fetec@fetecpr.com.br | (41) 3322-9885 | (41) 3324-5636

Por 13:36 Sem categoria

Fome ameaça índios brasileiros

guarani-kaiowa-agronegocio-300x235

Camila Nobrega
Do Canal Ibase

Indios fazem protesto em Brasilia.Foto: Renato Santana

O líder indígena Joaquim Cardoso viajou, na semana passada, do Maranhão, onde fica sua aldeia, para Porto Alegre (RS), para participar do 7º Encontro Nacional do Fórum Brasileiro de Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional (FBSSAN). Levou tênis, calça jeans e camisa social e forçou uso de um português formal para falar aos outros representantes de movimentos sociais e aos pesquisadores e autoridades no assunto que ali estavam. Mas, nos bastidores do evento, Joaquim pouco falou e pouco sorriu. Estava com a cabeça em outro lugar. Havia deixado no Maranhão os cinco filhos e a mulher, e não tinha muitas notícias deles. Ameaçado de morte por empresas madeireiras que atuam no entorno de sua terra indígena, a Governador, próxima ao município de Amarantes, ele temia que algo acontecesse à família durante sua ausência. Desde janeiro, os índios de sua aldeia, da etnia Gavião, passam séria situação de fome, por causa do conflito. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) tem enviado comida periodicamente. As causas do problema, no entanto, estão longe de serem solucionadas. A Fundação Nacional do Índio (Funai) está acompanhando o caso, mas a atuação do órgão tem sido insuficiente.

– Ficamos na esperança de receber proteção do governo, mas nada aconteceu. O nosso governo não consegue cumprir a constituição de 1988, que dá nosso direito à terra, para garantirmos nossa sobrevivência. Vim ao fórum para ter a chance de falar da nossa situação, mas estou nervoso o tempo todo. Minha casa fica na beira de uma estrada e meus meninos são pequenos, não sabem se defender. Eu me perguntei muito o que fiz de errado, porque me dizem que estou em território que não é meu. Mas não fizemos nada, só queremos nossa terra – disse Joaquim, que é membro do comitê gestor da Funai, arrebatado por um pranto que veio de repente durante a entrevista.

É essa luta pelo direito a um pedaço de terra o pano de fundo de assassinatos, como o do indígena Celso Rodrigues, da etnia Guarani Kaiowá, morto a tiros por pistoleiros enquanto caminhava para o trabalho, na manhã desta quarta-feira, 12 de junho, em Mato Grosso do Sul. E é também o que está por trás das manifestações que ocorreram durante toda esta semana em Brasília. Mais de 150 índios, principalmente da etnia Munduruku, ocuparam a sede da Funai desde segunda-feira.

O que eles querem? Diálogo. Querem que a constituição brasileira seja respeitada, assim como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê consulta prévia de governos e empresas às populações indígenas, antes de licenciar qualquer empreendimento que tenha impactos sociais e ambientais sobre o território e as pessoas. Não é o que ocorre, porém, nas obras que estão sendo realizadas no Norte do país. A construção da hidrelétrica de Belo Monte avança a pleno vapor, como quiseram mostrar os índios em ocupação que durou oito dias no canteiro de obras, no final de maio. Na Bacia do Tapajós, o projeto ainda está em estágio inicial, mas o processo tem sido o mesmo. A exigência de audiências públicas tem sido atropelada, e, quando há, o espaço para diálogo tem sido considerado insuficiente pelos povos tradicionais e pesquisadores que acompanham as aldeias. Como o governo não deu atenção às manifestações nos locais, os índios pegaram um avião e foram a Brasília pressionar por uma reunião com a presidente Dilma Roussef ou o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa. Não conseguiram ser ouvidos por eles, mas chamaram atenção do país inteiro.

De acordo com a assessoria de imprensa da Funai, o órgão mantêm uma equipe de diálogo, composta pelo ouvidor da instituição, assessores da presidência, da Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável e da Procuradoria Federal Especializada, a fim de dialogar pacificamente com os indígenas. Embora os índios já tenham uma carta composta de reivindicações, a Funai afirma que eles ainda não a teriam apresentado às autoridades que se apresentaram.

Segundo Delzi Castro, membro da Comissão Especial de Violações do Direito Humano à Alimentação Adequada, da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), e do FBSSAN, as populações indígenas estão entre as mais afetadas pela  violação de direitos humanos no Brasil.

– Há centenas de índios ameaçados de morte. Há outras centenas deles presos, pois acabam detidos nos conflitos com madeireiros. A relação de força é completamente desigual. O presídio Harrim Amorim Costa, em Dourados, tem a maior população carcerária de indígenas em todo o país – explicou ela, que há anos acompanha a segurança alimentar em aldeias – contou Castro.

165 conflitos em terras indígenas em 2012

Os números mostram a dura face da realidade dos índios no Brasil. Segundo o relatório Conflitos no Campo, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), publicado em abril deste ano, houve 165 ocorrências envolvendo as populações indígenas em conflitos

Indios protestam em Belém. Foto: Flickr

relacionados à ocupação e posse da terra. O total representa 15,5 %, dos 1.067 conflitos registrados em todo o Brasil. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), por sua vez, contabiliza o número de índios assassinados, muitos deles por conta de disputas pela posse da terra. Em 2012, de acordo com o órgão, 57 mortes foram registradas.

Em artigo publicado no Correio da Cidadania, Eduardo Gudynas, pesquisador do Centro Latinoamericano de Ecologia Social desvenda um pouco do que está por trás desses dados: “as violações de direitos não são mais consequência, mas condição da lógica econômica”. A política desenvolvimentista do governo, que tem priorizado o crescimento econômico a qualquer custo, é chave para entender a questão indígena no país. O que pesquisadores têm dito repetidamente é que os direitos indígenas, os direitos ambientais e dos quilombolas são entraves a essa concepção do desenvolvimento do país.

Enquanto isso, a bancada ruralista continua a defesa do agronegócio, um dos principais motivos de aumento da concentração de terra e expulsão de povos tradicionais de seus territórios de origem. A mais recente investida dos ruralistas veio com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que que transfere do poder executivo ao Congresso Nacional a aprovação de demarcação e ratificação das Terras Indígenas já homologadas. Lideranças indígenas consideraram a proposta uma afronta a garantia dos direitos dos povos. É o que afirmou o representante da Articulação dos Povos Indígenas, Paulino Montejo, que está em Brasília neste momento, buscando o diálogo com parlamentares sobre a PEC:

– A bancada ruralista está em um ataque sério contra nós. Precisamos do apoio da sociedade brasileira. A PEC é uma afronta aos nossos direitos e está sendo legitimada pelo governo. Os povos indígenas estão sendo atacados pelo estado brasileiro.

Índios da etnia Kayapó também acabam de lançar uma carta de repúdio à PEC 215. Mais de 400 caciques e lideranças Mebengôkre/Kayapó de todas as aldeias das Terras Indígenas Kayapó, Menkragnoti, Badjonkôre, Baú, Capoto/Jarinã, Xicrin do Catete, Panará e Las Casas, localizadas nos estados do Pará e Mato Grosso, reuniram-se no início deste mês, para debater a emenda. Eles também fazem parte das manifestações que estão ocorrendo em Brasília.

Segundo Sônia Guajajara, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amaônia (Coiab), que acompanhou os protestos realizados no final de maio no canteiro de obras de Belo Monte, o que está em jogo é o poder de decisão da sociedade civil brasileira sobre o modelo de desenvolvimento do país:

– A relação é completamente desigual. A sociedade não está sendo ouvida e os indígenas estão entre os mais afetados por esta situação.

Enquanto isso, índios morrem todos os dias vítimas da fome, por falta de acesso à terra. Foi o que afirmou o ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), pesquisador do Ibase e referência no tema há mais de 20 anos, Francisco Menezes, em entrevista recente ao Canal Ibase (íntegra da entrevista).

– A não demarcação de terras indígenas é um fator que leva à morte. Não olhar para isso é uma escolha do poder público, porque, embora esse fenômeno seja pouco falado, milhares pessoas, especialmente crianças, morrem de inanição na beira de estradas. Isso ocorre por falta de terra, pois etnias foram expulsas de seus territórios. O caso dos Guarani-Kaiowa (que veio à tona ano passado após a divulgação de uma carta anunciando um suicídio coletivo) é um exemplo disso. A Justiça leva seu tempo, mas enquanto isso não se define as pessoas morrem.

Em função da gravidade da situação, o FBSSAN criou uma comissão para acompanhar a situação de insegurança alimentar em aldeias indígenas. Enquanto isso, os índios ainda estão à espera de uma reunião com a presidente. Desde o início do governo, Dilma Rousseff ainda não recebeu as lideranças indígenas no Planalto Central.

Notícia colhida no sítio http://www.canalibase.org.br/fome-ameaca-povos-indigenas-no-pais/

=============================

Expropriação coloca em risco povos indígenas

Por Gilka Resende, para o FBSSAN

Silvio Kaiowá, da etnia Guarani Kaiowá, parecia um pouco nervoso diante das cerca de 130 pessoas presentes à plenária do o 7º Encontro do FBSSAN. Ao microfone, leu uma moção contra o retrocesso dos direitos humanos dos povos tradicionais, documento aprovado por aclamação na última quinta-feira (6). Poucos dias antes de viajar do Mato Grosso do Sul, seu estado de origem, para o Rio Grande do Sul, onde o evento ocorreu, compareceu ao enterro de Oziel Gabriel, que morreu aos 35 anos.

Esta liderança foi vítima de um conflito fundiário em Sidrolândia. Oziel foi assassinado durante ação da Polícia Federal para retirada dos indígenas de uma fazenda na região, ocupada desde o dia 15 de maio. Na terça-feira (4), dia em Silvio chegava ao Encontro do FBSSAN, outro indígena era baleado na região. Josiel Gabriel Alves, primo de Oziel, ficou com poucas chances de voltar a movimentar pernas e braços.

Enterro de índio morto em confronto. Foto: Marcos Ermínio/Campo Grande News

Enterro de índio morto em confronto. Foto: Marcos Ermínio/Campo Grande News

Mas o texto lido por Silvio informava que estes não seriam  casos isolados: “ao longo dos últimos oito anos foram registrados mais de 250 homicídios contra indígenas” no Mato Grosso do Sul.  A moção aponta que os modos de ser e viver dos povos tradicionais contrapõem os padrões do atual modelo de desenvolvimento no país, que “estão estruturados nos valores capitalistas, na apropriação privada dos recursos naturais, na concentração de riqueza, terra e na mercantilização da vida”.

A partir de agora, o FBSSAN vai trabalhar com Comissões Temáticas. Entre elas, a de Povos e Comunidade Tradicionais, na qual a questão indígena ganha um Grupo de Trabalho (GT). Nesta entrevista, Silvio, que integra o Conselho Distrital de Saúde Indígena do MS e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), relaciona a luta pelo território à busca pelo direito humano à alimentação.

Silvio, que denúncias você trouxe para este Encontro?

Hoje estamos num momento bastante crítico em relação à demarcação de terras indígenas. Isso traz uma insegurança total à nossa alimentação, nos tira a dignidade, os nossos direitos. Além disso, nos deixa em situação de conflito constante com fazendeiros.

O que a terra significa para um indígena?

Para os indígenas, ela é a vida. Para os grandes produtores rurais, ela é riqueza de ganância.  E a gente vê que o governo dá mais apoio para eles do que para a gente. É que eles retornam lucro. E nós estamos muito mais ligados às nossas danças, nossa cultura. Isso nos traz vida em consonância com a natureza. O território onde nós vivemos é o de ensinarmos nossas crianças. Essa terra se liga à espiritualidade indígena, e a gente quer ensinar isso a elas.

Você integra o Consea. Como esta sendo o diálogo com o governo, Silvio?

Pelo Consea encaminhamos várias recomendações. No entanto, a presidenta Dilma Rousseff não nos recebeu e nem deu previsão de quando nos receberia. Ela recebendo, poderia haver uma esperança de diálogo entre o governo e os povos indígenas. Foram vários avisos contra os retrocessos aos direitos indígenas, como a PEC 215, que dá autonomia para o Congresso Nacional tratar da demarcação das nossas terras. O Congresso abriga muitos representantes das fazendas, mas os indígenas não têm a sua representatividade.  Como resultado, está ocorrendo a violência no campo.

 

Charge de Carlos Latuff

Charge de Carlos Latuff

Poderia nos contar sobre a realidade do seu território?

Estamos em um território de 3 mil e 500 hectares, onde vivem mais de 13 mil indígenas de diferentes etnias. Diante da não demarcação das terras, estamos vivendo uma situação de confinamento. Em 2010, a Justiça reconheceu a terra indígena, mas até agora não houve acordo para nos dar a posse. Então, os indígenas ocuparam essa terra. Isso não é invasão, como a mídia fala. Não estamos entrando em um território que não conhecemos, mas estamos reocupando nossos territórios tradicionais. Infelizmente, na ocasião, presenciamos mais uma liderança indígena tombar. Oziel Gabriel foi brutalmente assassinado. Ele era da aldeia Buriti, da etnia Terena.

O que os indígenas pretendem fazer agora?

No velório dele, nós falamos sobre isso. Vamos continuar resistindo, chamando organizações e movimentos sociais do Mato Grosso do Sul e de todo o país. Depois, vamos fazer um relatório sobre o genocídio contra os povos indígenas para levar até a ONU. Se o governo quisesse, ele poderia resolver a situação. A questão da Lei da Copa resolveu em uma semana. A hidrelétrica de Belo Monte também avança. A gente vê que o governo se reunido com os produtores rurais e não recebe os indígenas. Então, vamos denunciar o governo brasileiro internacionalmente por omissão.

Notícia colhida no sítio http://www.canalibase.org.br/expropriacao-coloca-em-risco-povos-indigenas/

 

Close