantes (UNE) praticamente deixou de existir desde então. Em setembro de 1977, a Polícia Militar ocupou a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) para impedir a realização do 3º Encontro Nacional dos Estudantes, que discutia o relançamento da UNE, mas, mesmo jogando bombas — que feriram gravemente alguns estudantes — e prendendo milhares, não teve êxito. O Encontro criou a Comissão Pró-UNE, cujo resultado foi a reorganização da entidade no seu 31° Congresso, realizado no dia 31 de maio de 1979.

Campeonato paulista de futebol

O movimento sindical passou dez anos sem promover grandes manifestações no Brasil. Desde 1968, quando os operários de Contagem (MG) e de Osasco (SP) cruzaram os braços contra o arrocho salarial, não ocorriam greves no país. Em 12 de maio de 1978, os trabalhadores da Scania, no ABC paulista, paralisaram suas atividades, afrontando a ditadura militar. As greves de Contagem e Osasco representaram o fim de um ciclo; a da Scania o início de outro, inspirando paralisações parciais em setores da Mercedes Benz e da Ford. Logo, o movimento se alastraria por São Paulo, Osasco, Campinas e outras regiões do país, numa explosão de greves que perduraria até dezembro daquele ano e se estenderia para o ano seguinte.

A campanha salarial dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema de 1979 começou em fevereiro. Assistindo à final do campeonato paulista de futebol no estádio do Morumbi entre Corinthians e Ponte Preta, o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, Luis Inácio Lula da Silva, teve uma idéia: convocar uma assembléia capaz de lotar um campo de futebol. No dia 13 de março de 1979, mais de 80 mil metalúrgicos ocuparam o gramado e as arquibancadas do estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo. A multidão repassava o discurso de Lula, que falava sem microfone. Começava a greve dos metalúrgicos daquele ano.

Solidariedade de diversas categorias

Dois dias depois, quando 170 mil trabalhadores já estavam parados em todo o ABC paulista, a greve foi considerada ilegal. Na madrugada de 22 para 23 de março, enquanto os metalúrgicos permaneciam em vigília no sindicato, de Brasília o ministro do Trabalho, Murillo Macedo, falava com o governador paulista, Paulo Maluf. Pouco depois, tropas da Polícia Militar garantiam a intervenção no sindicato. Com o estádio de Vila Euclides fechado, os trabalhadores faziam suas assembléias na Igreja Matriz de São Bernardo do Campo. Os metalúrgicos contavam com a solidariedade de diversas categorias, da Igreja Católica e de setores da oposição que atuavam legalmente no Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

O fundo de greve dos metalúrgicos, que teria papel fundamental na sustentação da campanha salarial de 1980, nasceu dentro da greve de 1979 com o objetivo de reunir a diretoria afastada, a comissão de negociações e os ativistas sindicais para traçar as diretrizes e dar direção ao movimento. Um manifesto “Ao Povo de São Paulo”, denunciou a intervenção federal nos sindicatos dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, Santo André e São Caetano. O documento — assinado por diversos sindicatos, associações profissionais e outras organizações populares — convocava a população para um ato público de protesto que se realizaria no dia 23 de março de 1979 na Câmara Municipal de São Paulo.

Viagem do patronato aos Estados Unidos

O vigor da campanha possibilitou a Lula negociar uma trégua de 45 dias. No dia 27 de março de 1979, a greve foi suspensa com a condição de que nesse período fosse resolvida a questão salarial. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema exigiu também a reabertura do estádio de Vila Euclides, estabilidade no emprego por 120 dias, não desconto nos salários dos dias parados e a volta da diretoria cassada. Ao final da trégua, um acordo razoável foi assinado e a intervenção, suspensa.

O patronato também havia se preparado para aquele embate. Escaldados pelas greves de 1978, no dia 24 de janeiro de 1979 um grupo de doze dirigentes dos setores de recursos humanos de grandes empresas de São Paulo viajou para a Europa e Estados Unidos onde participaram de cursos sobre a realidade sindical daqueles países. Estudaram casos internacionais de negociação coletiva, conflitos trabalhistas, greves, técnicas de cálculo de produtividade do trabalho e diferentes políticas salariais em aplicação no mundo. O programa de visitas a empresas, sindicatos e países foi abreviado porque a maioria deles devia voltar ao Brasil para participar das mesas de negociações com os metalúrgicos do ABC paulista.

Questão delicada para os empresários

Os aumentos salariais acima do índice oficial começavam a despertar a atenção dos trabalhadores. A visita dos dirigentes empresariais à Europa e aos Estados Unidos teve como finalidade principal estudar formas de discutir o assunto nas mesas de negociações. Segundo a lei salarial vigente à época, o item produtividade deveria ser solucionado entre as partes. O ministro da Fazenda, Delfin Netto, afirmara à revista IstoÉ que, após o reajuste automático dos salários previsto na lei, “eles poderão sentar à mesa e discutir à vontade o aumento da produtividade”. E acrescentou: “Há sérias dúvidas sobre como vai funcionar isto ou aquilo, as pessoas ficam preocupadas com a forma de calcular a produtividade sem deixar de entender que essa é a discussão verdadeira, que se trata de sentar à mesa para discutir a distribuição funcional da renda. E vai aprender, na minha opinião. Todos vão aprender.”

A questão era delicada para os empresários. A produtividade do trabalho — criação de mais valor por hora trabalhada — crescia verticalmente e eles temiam que esse mecanismo levasse os trabalhadores a autocontrolar o processo por meio da organização nos locais de trabalho. A batalha por aumentos salariais acima do índice oficial ganhava volume rapidamente. A greve dos metalúrgicos exerceu influência sobre o restante das categorias no país e, ao longo daquele ano, mais de três milhões de trabalhadores cruzaram os braços em 15 Estados. Surgiram novas lideranças sindicais em várias regiões do país.

O auge da mobilização dos metalúrgicos

O grande impulsionador dessa retomada histórica das mobilizações foi o ato unificado do dia 1° de maio de 1979 — Dia Internacional dos Trabalhadores —, organizado por mais de 60 entidades sindicais. Pela primeira vez a data seria marcada por manifestação de massa desde que, no dia 1° de maio de 1968, estudantes e operários jogaram pedras no governador Abreu Sodré em São Paulo, tomaram o palanque da Praça da Sé e fizeram um protesto contra a ditadura militar. Era o auge da mobilização dos metalúrgicos do ABC paulista e os dirigentes sindicais diziam que a unidade dos trabalhadores seria vital na batalha contra os salários miseráveis, a falta de garantia no emprego e o custo de vida elevado.

O evento reuniu mais de 150 mil trabalhadores no estádio de Vila Euclides. Vinicius de Moraes recitou O Operário em Construção e correu a notícia de que o delegado Sérgio Paranhos Fleury — o chefe do Esquadrão da Morte, bando de policiais que atuava no Dops — morrera estranhamente afogado no litoral paulista. Esses acontecimentos ajudaram a mudar a face do Brasil. A redemocratização começava a ganhar impulso e o movimento sindical saiu fortalecido desses grandes embates com a ditadura militar. Aquela manifestação unitária seria o primeiro passo para um debate que marcaria o movimento sindical nos anos seguintes: a criação de uma central sindical. Volto ao assunto na próxima coluna.

Por Osvaldo Bertolino, Jornalista.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.vermelho.org.br. PUBLICADO EM 12 DE JUNHO DE 2007.

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