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Extensão e intensificação do trabalho

O processo de trabalho vigente na economia urbano-industrial vem sofrendo profundas alterações desde a década de 1970 por decorrência da recorrente adoção de novas estratégias empresariais comprometidas com o aumento da competitividade. Em geral, o acirramento da competição intercapitalista tem implicado mais retrocessos do que avanços nas condições e relações de trabalho. Entre os principais segmentos que compõem o curso da reestruturação capitalista encontram-se os serviços crescentemente influenciados pelas tecnologias de informação e comunicação, já responsáveis por 4/5 do total das ocupações geradas.

Como os serviços tornam-se cada vez mais informatizados, o exercício do trabalho passou a ser realizado em qualquer lugar e horário, ao contrário do observado até então na agropecuária, indústria e construção civil. Por não ser possível portar o trabalho material (que produz algo concreto, palpável e tangível) para outros locais que não fossem o especificamente determinado para sua realização (fazenda, canteiro de obra, fábrica e outros), o tempo de não trabalho vigorava em todos os momentos de ausência da localização precisa do posto de exercício laboral. Assim, o reconhecimento, a regulação do trabalho e a representação do trabalho somente ocorriam com a existência de local específico para sua realização, pois o sindicato não representa o trabalhador quando está fora da fábrica ou do canteiro de obra. Tampouco o acidente de trabalho é reconhecido se ocorrido fora do local de trabalho. A jornada começa e se encerra ao se chegar e sair do local em que se trabalha, não valendo, por exemplo, a contabilização do tempo comprometido no deslocamento casa-trabalho-casa.

No trabalho imaterial, cujo esforço físico e mental humano não resulta em algo concreto, palpável e tangível, há o desprendimento de sua realização de um local próprio, o que tem permitido a extensão da jornada de trabalho para além do lugar tradicional de sua realização. Dessa forma, constata-se hoje a adoção crescente dos métodos patronais que levam à intensificação e extensão da jornada de trabalho, por meio do atendimento das novas demandas informacionais (por telefone celular, computador, internet etc.). Tudo isso representa ganhos de produtividade cada vez mais fundada no trabalho imaterial que segue distante do tratamento das negociações coletivas de trabalho pelos sindicatos, tampouco tributadas pelo governo.

A elevação dos níveis de exploração do trabalho humano neste início do século XXI não encontra contestação significativa, dado o contexto de profunda alienação provocado pela ideologia neoliberal, que gerou enorme excedente de força de trabalho, perda de centralidade do trabalho nas pesquisas sociais e descrença das ações coletivas. A pressão do desemprego e o encolhimento dos direitos sociais fazem com que se aceite qualquer ocupação, com o sindicalismo prisioneiro do rebaixamento das condições trabalhistas. Da mesma forma, o esvaziamento das pesquisas científicas sobre a atualidade do trabalho humano termina por esconder a sofisticação da brutalidade resultante da intensificação e extensão do labor sob as novas tecnologias de informação e comunicação. O resultado é o sofrimento individual generalizado, com o avanço da depressão, do suicídio pelo paradoxo entre o trabalho prolongado e extenuante e o medo de não ter trabalho. São as novas doenças do trabalho ainda muito desconhecidas.

Ademais, constatam-se a inadequação da legislação social e trabalhista atual, bem como a concentração ainda mais ampliada da renda e riqueza, quase nada percebida pelas medidas de contabilidade social que não conseguem captar os ganhos de produtividade provenientes de um novo ocupado plugado 24 horas por dia. Esse supertrabalhador requer outro padrão de segurança social e trabalhista, uma vez que a Consolidação das Leis do Trabalho procura dar conta do trabalho material. Para o novo trabalho imaterial, o Brasil precisa consolidar um novo capítulo na legislação.

De um lado, a postergação do ingresso no mercado de trabalho para depois dos 20 anos de idade, conforme atualmente se dá exclusivamente com os filhos dos ricos. Eles entram mais tarde e, por isso, mais preparados para obter os principais postos de ocupação, enquanto os filhos dos pobres encontram-se condenados a ter que ingressar muito cedo no mercado de trabalho. A consequência direta é a baixa escolaridade e a possibilidade de vir a ocupar os piores postos, fazendo com que o funcionamento do mercado de trabalho reproduza a maior desigualdade entre pobres e ricos. De outro lado, a vinculação necessária da escola para toda a vida, não somente para as suas fases mais precoces. Na sociedade pós-industrial, a relação da vida com o trabalho torna-se muito mais complexa. É nesse sentido que a proposição da consolidação de leis sociais e trabalhistas adicionais repõe a expectativa de nova regulação pública do trabalho contemporâneo com os desafios do trabalho imaterial.

As possibilidades da sociedade do conhecimento

No âmbito das atividades de serviços, que ganham predominância na estrutura produtiva, o processo de trabalho tende a se manifestar distintamente daquele vigente na produção urbano-industrial. Em primeiro lugar, porque o segmento de serviços compreende um amplo conjunto heterogêneo de atividades, embora metodologicamente classificado ainda hoje como um só. Assim, por exemplo, o transporte, a logística, a hospedagem, o ensino, a comunicação, o comércio, as finanças, a administração pública, entre outros, fazem parte do amplo setor terciário das atividades econômicas, pois eram justamente aquelas atividades que restavam da tradicional divisão entre o setor primário (agricultura, pecuária, extrativismo) e secundário (indústria, construção civil).

Em segundo lugar, porque a categoria de trabalhadores alocada no setor de serviços abrange uma enorme e diversa agregação de contratos laborais nos segmentos estruturados, que inclui atividades assalariadas de gerências e supervisão em escritórios, de conta própria e autônoma, bem como estratégias simplificadas e brutalizadas de sobrevivência (subemprego e informalidade). No geral, algumas ocupações se diferenciavam por serem reconhecidas como de classe média, justamente por não se situarem no chão de fábrica e não permitirem a formação de estoques decorrentes da simultaneidade dos procedimentos de produção e consumo e do uso ilimitado de máquinas que substituíssem o trabalho humano.

O setor de serviços tem por características adicionais a absorção adicional de uma parcela da força de trabalho excedente dos setores primários e secundários da economia, geralmente em ocupações precárias. Por meio do segmento informal, a organização do trabalho abriga nos serviços diversas estratégias humanas de sobrevivência, podendo chegar a atender, inclusive, o consumo final dos segmentos de alta renda e de setores empresariais nas formas de atividades serviçais ou até no interior das cadeias produtivas. Mais recentemente, com a busca de novos espaços de acumulação de capital frente à crise do padrão taylorista-fordista de produção e consumo, o processo de trabalho se modificou. Por um lado, ocorre a geração de enorme excedente de mão de obra e, por outro, o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação em redes organizacionais associadas aos diversos espaços territoriais no planeta, com processo de trabalho cada vez mais caracterizado pela subcontratação de empregados. Com isso, os ganhos de produtividade se tornam ascendentes, embora de difícil mensuração pelos tradicionais cálculos que relacionam avanços na produção física com hora efetivamente trabalhada ou quantidade de trabalhadores. Por ser cada vez mais direto, relacional e informacional, e ainda demarcado por relações de tipo produtor e consumidor, o trabalho de natureza imaterial vai permitindo avançar o auto-serviço e fundamentalmente a terceirização.

No trabalho associado à sociedade do conhecimento, a transição do sistema educacional para o mundo do trabalho e o processo de educação para toda a vida assumem maior relevância com a absorção de novas oportunidades de emprego da mão de obra, não mais como uma obrigação, mas por consequência direta de decisões tomadas previamente. Isso porque, na sociedade do conhecimento, a preparação para a vida laboral tende a ser cada vez mais decisiva, com a educação e a formação ocupando papel central na trajetória de vida. É em razão disso que o tempo de formação para o ingresso no mercado de trabalho necessita ser ampliado, enquanto a educação e a formação ocupacional transformam-se em algo continuado ao longo da vida útil das classes trabalhadoras.

A educação geral e a formação continuada devem buscar a transdisciplinariedade do conhecimento, o que deve possibilitar a contínua transferência tecnológica, em uma sincronia direta entre o sistema educacional e o mundo do trabalho. Isso rompe com a concepção tradicional de restringir a educação apenas a uma faixa etária precoce, possibilitando que a educação geral ocupe maior tempo na vida dos brasileiros, seja na fase precoce da vida, seja ao longo da maturidade humana por meio da aprendizagem teórica e práticas contínuas que potencializem o exercício do conhecimento a partir da redução do tempo de trabalho para a sobrevivência.

Por conta disso, o padrão regulatório precisa limitar as jornadas semanais de trabalho para 25 horas no período anual de 200 dias, ou seja, cerca de mil horas de trabalho ao ano. Ao mesmo tempo, também ter como meta a postergação do ingresso dos jovens no mercado de trabalho a partir do ensino superior completo. Dessa forma, parcela significativa dos jovens termina cumprindo o ciclo educacional mais longo, buscando se preparar mais para ocupar as melhores oportunidades de trabalho e renda na sociedade do conhecimento. Os filhos dos estratos mais ricos da população já optam pelo ingresso no mercado de trabalho após terem concluído o ensino universitário, quando não a pós-graduação, uma vez que dispõem de condições próprias para financiar a inatividade por maior tempo. A universalização do tempo da inatividade requer o fortalecimento das políticas públicas, com a ampliação dos fundos públicos direcionados ao financiamento da ampliação da educação e da formação ocupacional para a vida toda. Tudo isso, é claro, contemporâneo às exigências de uma nova sociedade em que o conhecimento torna-se cada vez mais o elemento decisivo na trajetória ocupacional que permite reduzir drasticamente o trabalho pela sobrevivência.

Nesse sentido, o trabalho autônomo torna-se uma consequência resultante da trajetória pregressa da educação e formação ocupacional. O que não significa dizer que a educação e a formação profissional são os determinantes do nível ocupacional de um país, mas representam a possibilidade de romper com o sentido do trabalho como condenação. Ao se combinar a ampliação da expectativa média de vida com a redução da jornada, conforme exigência da sociedade do conhecimento, vislumbra-se a menor relação da vida com o trabalho para sobrevivência. No tempo do predomínio da economia rural, a carga de trabalho consumia quase 70% de todo o tempo da vida humana. No trabalho urbano-industrial, o avanço da regulação do tempo trabalhado, acompanhada da elevação da expectativa média de vida, tornou a carga laboral responsável por cerca de 45% do tempo de vida humana.

O trabalho pela sobrevivência na sociedade do conhecimento poderá equivaler a cerca de 20% de todo o tempo de vida de um indivíduo. Mas isso requer a mobilização das lutas sociais e políticas em prol da construção de uma sociedade superior, que liberte ao máximo o brasileiro pela mera sobrevivência, sobretudo com as distintas possibilidades para o exercício do trabalho autônomo. Ou seja, o exercício de atividades educacionais e de cidadania e comunitárias que se apresentam como oportunidades de regulação pública fundamental, nesses novos tempos em que a carga de trabalho pela vida pode ser diminuída significativamente.

Este artigo é parte integrante da edição 98 de Fórum.

Por Marcio Pochmann.

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Escassez da força de trabalho qualificada

Em pleno ciclo de expansão da economia nacional, o tema da escassez de mão de obra qualificada vem sendo recorrentemente debatido. Desde o chamado milagre econômico vigente na primeira metade da década de 1970, quando a produção brasileira crescia a um ritmo superior a 7% ao ano, que a preocupação com a disponibilidade de trabalhadores qualificados não se manifestava de forma tão aguda como atualmente. Naquela oportunidade, o governo militar constituiu o Sistema Nacional de Emprego e implementou alguns programas de qualificação de trabalhadores visando atenuar parte dos problemas de contratação patronal.

A partir da crise da dívida externa (1981 – 1983), contudo, a economia nacional esfriou rapidamente e a ordem de problemas se inverteu. Ou seja, a transição do quadro de escassez relativa de mão de obra para a presença crescente do excedente de trabalhadores ,que levou ao aparecimento de medidas como o seguro-desemprego, em 1986, e do fomento de programas de criação de postos de trabalho por meio de crédito e capacitação. Na mesma perspectiva ganhou importância, inclusive, a implantação do receituário neoliberal de flexibilização contratual e desregulamentação do mercado de trabalho ao longo dos anos de 1990. Os resultados foram pífios, com maior dimensão da informalidade, desemprego e precarização das condições e relações de trabalho.

O excesso de força de trabalho esteve tão elevado frente ao baixo dinamismo da produção que o presidente Fernando Henrique denominou – na época – de “inempregáveis” a parcela da mão de obra que sobrava nas filas do desemprego. Mais cínico ainda foi o conjunto de posições de especialistas e gestores de políticas de emprego orientadas a transferir para desempregados a responsabilidade por sua própria situação, por meio da mensagem que somente a qualificação geraria ocupações. Como se sabe, as ocupações não foram geradas pelo baixo dinamismo da economia nacional e pela abertura às importações. A maior qualificação de alguns serviu, fundamentalmente, para a rotatividade dos ocupados de contida capacitação, mantida a baixa remuneração.

Atualmente, a situação do mercado de trabalho encontra-se noutro patamar. O maior ritmo de expansão econômica e as orientações da Política de Desenvolvimento Produtivo e do Plano de Aceleração do Crescimento Econômico voltadas à ampliação dos investimentos em distintas regiões do país propiciaram a criação de novas vagas, geralmente às assalariadas com carteira assinada. O país tem superado recordes no saldo de geração de empregos formais.

Além disso, as perspectivas próximas da realização de grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016, associadas à pressão de mais investimentos derivados do segundo Plano de Aceleração Econômica, da exploração do pré-sal, entre outros, apontam para a continuidade da expansão econômica e, por consequência, para a elevação do nível de emprego nacional. Neste contexto, a problemática da qualificação da força de trabalho vem ganhando maior dimensão e conteúdo.

Sobre o tema da escassez de trabalhadores qualificados cabe diferenciar os aspectos gerais dos específicos. Atualmente não parece verificar-se, ainda, a escassez generalizada da mão de obra qualificada no Brasil, mas há, de forma especial, manifestação pontual e crescente em algumas situações. Em determinadas atividades produtivas que puxam o crescimento econômico nacional, como a engenharia naval, exploração de petróleo e gás, e construção civil, por exemplo, observa-se certa escassez da força de trabalho profissional, assim como em determinadas localidades municipais e regiões do país onde ocorre forte impulso de novos investimentos como, por exemplo, em infraestrutura, logística, entre outros.

Ao mesmo tempo, percebe-se também que há problemas resultantes das exigências de contratação de trabalhadores com maior experiência profissional vis à vis à oferta da mão de obra assentada nas pessoas com escassa experiência profissional anterior de emprego. Ou mesmo as dificuldades da formação profissional específica no próprio local de trabalho por parte das empresas, uma vez que os investimentos empresariais na qualificação de trabalhadores são relativamente baixos, salvo a experiência das grandes empresas que operam cada vez mais por meio das chamadas universidades corporativas.

Do ponto de vista das exigências de contratação de trabalhadores de nível superior, constatam-se inadequações também do lado da oferta. Nos dias de hoje, o sistema de ensino superior – composto por duas centenas de universidades, 127 centros universitários e 2 mil faculdades e institutos de educação tecnológica – apresenta condições de acolher 3,7 milhões de alunos de graduação e 143 mil matrículas de pós-graduação (85 mil de mestrado, 8 mil de mestrado profissionalizante e 50 mil de doutorado). Isso implica menos de 14% do total do segmento etário de 18 a 24 anos matriculado no ensino superior.

Apesar dos inegáveis avanços verificados recentemente, o Brasil precisa avançar muito mais, recuperando o atraso acumulado historicamente pelo sistema educacional, especialmente no momento em que se transita para a chamada sociedade do conhecimento. Isso parece ser percebido mais rapidamente em alguns países asiáticos, como China e Vietnã, para não citar apenas as nações desenvolvidas, que contam com planejamento de médio prazo para incorporar mais de 2/3 dos jovens no ensino superior. O desafio está lançado e o Brasil não pode mais se apequenar.

Além dos limites à ampliação das matrículas no ensino superior no Brasil, verificam-se problemas sérios de evasão, uma vez que, de 3,2 milhões de matrículas, menos de 25% torna-se egresso a cada ano. No caso das engenharias, a situação é mais grave, pois somente 15% dos alunos matriculados conseguem se formar em cinco anos. Com isso, a oferta já reduzida de engenheiros, entre outros de nível superior, torna-se ainda mais restrita. Urge constituir maior centralidade no plano educacional e formativo como forma de vencer o desafio potencial e efetivo da escassez de mão de obra qualificada no Brasil.

Este artigo faz parte da edição 97 de Fórum.

Por Marcio Pochmann.

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