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Dívida Pública e a PEC 241

Aula Aberta na EPSJV debateu a PEC que congela os gastos públicos por 20 anos, mas não limita as despesas com o pagamento da Dívida Pública
Talita Rodrigues – EPSJV/Fiocruz | 14/10/2016 13h01 – Atualizado em14/10/2016 14h20

“A PEC 241 pode ser comprada a um ataque terrorista contra o Brasil. Se não barrarmos essa PEC, não teremos Brasil em pouco tempo. Ela arrebenta com o país”. Com essa afirmação, Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, iniciou a Aula Aberta ‘Estado, Orçamento Público, Dívida Pública e a PEC 241’, realizada no dia 13 de outubro, na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). A aula também teve a participação de Juliana Fiuza Cislaghi, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Orçamento Público e Seguridade Social (GOPSS).

A PEC 241, aprovada em primeiro turno Câmara Federal no dia 10 de outubro, e que deve ser votada em segundo turno no próximo dia 24, congela os gastos públicos primários pelos próximos 20 anos, limitando à variação da inflação. “Ela congela tudo, gastos com saúde, educação, ciência e tecnologia. Só estão fora do teto os gastos com a Dívida Pública, que nunca foi auditada. Esse congelamento é para sobrar mais dinheiro para a farra financeira”, disse Maria Lúcia, acrescentando que a Auditoria da Dívida está prevista na Constituição Federal de 1988, mas nunca foi realizada. “No Equador, onde a Auditoria foi realizada, houve uma inversão no Orçamento e os gastos sociais aumentaram, enquanto as despesas com a dívida forma reduzidas. A PEC 241 proíbe que isso aconteça no Brasil porque os gastos sociais vão ficar congelados”.

Atualmente, segundo dados apresentados por Maria Lúcia, do total do Orçamento Público, 42% são gastos para o pagamento de juros e amortizações da dívida e 22% são os gastos da Previdência Social. Enquanto isso, despesas com Saúde representam 4% do Orçamento e Educação outros 4%. “Se analisarmos o Orçamento de 2015, o governo federal arrecadou R$ 2,7 trilhões e teve R$ 2,2 trilhões de despesas. Portanto, sobraram R$ 480 bilhões em 2015. Se sobrou esse dinheiro, como podem dizer que a dívida cresceu R$ 732 bilhões no ano passado?”, questionou. Sobre esse assunto, a Auditoria Cidadã pediu informações ao Tesouro Nacional (TN) e ao Tribunal de Contas da União (TCU), com base na Lei de Acesso à Informação. O TN não respondeu, alegando que a pergunta era genérica. Já o TCU reconheceu que emitiu excesso de títulos da dívida em 2015. “Tem lógica isso? E se sobrou dinheiro em 2015, como já temos um déficit previsto de R$ 170 bilhões em 2016? Esse discurso de que o Brasil está quebrado é falso. Estão montando um cenário de crise para justificar o ajuste fiscal, que é colocado como um remédio para essa crise, incluindo a PEC 241. E o Temer quer colocar isso na Constituição Federal, coisa que nenhum país jamais fez”, destacou Maria Lúcia.

Segundo ela, a emissão de títulos para pagar juros da dívida, além de ser inconstitucional, pois a Constituição Federal não permite que o governo contraia dívida para pagar despesa corrente, ainda faz crescer ainda mais o endividamento. “Isso sim é pedalada, mas ninguém faz nada porque beneficia o mercado financeiro”, observou Maria Lúcia. Ela denunciou que o mercado financeiro é o maior privilegiado com o chamado “Sistema da Dívida”, que dirige o modelo econômico do país. “A corrupção é intrínseca ao sistema da dívida, gerar juros é corrupção. A corrupção que sai nos jornais é interessante para o país porque a grande mídia cria uma cortina de fumaça e as pessoas não têm olhos para a verdadeira corrupção”.

Segundo ela, o benefício ao sistema financeiro se reflete, por exemplo, no lucro dos bancos. De acordo com Maria Lúcia, em 2015, apesar de a economia brasileira ter encolhido, o lucro dos bancos aumentou 20% em relação a 2014, chegando a R$ 98 bilhões. “Se toda a economia caiu, de onde vem esse ganho? Do sistema da dívida, que faz a transferência de renda para os bancos”, ressaltou ela, acrescentando que quem perde é o trabalhador. Segundo dados apresentados pela eocnomista, atualmente, o Brasil tem 12 milhões de desempregados. E, dos 90 milhões de empregados, 23,4% vivem com menos de um salário mínimo. “E a PEC 241 vai impedir que a gente saia dessa situação. Somos a nona economia mundial, mas temos a pior distribuição de renda do mundo”.

Outro aspecto grave da PEC 241 apontado por Maria Lúcia é o esquema de debêntures, que está por trás das estatais não dependentes que estão sendo criadas nos estados. “O governo vai congelar os gastos primários por 20 anos, mas terá liberdade total para as despesas com a dívida pública e as estatais não dependentes. Esse esquema gera dívida pública sem contrapartida e aumenta a financeirização. Isso é ilegal, mas a PEC está passando e as empresas estão sendo criadas. Vão colocar isso na Constituição e aí não vai adiantar entrar com ação judicial”, disse, concluindo: “Convoco a todos para essa luta. Não é uma luta contábil e financeira apenas, é uma luta por direitos humanos. É urgente sair desse cenário de escassez. Temos que barra essa PEC”.

Dívida Pública

O ciclo atual da Dívida Pública brasileira começou na Ditadura Militar, segundo Maria Lúcia, já que, até a década de 1970, a dívida brasileira era de US$ 3 bilhões. “Não era nada, perto do que temos hoje. A dívida começou a explodir com o milagre econômico da década de 1970, quando o governo militar se endividou para construir usinas, hidrelétricas, estradas. Em uma década, a dívida passou de 3 para 80 bilhões de dólares. E mais de 90% dessa dívida era com bancos privados internacionais, os mesmos que controlam o FED, o Banco Central americanos, que sempre foi privado e controlado pelos dez maiores bancos internacionais”, contou ela.

Ela contou que, em 1971, o FED declarou o fim da paridade dólar-ouro e começou a oferecer empréstimos com 4% de juros ao ano a diversos países. Em 1979, quando muitos países já estavam endividados, o FED começou a subir a taxa de juros, que chegou a 20,5% em 1981. “Aí chega a crise da dívida, que explode em 1983 a abre as portas para o FMI. O plano de 1983, do FMI, está aí até hoje, com a política de juros altos, não investimentos nas estatais para sucateá-las e prepará-las para as privatizações, preço alto dos alimentos e aumento de tributos sobre salários e consumo”, explicou Maria Lúcia.

Em 1983, o FMI exigiu que o Brasil transformasse a dívida da década de 1970 em dívida do Banco Central. “Isso é ilegal, mas foi feito e o contrato foi assinado em Nova York. E ainda há suspeitas de que essa dívida prescreveu em 1992 porque não houve judicialização por parte dos credores, como prevê a lei americana”, destacou Maria Lúcia. Mas, segundo ela, a dívida prescrita foi ignorada e, em 1994, transformada em títulos da dívida externa, os chamados títulos Brade, que são títulos podres e não podem ser negociados na Bolsa. “A partir do momento em que vira Dívida Pública, no dia seguinte já começam a cobrar juros e fazer ajuste fiscal para pagar a dívida e estamos assim até hoje”, concluiu.

Fundo público

Juliana Fiúza falou sobre a construção do Fundo Público no Brasil, que tem um papel estrutural para o capital, e que, em grande parte, é formado pelo pagamento de impostos, principalmente pelos mais pobres. Segundo a professora da UERJ, no Brasil, 60% dos impostos são tributos indiretos sobre o consumo, com isso, na teoria, todos pagam impostos igualmente, independente da renda. “Na prática, os impostos indiretos fazem com que os trabalhadores mais pobres paguem proporcionalmente mais impostos e sejam mais penalizados”, observou ela. De acordo com Juliana, as pessoas que ganham até dois salários mínimos gastam 42% da renda com pagamento de impostos, enquanto quem ganha mais de 30 salários mínimos gasta 16% da renda em tributos. “É o trabalhador que compõe o Fundo Público com a sua renda e esse Fundo vai ser gasto com a Dívida Pública”.

Ela destacou que, enquanto os trabalhadores financiam o Fundo Público com o pagamento de impostos, grandes empresas se beneficiam das legislações de isenção fiscal. “A PEC 241 acaba com a concessão de novas isenções fiscais, mas é omissa sobre a continuidade das já existentes”, disse a professora, lembrando que a isenção fiscal beneficia, entre outras, empresas sem fins lucrativos, que são regidas por uma legislação bem flexível. “Na saúde, por exemplo, não precisa oferecer nenhuma contrapartida para ser considerada sem fins lucrativos. Os hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês, em São Paulo, são instituições sem fins lucrativos”, observou Juliana.

A professora lembrou ainda que os novos modelos de gestão, como as empresas públicas, ONGs, Fundações Estatais de Direito Privado e Organizações Sociais (OS) são formas de privatização dos serviços públicos. “Esses modelos de gestão também são modelos de privatização do Fundo Público por dentro das políticas sociais. Nenhuma OS vai trabalhar sem ganhar nada com isso. No Rio de janeiro, as Os ganham 5% de todo o dinheiro que é repassado para elas. Fora o ganho ilegal, já que não precisam fazer licitação para as compras, e a perseguição que os trabalhadores sofrem. As OS pioram a qualidade do serviço, ao mesmo tempo em que são mais caras para a administração pública e não tem nenhum compromisso com a população”, destacou Juliana. “Sem desmontar a farra do Estado, o sistema da dívida pública e a Lei de Responsabilidade Fiscal, a estrutura do Estado nunca vai conseguir retornar serviços públicos de qualidade. Esse combate precisa estar na agenda de tudo que queremos construir”, finalizou Juliana.

    • Aula Aberta ‘Estado, Orçamento Público, Dívida Pública e a PEC 241’
    • Foto: Maycon Gomes

Notícia colhida no sítio http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/acontece-na-epsjv/divida-publica-e-a-pec-241

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