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Laerte Coutinho: “Gênero é algo que pode e deve ser discutido”

Transgeneridade e polícia também foram temas abordados pela cartunista, que é a nova colunista do Brasil de Fato

 
"Uma mulher possível'', é assim que Laerte se define após um processo de autoconhecimento - Créditos: Juliano Vieira/BdF
“Uma mulher possível”, é assim que Laerte se define após um processo de autoconhecimento / Juliano Vieira/BdF

Foi falando das plantas que cultiva em seu quintal e da grande figueira na porta de casa que o papo de Laerte Coutinho com o Brasil de Fato começa.

Ela conta que as plantas foram deixadas para ocupar o espaço de forma livre. No mesmo processo, há pelo menos oito anos, a cartunista, de 66 anos, também rompeu barreiras internas e externas para se tornar o que chama de “uma mulher possivel”.

Nesta entrevista, Laerte fala de que forma seu trabalho se relaciona com o longo processo de rompimento de preconceitos e descobertas. Além disso, a cartunista opina sobre política, a atual situação da esquerda no Brasil e o atual momento de seu trabalho, que inclui publicações de tirinhas inéditas no Brasil de Fato a partir desta semana.

Confira a entrevista a seguir:

Brasil de Fato – Suas tirinhas sobre gênero são bem provocadoras e muitas vezes zombam dos excessos de perguntas que recaem sobre os corpos, sobretudo, os femininos. Não ter resposta também é uma saída?

Laerte Coutinho – Você pode ter respostas, mas temos que questionar as perguntas também. Por que a pessoa quer saber? Por que ela quer fazer uma avaliação do meu estado de próstata? Tudo bem, eu tenho próstata. Mas outro modo de fazer a pergunta é um modo desafiador e agressivo que traduza a seguinte posição: por que você não se conforma com o modo que as coisas sempre foram? Quando te perguntam se é homem ou mulher, está perguntando isso: por que está inventando história? E para esse tipo de pergunta eu também tenho resposta. O gênero é sim algo que pode ser discutido. E não só para estabelecer um lugar para as identidades trans, mas para questionar o status de gênero que sempre vigorou na sociedade onde a mulher é visivelmente inferior ao homem.

Como essas questões sobre transgeneridade vão aparecendo no seu trabalho?

O meu trabalho foi na frente. Inclusive, para mim é muito claro que se eu não tivesse feito uma tira com o personagem Hugo, que ele se travestia de forma desconectada com o compromisso de narrativa humorística, só pelo prazer das coisas mesmo. Se ele não tivesse feito isso, e não tivesse sido lido e entendido como comportamento trans – e fui alertada e me interessei -, se isso não tivesse acontecido  eu provavelmente não teria nem começado a descobrir minha transgeneridade. Então meu trabalho foi na frente. Eu não mudei nada nele [trabalho] por conta do Movimento Transgênero.

Em que momento está do seu trabalho?

Às vezes acho que estou na etapa três e querendo entender se tem uma quarta. Estou fazendo o que sempre fiz na minha rotina de trabalho e tentando construir uma história que pode me dar bastante trabalho por ser vasta, que não é autobiográfica, mas tem material autobiográfico. Estou sentindo a necessidade de fazer uma balanço do que vivi, principalmente em termos de sexo e política. Que são as áreas onde eu mais intensamente mudei Sexo e política porque são duas maneiras muito basilares da nossa existência

O que te encanta hoje no sentido de impulsionar seu trabalho?

O que está me encantando hoje é a sensação de estar mais lúcida. Não sei se estou, mas tenho a sensação de estar e isso traz uma paz muito interessante. É descobrir que eu não estou desencantada, ressentida. Estou mais velha, cansada e tenho várias limitações. Estou produzindo de forma vagarosa, mas ainda estou a fim. E isso é uma descoberta boa. Não estou vivendo um momento ‘zen’, acho que ninguém está. Mas tranquilidade não tem a ver com passividade.

Você começou a militar no Partido Comunista na década de 1970, como vê a esquerda tradicional nesse cenário pós-golpe?

A esquerda tradicional não é um clube fechado, é um estado de coisas. Agora o que eu tenho visto é que o pessoal de esquerda está à reboque das coisas. Não existe reforma política sendo proposta pela esquerda.

Você acredita num levante popular?

Não, não acredito…A forma que vai se dar a construção eu diria, mais do que um levante, a gente precisa construir o socialismo aqui. Quando entrei no partidão [Partido Comunista] e comecei a militar, as pessoas estavam indo para luta armada ainda. Ainda era uma possibilidade. Para mim nunca foi. Para mim era algo feito em vez do povo, uma ação em nome do povo, o que eu acho um equívoco, um erro. Pode ter dado certo em outros contextos, Cuba etc. A construção do socialismo, de uma sociedade justa e igualitária não vai por esse caminho não…

Confira a estreia de Laerte no Brasil de Fato:

Fonte: Brasil de Fato

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