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O estrago generalizado

O estrago econômico foi feito de forma generalizada por Levy e Barbosa. É urgente realizar uma autocrítica da política dos últimos 13 anos.

Por Paulo Kliass*

Lula Marques

Desde o início de 2015, a cada novo momento da cena de poder brasiliense passou a ficar mais clara a opção de Dilma para a economia. Isso significava conferir liberdade absoluta à condução da política econômica de seu segundo mandato pelas mãos de Joaquim Levy. A partir de então passei a utilizar o termo “austericídio” com o intuito de tornar mais compreensível qual era a essência da trilha conservadora adotada pelo diretor do Bradesco no comando do Ministério da Fazenda.

Algumas pessoas passaram a me criticar, uma vez que eu estaria sendo muito pessimista e que minhas ponderações serviriam, na verdade, apenas para fazer o chamado “jogo da direita”. Essa tentativa de calar as vozes que reivindicavam o retorno à plataforma do programa de governo que havia derrotado o candidato do retrocesso em outubro de 2014 não durou muito tempo. A receita de bolo do financismo se expressava pela voz do diretor do maior banco privado do país. Por um lado, cortar e cortar e cortar os gastos públicos nas áreas sociais e investimento. Por outro lado, manter a política monetária arrochada sob o pretexto de combate à inflação – para tanto, a recomendação era que o Comitê de Política Monetária (COPOM) mantivesse a SELIC na estratosfera.

Ora, para qualquer pessoa que tenha um mínimo de formação e conhecimentos básicos de economia, essa combinação desastrosa de cortes nos gastos orçamentários com taxas de juros escandalosas só poderia dar no que deu. Recessão e desemprego. Aliás, não era outra a intenção – velada para uns ou explícita para outros – da aplicação de tal kit ortodoxia. Se a inflação era mesmo um grande problema e o diagnóstico era de que os preços subiam por excesso de poder de compra, a formuleta mágica é reduzir o potencial de demanda. Se o descompasso entre receitas e despesas públicas começava a apresentar alguma dificuldade, o caminho financista só enxerga a opção do corte de gastos.

A tragédia do austericídio.


Porém, todos sabemos que esse jogo de cena da “responsabilidade fiscal” não se aplicava a todos os interessados. Os grandes conglomerados empresariais eram gentilmente beneficiados com a generosidade das desonerações tributárias, comprometendo ainda mais as dificuldades do Estado pelo lado das receitas. Além disso, permanecia valendo o importante detalhe da armadilha do superávit primário: manter ou até mesmo elevar as despesas financeiras, comprometidas com os serviços da dívida pública. O governo amealhava cortes severos aqui e ali no social, mas manteve intocável um volume anual de gastos de R$ 540 bi com juros da dívida  

O jogo estava feito: essa alternativa de promover o ajuste fiscal provocaria uma austeridade com graves consequências do ponto de vista econômico e social. Assim, a medida revelar-se-ia um verdadeiro tiro no pé, um suicídio político com trajetória e cadência pré definidos. Por isso o neologismo criado: austericídio. Os economistas que não raciocinam de acordo com a planilha neoliberal cansamos de alertar a respeito dos equívocos embutidos na estratégia de Levy, que depois foi plenamente encampada por Nelson Barbosa. Na verdade, a troca de comando no Ministério da Fazenda quase nada alterou na essência da política ajustista. Permaneceu a opção obnubilada pela contenção de despesas primárias (saúde, educação, previdência, entre outros) e a explosão dos gastos financeiros da União em razão da elevação da taxa oficial de juros.

Pronto. Estava devidamente encomendado o estrago generalizado que viria na sequência. Com o discurso de que não haveria alternativas àquela maldade institucionalizada, os formadores de opinião batiam na surrada tecla de que “é necessário sofrer para extirpar o mal”.

O fato é que não estávamos mais na situação generosa do ajuste promovido no primeiro mandato de Lula, entre 2003 e 2005. Naquele período, a conjuntura internacional de elevação dos preços das “commodities” permitiu à dupla Antonio Palloci e Henrique Meirelles realizar o ajustamento sem que as despesas sociais fossem comprometidas. À época, no jogo do ganha-ganha proporcionado pelo setor externo, as camadas mais desfavorecidas da sociedade foram beneficiadas e os setores do topo da pirâmide obtiveram ganhos ainda mais expressivos.

A dimensão do estrago.

No período atual o quadro é bastante distinto. A cena internacional não é mais benéfica e a solução deveria contemplar uma opção que privilegiasse o mercado interno. O caminho adotado, porém, foi o de arrasar o potencial de demanda desse mesmo mercado. A crise da Petrobrás e os resultados da Operação Lava Jato contribuíram para agravar ainda mais o cenário. O resultado está por aqui para quem quiser ver e sentir.

O desemprego foi acelerando a passos rápidos. Agora atingimos novo recorde, com as pesquisas do IBGE registrando o patamar de 10,2% da população em condições de trabalhar. É o maior valor da série histórica e representa um total de 10,4 milhões de pessoas sem emprego.

A recessão também foi sendo confirmada a cada nova informação oficial divulgada. O desempenho sofrível de 2014 se concretizou no PIBinho de 0,1% de crescimento do produto. Ao invés de lançar as bases de uma política anticíclica coordenada para reverter essa tendência, Dilma comprou a tese conservadora. Com isso, os resultados foram no sentido de aprofundar a onda recessiva. Em 2015, o PIB registrou uma queda homérica de 3,8%. As previsões mais otimistas para 2016 também apontam uma recessão de 3,7%

A gravidade da crise também pode ser confirmada pelo aumento do número de falências em todo o território nacional. Apenas no primeiro bimestre de 2016 houve um crescimento de 31% na comparação como bimestre do ano passado. A paralisia das atividades tem um efeito multiplicador sobre o desempenho e as perspectivas das empresas. Aquelas que não contam com algum colchão para atravessar o período de dificuldades acabam por se inviabilizar e quebram.

O desempenho no setor do comércio também confirma tal quadro. O registro dos últimos 12 meses aponta para uma queda de 5,2% no faturamento das empresas que atuam na área de vendas. Pelo lado da inadimplência, as informações tampouco são alentadoras. Pelo contrário, o Brasil iniciou o presente ano com quase 60 milhões de pessoas em atraso no cumprimento de suas obrigações contratuais. As parcelas de rendimento mais baixo também são atingidas pela dificuldade de pagamento, quadro ainda mais agravado pelo elevado comprometimento da renda mensal com as obrigações financeiras.

As opções dos golpistas.

E assim chegamos ao quadro atual do golpeachment em curso. O serviço sujo foi realizado com tamanha intensidade pelo governo Dilma, que podemos chegar a um quadro que seria irônico, se não fosse trágico. O eventual governo Temer pode até se dar ao luxo de oferecer algumas medidas generosas, uma vez que a economia está realmente afundada. Com a quantidade de maldades já promovidas por Levy e Barbosa, não deve ser descartada a hipótese de que a equipe comandada pelos golpistas promova alguma redução na SELIC e algum reajuste em programas sociais.

É importante não esquecer que teremos eleições em outubro cada um dos mais de 5.570 municípios. O PMDB é um partido com forte penetração nas comunidades locais e seus dirigentes sabem que os termômetros não estão muito favoráveis a qualquer governo de plantão. Veremos qual será o desenlace de tal disputa interna no bloco putschista. De um lado, os principistas e doutrinaristas defendendo uma opção claramente conservadora, ao estilo das proposições de Armínio Fraga e do programa peemedebista “A Ponte para o Futuro”. De outro lado, a pressão do fisiologismo e do pragmatismo realista das máquinas partidárias, que devem pleitear pelo adiamento de soluções mais duras para depois do pleito – em razão de seu óbvio conteúdo anti popular.

De qualquer maneira, o estrago foi feito e de forma generalizada. Agora, cabe continuar denunciando o golpe e buscar a reorganização das forças políticas progressistas em defesa de uma alternativa democrática e popular. Mas para isso, torna-se necessário e urgente um processo de avaliação e de autocrítica da política encaminhada ao longo dos últimos 13 anos. Tanto por aquilo que foi feito de forma equivocada, quanto pelo que deixou de ser feito.

* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

Créditos da foto: Lula Marques

Artigo colhido no sítio http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/O-estrago-generalizado/7/36038

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