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O CAPITALISMO CIENTÍFICO; e outras análises

A crise do sistema financeiro derruba mitos neoliberais e conservadores. Mostra, mais uma vez, que o Estado não pode ser mínimo e que o mercado não é capaz de sozinho regular os sistemas em que estão inseridos. Os efeitos do esgotamento do modelo serão sentidos com maior força pelos endividados e desempregados. Banqueiros, industriais, comerciantes, rentistas e especuladores estarão preservados, no essencial. A análise é de Luís Carlos Lopes.

As centenas de bilhões de dólares lançadas no mercado mundial para acalmar a crise econômico-financeira globalizada indicam a meta de um capitalismo com um mínimo de risco. As instituições podem cometer erros crassos. Os ciclos econômicos podem se esgotar. Não há problema. Os bancos centrais intervêm e ‘normalizam’ o mercado, usando o erário público. Azeita-se a máquina de fazer dinheiro, mesmo que não exista lastro ou que se tirem recursos que poderiam ser usados em programas sociais de distribuição de renda ou de segurança das comunidades mais pobres.

A acumulação de riquezas é tão grande, tanto nos países do chamado primeiro mundo, como nos ditos ‘emergentes’, que se pode desenhar o capitalismo assegurado pelos Estados nacionais contemporâneos. Quando a luz vermelha acende, basta gastar enormes reservas guardadas pelos bancos de Estado. Estas representam a acumulação dos lucros auferidos com a exploração do trabalho em escala mundial. Obviamente, que há limites, que as medidas recentes podem esbarrar em obstáculos mais poderosos e que nem todo o sistema consegue ser preservado. É preciso que caiam algumas fortalezas, para que o reino do capital permaneça em pé.

Diferentemente do grande crash de 1929, o mercado acionário ressuscita das cinzas em uma questão de horas. Isto não quer dizer que não possa afundar no passo seguinte. Sem sombra de dúvida, os efeitos do esgotamento do modelo só serão sentidos com maior força pelos endividados e desempregados. Banqueiros, industriais, comerciantes, rentistas e especuladores estarão preservados, no essencial. Não se verá nenhum optando pelo suicídio. Suas fortunas não virarão pó. Um ou outro será mais afetado. Contudo, o sistema lutará para permanecer funcionando e dando os imensos lucros de sempre.

A onda de choque, como em 1929, vem se propagando do centro para a periferia. Diferentemente daquela época, o grau de acumulação em todos os pontos do sistema é muito mais elevado. As formas de extrair a mais-valia nos dias que correm são infinitamente mais eficientes. Pode-se pilhar o que se acumulou em décadas e ‘salvar’ o que se arriscou há pouco tempo. Esta pilhagem é um risco, ainda desconhecido. Dependendo da evolução da crise, terão que ser tomadas medidas ainda mais fortes, tirando mais de quem tem muito pouco.

Estes acontecimentos derrubam os mitos neoliberais e conservadores. Mostra, mais uma vez, que os mercados são monstros desregrados e não-racionais. A ação do Estado é a única que pode tentar domar o monstro, mesmo sem o ferir de morte. Ao contrário, a perspectiva adotada é de tentar dar remédios paliativos, mas poderosos, mantendo tudo em seu lugar. O Estado não pode ser mínimo. O mercado não é capaz de sozinho regular os sistemas em que estão inseridos. As mentiras neoliberais se autodesmascaram nesta situação de crise, onde mais uma vez se vê as diferenças entre os centros e as periferias e a interligação mundial das economias, no sentido da dominação dos países ricos sobre os demais.

Por outro lado, uma luz de esperança aparece no horizonte. Se estes sistemas podem se movimentar tão rapidamente, produzindo resultados surpreendentes, a favor do capital, tal poderia ocorrer em sentido inverso. Os Estados nacionais que estão tentando suturar as chagas da crise financeira, dependendo da correlação das forças políticas no poder, poderiam, quiçá, fazer o motor da história girar em função do trabalho. O problema não é econômico e sim de ordem política. Quem está no poder determina para onde a história se dirige e a quem ela beneficiará.

Não se sabe qual será a reação das sociedades envolvidas. Mas, no rescaldo desta última crise global, a ordem política mundial está sendo seriamente afetada. É ingênuo pensar que o mundo de depois destes eventos será o mesmo. O que virá terá a marca do que hoje está se processando.

Por Luís Carlos Lopes, que é professor.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.cartamaior.com.br.

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Agora, regulação é apontada como única saída

O ex-presidente Ronald Reagan eliminou os controles governamentais sobre uma ampla gama de instituições e instrumentos financeiros, em consonância com sua fé no livre mercado. Reagan gostava de ilustrar sua política desreguladora com a frase: “o governo não é a solução, mas sim o problema”. Em 1999, a Lei de Modernização de Serviços Financeiros eliminou controles financeiros impostos desde os tempos de Franklin Delano Roosevelt. As conseqüências estão aí.

WASHINGTON – A sangria financeira que, de Wall Street, espalhou-se pelos Estados Unidos e pela economia internacional, levantou o clamor por uma regulação mais estrita dos grandes atores da economia norte-americana. Na quinta-feira (18), a primeira preocupação foi a saúde dos bancos de investimentos de grande porte que sobreviveram à débâcle do início da semana, Goldman Sachs e Morgan Stanley, assim como a da empresa Washington Mutual, com sede na capital dos EUA.

Ao meio-dia, circulavam rumores que o Morgan Stanley poderia ser adquirido pela Wachovia Corporation, da Carolina do Norte, quarta maior cadeia bancária dos EUA, com presença em 21 estados e em seis países latino-americanos. Todas as sirenes de alarme dirigiram-se depois ao Federal Reserve (equivalente ao Banco Central) e ao Departamento do Tesouro (equivalente ao Ministério da Fazenda).

Após intensas reuniões e conversas telefônicas, o Federal Reserve injetou 55 bilhões de dólares nos bancos dos EUA e outros 180 bilhões nos bancos centrais de todo o mundo, com o objetivo de estabilizar os mercados financeiros. Essa ajuda e mais aquela dirigida ao American Insurance Group e às companhias hipotecárias Freddie Mac e Fannie Mae serão suficientes para conter a crise?

Os especialistas duvidam e insistem que a única solução a longo prazo é uma regulação mais estrita dos mercados financeiros. Essa é a posição, por exemplo, dos jornalistas especializados em economia da revista Time e do jornal The Washington Post, dois dos meios de imprensa mais influentes do país. “O temor se generalizou agora por que os mercados financeiros e muitas instituições de crédito não mostraram, durante anos, nenhum temor. Waal Street não tinha porque se preocupar com o tema das regulações”, escreveram Andy Server e Allan Sloan, da Time.

O The Washington Post acusou o governo de não controlar as maquinações das companhias Fannie Mae e Freddie Mac, cuja eminente quebra desatou a crise na semana passada. O resgate pelo Estado custou aos contribuintes bilhões de dólares. O Centro para o Progresso dos Estados Unidos, instituição acadêmica com sede em Washington, também atribuiu boa parte da responsabilidade à falta de regulações.

A “política de não-intervenção” do presidente George W. Bush “foi o que impulsionou a crise atual”, criticou a entidade. “Após sete anos e meio no cargo, os reguladores do governo Bush não reconheceram como a débâcle atual poderia ter sido evitada com um controle mais efetivo dos mercados financeiros, nem entendem que a resolução desta crise começa com os proprietários de habitações individuais”, escreveu Andrew Jakabovjcs no site do centro.

Ondas de finanças predadoras

O professor de economia, James K. Galbraith, da Universidade do Texas, explicou que “a desregulação tem sido parte do credo do público e do setor cidadão” desde a presidência de Ronald Reagan (1981-1989). Durante o governo Bush, o hoje ex-presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, lançou “ondas de finanças predadoras” no mercado imobiliário, no que foi acompanhado do principal assessor econômico do candidato presidencial republicano John McCain, Phil Gramm, “e pelos autodenominados reguladores que sistematicamente subverteram o interesse público”, acrescentou Galbraith.

Reagan gostava de ilustrar sua política desreguladora com a frase “o governo não é a solução, mas sim o problema”. O ex-presidente, falecido em 2004, eliminou os controles governamentais sobre uma ampla gama de instituições e instrumentos financeiros, em consonância com sua fé no livre mercado, compartilhada pela maioria de seus correligionários no Partido Republicano.

A aprovação, em 1999, da Lei de Modernização de Serviços Financeiros, proposta pelos legisladores republicanos Phil Gramm e Jim Leach, eliminou controles financeiros impostos desde os tempos de Franklin Delano Roosevelt (1933-1945), o presidente que pôs fim à crise de 1929. Roosevelt proibiu a fusão entre empresas do setor bancário, de intermediação financeira e de seguros. O Serviço de Investigações do Congresso legislativo desaprovou os projetos desreguladores. Apesar disso, a maioria republicana conseguiu impô-los em 1999. Menos de dez anos depois, as conseqüências estão aí. A maioria dos analistas resiste em fazer prognósticos para o futuro, mas concordam que a turbulência e as tragédias familiares continuarão no médio prazo.

A especialista Nomi Prins, que trabalhou em empresas financeiras como Bear Sterns, Lehman Brothers e Goldman Sachs, reclama reformas urgentes. “Só se poderá consertar o que está torto com medidas radicais e com uma regulação decisiva”, sentenciou. A complexidade das instituições criadas pelas fusões à raiz da reforma de 1999 impede o controle por parte do Estado, advertiu. O Federal Reserve, por exemplo, não tem entre suas funções a supervisão do mercado de seguros.

Nas medidas tomadas por Washington na última semana não há diálogo nem estratégia, disse Prins a IPS. “Façam o que façam os políticos, nossa sociedade será mais pobre do que antes, porque o crédito será mais difícil de obter e os estadunidenses deverão aprender a viver com seus salários”, observaram Server e Sloan, na Time. “Durante um ano, o Federal Reserve e o Departamento do Tesouro acreditaram nos mercados com a esperança de que o sistema se recuperasse por si mesmo. Isso não aconteceu e o colapso do Lehman Brothers deve marcar o fim desse enfoque”, concluíram.

Por Alison Raphael (IPS).

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer.

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A crise do capitalismo e a esquerda

Nova crise do capitalismo, ao estilo da de 1929, as teses do capitalismo de cassino se confirmam, o Estado norte-americano se contradiz uma vez mais e intervêm pesadamente, demonstrando que sua confiança no mercado não era tão grande como sua propaganda exibia. O capitalismo neoliberalismo mostra suas vísceras, as teses da esquerda se confirmam, de critica – keynesiana ou anticapitalista – ao neoliberalismo.

Os esquerdistas damos risada, confirmadas as nossas teses sobre o caráter anti-social e talvez terminal do capitalismo, esfregamos as mãos ansiosos pela conseqüências sociais e políticas da crises.

Deveríamos? Ou talvez devêssemos perguntar-nos quão preparados estamos para enfrentar essa nova crise com alternativas de esquerda? Não apenas teses, mas força social, política, ideológica, para disputar a hegemonia em crise. Para perguntar-nos se as medidas que os governos tomarão representarão mais sofrimento para os povos, mais desespero, abandono, desemprego, informalidade, sem que possam ver que haveria alternativas?

Se nos limitamos a um papel intelectual, a ser críticos do capitalismo, a nova crise é um prato cheio. Podemos regozijar-nos e despejar todos os dias e semanas novos textos que prevêem – “como já havíamos escrito” – o fim do capitalismo para daqui a pouco tempo.

Mas todo catastrofismo se equivoca. Nos anos 30, a Internacional Comunista aderiu às teses do economista Emilio Varga, que retomava as teses de Lênin par diagnosticar que a crise de 1929 levava o capitalismo, finalmente, à sua etapa final. Conforme o New Deal resgatou o capitalismo de si mesmo, foi introduzida a categoria “segunda fase da etapa final do capitalismo”. Já deveríamos estar na quinta ou sexta fase atualmente.

Giovanni Arrighi recorda como, nos anos 70, a discussão não era sobre o fim do capitalismo, mas quando, onde e como terminaria o capitalismo – tema que aparentemente era assumido até mesmo pelos teóricos do capitalismo.

No entanto, como o próprio Lênin nos recorda, o capitalismo não cai, nem cairá, se não for derrubado – como demonstraram os processos revolucionários que terminaram com o capitalismo, temporal ou definitivamente. Não cai por si mesmo e até mesmo demonstra capacidade de recuperação. Quem diria que a pátria de Lênin, da primeira revolução operário-camponesa da história da humanidade, veria restaurado o capitalismo, numa versão mafiosa?

Quem diria que os Estados Unidos, “feridos de morte” pela crise de 1929, comandariam o maior e mais profundo ciclo longo expansivo do capitalismo da sua história – sua “era de ouro”, segundo Hobsbawn – no segundo pós-guerra, pressionando a URSS e derrotando-a tecnológica e economicamente, antes de favorecer sua implosão política?

Não digo isto para ser caracterizado como disseminador de visões apologéticas do capitalismo ou para alentar o desânimo, mas para cumprir a saudável afirmação de Brecht, de que “devemos tomar o inimigo pelo seu lado mais forte”, para não nos enganarmos sobre as condições reais de luta contra ele, para não subestimar suas forças e, principalmente, não superestimarmos as nossas forças.

A cada crise que a esquerda enfrenta dando risadas e esfregando as mãos, entra e sai mais derrotada ainda, porque se contenta com a contemplação dos últimos dias de uma Pompéia capitalista, que insiste em sobreviver, graças à falta de alternativas – teóricas e políticas – da esquerda. Dessa mesma esquerda que parece acreditar que, finalmente, um dia, não muito longínquo, os povos do mundo se convencerão de suas teses apocalípticas, sem ter construído-as como força econômica, social, política e ideológica.

Por enquanto – como dizia Marx da pequena burguesia -, parece que o povo ainda não está maduro para entender as teses de uma esquerda que se contenta consigo mesma, com nossas maravilhosas teses que nos dizem que a longo, médio ou curto prazo, inevitavelmente a história revelará que caminha para o socialismo.

Pouco terão aprendido das viradas – revolucionárias e contrarevolucionárias – do século XX, seguem esperando passar o cadáver do nosso inimigo, em lugar de preparar meticulosamente a realização dos nossos sonhos e das nossas utopias, como recomendava o realismo revolucionário de Lênin.

Por Emir Sader.

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Lecio Morais: Crise mostra que neoliberalismo tem pouco a oferecer

O economista Lecio Morais comenta, neste artigo, com apreentação de Sérgio Barroso, a conseqüência política e ideológica da atual crise econômica mundial. Para ele o paradigma neoliberal da racionalidade superior do mercado, desde que “bem regulado”, foi irremediavelmente comprometido, perdendo, de uma vez por todas, sua condição de verdade auto-evidente e inconteste. Morais também questiona a forma desproporcional com que o ônus da crise vem sendo distribuído, até agora, pelas diversas economias do mundo.

Deveras instigante a observação de Kenneth Rogoff (Folha de S. Paulo, 19/9/2008), ex-economista chefe do FMI: nesses trinta dias de tempestade financeira nos EUA, ao invés do dólar ir à decomposição, registrou ”modesta alta”, além dos títulos de curto prazo do Tesouro estarem a juros mais baixos em 54 anos! Nobel de economia em 1970, Paul Samuelson considera que a recuperação do dólar nesse período é “algo impressionante para os especuladores irresponsáveis” (O Estado de S. Paulo, 19/9/2003). A moeda norte-americana – afirmou a professora Conceição Tavares – “ainda pode ser a referência, mas a hegemonia [dos EUA] acabou” (Valor Econômico, 18/9/2008).

Neste artigo, Lécio Morais enfoca a questão sob outras dimensões. O crescimento do desgaste dos EUA – “de uma legitimidade em franca decadência”-, não autoriza qualquer euforia da recente revalorização do dólar. Ao contrário: há sim o risco “de uma nova desvalorização do dólar” até o final do ano, deteriorando mais ainda a posição norte-americana no sistema de relações internacionais. Aliás, para Rogoff, infelizmente, a crise financeira está “longe de ser encerrada”; segundo Morais, “uma grande borrasca” se aproxima de todo os países.

Para Morais, similarmente à professora Tavares, a tormenta financeira e a conduta dos EUA encerram um ciclo: “o neoliberalismo e sua cartilha de políticas econômicas tem pouco a oferecer ao mundo”. Mas, diferentemente de Tavares (“hoje somos um país de baixo risco real”), para Lecio não só perdas já ocorrem, como, ao seguir o padrão liberalizante e desregulamentador dos Estados Unidos, ficamos vulneráveis às manobras especulativas, a exemplo dessas em curso. Enfim, vulnerabilidades que “podem gerar grandes prejuízos”, perdas financeiras, criarem incerteza e instabilidade ao investimento produtivo. (A. Sérgio Barroso)

O artigo vem em boa hora – e dissipa nuvens. Confira.

A crise alcança novo patamar. Nós? Vulnerabilidade externa e crédito curto

A quebra do banco de investimento Lehman Brothers, a venda do Merrill Lynch e a estatização de uma terceira instituição financeira (a seguradora AIG) nesta semana significaram uma nova rodada de grandes perdas na crise do subprime. As perdas dos bancos americanos, europeus, japoneses e até chineses podem se ampliar. Assim, a crise não só vai se mundializando como se transformando em uma crise sistêmica.

Em contrapartida às perdas, além dos 75 bilhões de dólares da estatização da AIG, o FED, para amparar o valor dos ativos financeiros, passou a oferecer dois leilões semanais aos bancos, totalizando uma oferta de crédito de emergência de até 175 bilhões de dólares, garantidos por títulos, pelo menos até janeiro de 2009. Essa oferta extraordinária de crédito de curto prazo (até 28 dias) pode atingir um saldo médio de empréstimos de até US$ 700 bilhões até janeiro. Afora a anunciada criação de um fundo do governo dos EUA para assumir “dívidas podres” das instituições financeiras, que podem atingir, como na crise de 1989, entre US$ 500 bilhões a mais de um trilhão.

Todas essas iniciativas do governo americano demonstram o tamanho da disposição política do governo dos EUA em sustentar seu sistema financeiro e o próprio sistema capitalista mundial do qual são a cabeça. Se vai dar certo e abortar o efeito dominó sistêmico ninguém sabe, o futuro próximo o dirá. Este não será meu tema.

Quero discutir neste artigo dois aspectos desta crise que nos parecem relevantes e como eles podem atuar na maneira como a crise pode atingir o Brasil. O primeiro é uma importante conseqüência política e ideológica: o paradigma neoliberal da racionalidade superior do mercado, desde que “bem regulado”, foi irremediavelmente comprometido, perdendo, de uma vez por todas, sua condição de verdade auto-evidente e inconteste. A segunda questão é a forma desproporcional com que o ônus da crise vem sendo distribuído, até agora, pelas diversas economias do mundo.

A súbita e significativa desvalorização do real frente ao dólar, invertendo a tendência dos últimos anos, mostra que a primeira onda de impacto da crise americana já chegou à nossa praia.

1. O fim do principal paradigma neoliberal

Já virou lugar comum a afirmação de que a ação do FED e do Tesouro americano nesta crise pôs fim ao ideário neoliberal. Porém, os argumentos que justificam a afirmação ainda são confusos. Há os que fundamentam a afirmação pelo fato de ter se salvado instituições financeiras privadas com dinheiro público.

Não é esta a questão. Que haja interferência do Estado no mercado, estabelecendo regras ou mesmo utilizando dinheiro público para cobrir prejuízo privados, são ações justificáveis pelo neoliberalismo. O neoliberalismo revigorou o conceito de livre mercado do liberalismo admitindo que o mecanismo de mercado, apesar de superior em racionalidade à ação do Estado na organização da produção, não é de fato perfeito; e se o deixarmos entregue às suas próprias forças, tenderá à desorganização ou ao desastre.

A idéia central do neoliberalismo é a defesa de que mercados regulamentados de forma adequada, ou seja, incentivando mecanismos nele existentes de modo a corrigir as suas imperfeições naturais, como a assimetria de informações, são, não só superiores à ação estatal, como são auto-sustentáveis: tenderão a superar as flutuações dos ciclos de negócios de modo estável e permanente. A própria especulação, como mecanismo próprio do mercado, é defendida como forma espontânea do capitalismo antecipar tendências e eventos futuros, evitando surpresas desestabilizadoras. E a melhor regulamentação disponível, a mais adequada, seriam aquelas praticadas pelos mercados mais maduros, as instituições (regras e organizações) existentes especialmente nos países de extração anglo-saxônica (EUA e Reino Unido), herdeiros dos valores liberais. Daí a insistência das políticas neoliberais – por meio de governos e das instituições multilaterais – em replicarem em todos os países a mesma fórmula institucional adotada pelos EUA: banco central e agências reguladoras independentes, liberdade de movimento de capitais, baixas tarifas de importação, isenção tributária das exportações, e as chamadas ”boas práticas” de regulação financeira e contábil.

Em decorrência, o neoliberalismo também concorda que em casos excepcionais pode haver “salvamentos” de empresas, quando houver ameaça ao funcionamento normal do sistema, ou ocorram circunstâncias excepcionais (choque externo, guerra civil etc.) ou ainda quando os mercados ainda não estão adequadamente regulados. Essas exceções justificavam iniciativas como os do PROER, no Governo FHC, por exemplo, e a criação de um fundo para adquirir títulos “podres” do mercado imobiliário americano, em 1989.

O que essa crise e o socorro estatal provaram estar errada foi o conceito fundamental de “mercado bem regulado”. A crise mostrou que o mercado cuja regulação servia de modelo para todo o mundo não foi capaz de superar as flutuações econômico-financeiras de modo estável e continuado. Que sem a intervenção direta do Estado, o mercado – apesar da propalada boa regulamentação – tendia ao colapso. E isso aconteceu sem que se apresentasse nenhum caso excepcional, exceto a flutuação cíclica de expansão e retração da atividade econômica e a ação especulativa que é funcional ao próprio mercado.

Negado esse princípio básico, o neoliberalismo e a sua cartilha de políticas econômicas tem pouco a oferecer ao mundo. Fica especialmente em xeque a livre movimentação de capitais e a rejeição de regulamentação do mercado que derive do poder de império do Estado. Acabou-se a aura “científica” da superioridade absoluta do mercado. Como corolário, sai bastante desgastado outro conceito caro ao princípio da superioridade do mercado: o de que os agentes agem no mercado guiados por “expectativas racionais”. É a existência dessas expectativas racionais que permitem que os agentes recusem qualquer política monetária pró-ativa, do tipo keynesiana, pois isso violaria outros conceitos básicos da teoria como “a neutralidade da moeda” e a existência de um “PIB potencial”.

Mas a quebra desse paradigma, sublinhe-se, não significa uma derrota da própria ideologia capitalista, como podem desejar alguns. A idéia e a legitimidade do mercado como instituição social ainda goza e continuará gozando de grande apoio, pelo menos quanto a uma superioridade relativa, que pode servir de base a um novo constructo ideológico que venha a servir de teoria a uma provável retomada capitalista pós-crise.

Porém, uma coisa é certa: após essa crise, o capitalismo não poderá se apresentar da mesma maneira. A realidade da ruptura ideológica no neoliberalismo abrirá, daqui por diante, um grande espaço para a discussão de novas políticas públicas e econômicas com base em pressupostos até hoje estigmatizado por ele, como a reafirmação da soberania nacional como instrumento legítimo de defesa de um Estado frente ao poder econômico do mais forte.

2. A distribuição desproporcional do ônus da crise

Apesar da crise do subprime ter se originado na economia americana e ter até o momento vitimado suas instituições financeiras, é interessante notar que as repercussões mais graves, como a queda do nível de atividade econômica, vêm se mostrando até agora mais severas em outros países e regiões.

Enquanto os EUA têm se mostrado mais resistentes à recessão, o Japão e a União Européia, por exemplo, estão sendo mais atingidos, especialmente no segundo semestre de 2008. As bolsas de valores também vêm apresentando essa mesma tendência. Bolsas em países periféricos – como Xangai, Mumbai, Moscou – já perderam mais da metade do valor que alcançaram em 2007; até mesmo Hong-Kong, Seul e Tóquio já apresentam perdas mais expressivas do que a Bolsa de Nova York.

Por outro lado, devido à ressurgência recente da inflação, bancos centrais de todo o mundo têm elevado suas taxas de juros ou estão sendo instados a fazê-lo, contrastando também com a postura do FED americano. A própria elevação das taxas de juros pode ser vista como explicação das maiores quedas produtivas e das perdas nas bolsas nesses países. Mas isso ainda não explicaria tudo. A elevação das taxas de juros é parte do mesmo fenômeno de distribuição assimétrica das perdas decorrentes da crise americana.

Uma crise capitalista é sempre resultado de um “excesso” de capital. Esse “excesso” não é absoluto, mas sim relativo e decorre do fato de que a expectativa da taxa de lucro futura está em queda e que a acumulação não poderá manter o ritmo de antes. A única solução para a crise estará sempre na destruição de parte do capital existente, de modo a permitir a volta da elevação da taxa de lucro, condição necessária para iniciar um novo ciclo de crescimento. Como essa destruição de capital não é linear, a verdadeira dificuldade de resolver a crise está na escolha de que setor – ou economia – terá que concordar em destruir parte de seus capitais.

Desse modo, podemos entender essa distribuição diferenciada de perdas entre diferentes economias nacionais como um processo de repartição da destruição de capital dentro do sistema capitalista internacional. Um processo em que os mais fortes tentam repassar as perdas de capitais necessárias à superação da crise para as economias mais fracas ou mais expostas. Nesse caso, os capitais cuja sede é um país hegemônico – os EUA – ou que esteja vinculado, de algum modo, ao seu sistema financeiro, detêm duas vantagens relevantes: situarem-se no centro principal de decisões e serem denominados em dólar, a moeda internacional.

Se uma crise com as mesmas características da crise do subprime acontecer em qualquer país, a possibilidade de repercussão externa será necessariamente menor, tendo este país que, não só arcar com a parte principal de destruição de capital, como também cuidar para que parte dele não tente fugir da moeda nacional, desvalorizando os capitais do país como um todo. Já para o país hegemônico é diferente. É possível manter uma taxa de juros fortemente declinante, salvando mais capitais da destruição, sem se preocupar muito com a possibilidade de fuga, já que conta com a mais forte das moedas, o dinheiro internacional. Nesse caso, os demais países do sistema passam a viver um dilema: exigir mais sacrifícios de capital do próprio hegemônico implicará em uma recessão cujas repercussões em suas economias podem ser ainda piores do que a concordância em destruir uma parte maior de seus próprios capitais nacionais.

Daí se entende ser possível aos EUA praticar uma política monetária leniente, argumentando que o faz em defesa também de todo o mundo, e ainda exigir que os demais países tratem de endurecer suas políticas monetárias e fiscais para combater um processo inflacionário que tem origem na própria fraqueza da moeda americana.

Por outro lado, parte das aplicações em bolsas de valores de todo mundo tem origem no mercado americano ou são administradas por instituições a ele pertencente. À medida que as perdas se acumulam em Wall Street, ações e ativos em outros mercados vão sendo liquidados, dada a prioridade de defender as posições detidas no principal sistema financeiro, o que transfere parte das perdas de capital para as bolsas do resto do mundo, em especial as da periferia. Devido à fraqueza dessas bolsas, a desvalorização de seus ativos pode ser muito desproporcional, “queimando” capital excedente. Embora seja verdadeiro que parte desse capital excedente derivou de especulação proporcionada pelos mesmos capitais externos que agora retornam aos EUA.

O risco desse processo é o crescente descontentamento do resto do sistema capitalista em relação à posição hegemônica americana, e o aumento do desgaste de uma legitimidade em franca decadência.

A própria revalorização recente do dólar, registrada a partir de julho último, que determinou a queda surpreendente das cotações de commodities de energia e de alimento parece ser mais um episódio que, apesar de reduzir a pressão inflacionária, trouxe mais volatilidade e incerteza às autoridades econômicas e políticas de todo o mundo, inclusive, pelas suas repercussões negativas no déficit externo em conta corrente dos EUA. Há o risco de que uma nova desvalorização do dólar possa acontecer até o final do ano, o que trará mais desgaste à legitimidade dos EUA como país hegemônico e do dólar como moeda internacional.

3. As conseqüências para o Brasil: vulnerabilidade externa e perda de crédito

A volta da desvalorização do real e a acentuada queda da Bolsa de S. Paulo é uma demonstração inequívoca de que a crise americana começa a influenciar diretamente a economia brasileira. Como argumentamos, esses impactos decorrem do processo de distribuição do ônus da crise e foram determinados diretamente pelo movimento de revalorização do dólar e pelo retorno de capitais estrangeiros aplicados em títulos e ações em nosso país.

Essas perdas, que podem ser consideradas leves, servem para revelar pontos de grande vulnerabilidade de nossa economia aos eventos externos. Em primeiro lugar, é importante constatar que a súbita e forte desvalorização do real – que caiu de 1,63 para 1,90 por dólar em vinte dias – ao contrário do que se pode pensar, não decorreu da saída líquida de dólares em setembro. Embora venha saindo dólares de investimentos em carteira (títulos e ações) desde abril, durante as duas primeiras semanas do mês o saldo cambial líquido foi positivo em US$ 4,3 bilhões e até entrou US$ 725 milhões líquidos em operações financeiras. As reservas internacionais subiram, no mesmo período, de 203 para 208 bilhões de dólares.

A desvalorização do real decorreu de aplicações especulativas na Bolsa de Mercadorias & Futuros de S. Paulo (BM & F), em que investidores estrangeiros, desde agosto, fecharam contratos de mais de 5 bilhões de dólares em posições compradas em derivativos cambiais (equivale a uma aposta na alta do dólar). Ao elevarem a cotação futura do dólar, “puxaram” a cotação à vista, desvalorizando nossa moeda sem precisar sequer comprar dólares. Nessa operação, os estrangeiros, em três semanas já embolsaram cerca de 1,5 bilhão de reais (ou 900 milhões de dólares). Esse mecanismo foi também o principal responsável pela valorização do real desde 2004.

A abertura de nossa conta de capitais e a regulamentação de nosso mercado financeiro, seguindo o padrão americano, propicia esse tipo de operação e permite que nossa moeda fique vulnerável a movimentos especulativos que podem gerar grandes prejuízos, não só pelas perdas financeiras, mas por criar incerteza e instabilidade aos investimentos produtivos.

A saída de aplicações de estrangeiros na Bovespa também pode se constituir em um ponto de grande vulnerabilidade externa. Desde abril, cerca de US$ 17 bilhões em títulos e ações foram liquidados na Bovespa e transferidos ao exterior para cobrir perdas em Wall Street, o principal mercado financeiro. Essas vendas explicam a forte queda da Bovespa.

Mas a alienação desses US$ 17 bilhões em valores mobiliários representa uma pequena parcela do patrimônio mobiliário que os investidores estrangeiros acumularam no país desde 2003. Em dezembro de 2007, último dado disponível, os estrangeiros detinham o equivalente a US$ 165 bilhões em ações na Bovespa e US$ 145 bilhões em títulos de renda fixa. Atualmente, estimo que esses estoques estejam em torno de US$ 100 bilhões e US$ 112 bilhões, respectivamente. Um patrimônio mobiliário ainda muito elevado para o tamanho de nossa economia e de nosso mercado financeiro, sendo superior, inclusive, às nossas reservas internacionais. Caso esse investimento continue a ser retirado no mesmo ritmo, causará um dano ainda maior não só à Bovespa como a todo mercado de capitais.

Outra questão importante diz respeito à nossa política monetária. A decisão do Banco Central de retomar a elevação acelerada de nossa taxa de juros, desde maio passado, por conta de uma propalada escalada inflacionária significa, na prática, aceitar destruir parte do capital existente, fazendo a economia nacional assumir desnecessariamente parte do ônus da crise americana. É um sinal de fraqueza do Estado brasileiro frente ao centro do sistema capitalista mundial que sacrifica o futuro imediato do nosso crescimento e prejudicando-nos também a longo prazo.

Por fim, devemos considerar que, apesar da melhora de nossas contas externas, ainda estamos sujeitos a duas conseqüências diretas da crise, mesmo que as iniciativas do Estado americano logrem sucesso em controlá-la. A primeira é a forte retração na oferta de crédito externo, a segunda a queda nas exportações. Os efeitos desses dois fatores devem manter-se até, pelo menos, 2010. Infelizmente, não há como mobilizar, internamente, uma oferta extra de crédito que venha a neutralizar essa perda de financiamento, nem compensar a redução das exportações. Em conseqüência, deve se esperar que o ritmo de investimento interno venha a cair e a taxa de crescimento venha a se reduzir pelo menos à metade da atual, especialmente em 2009.

Se tais perdas podem ser inevitáveis, podemos tomar medidas para proteger nossa conta de capital e para restringir a regulamentação excessivamente liberal do mercado cambial e financeiro, especialmente na negociação de contratos de futuro. É hora de limitar a irrestrita liberdade de movimento do capital. Isso pode minimizar perdas importantes para nossa economia e dar mais estabilidade à vida do povo e à economia do país.

A quebra no paradigma da supremacia absoluta do mercado sobre o Estado pode ser um facilitador das restrições que precisam ser feitas à movimentação de capitais. Mesmo porque é de se esperar que países do mundo inteiro também estarão reformando seus mercados na mesma direção, buscando, como nós, proteger-se da grande borrasca que se aproxima de suas praias.

Por Lecio Morais, que é economista e mestre em Ciência Política.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.vermelho.org.br.

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