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Quais lições podemos tirar da privatização do BANESTADO?

“O papel dos bancos públicos é a regulação do sistema financeiro, o contraponto à política especulativa de juros escorchantes da banca privada. Enfim, guardiões da soberania brasileira. Olhemos para o passado recente e tomemos as devidas lições. Vamos deixar que levem mais esse patrimônio público?”  Marisa Stedile

Há 20 anos aconteciam as primeiras privatizações de bancos públicos estaduais no Brasil. Até 1997 o país possuía 30 bancos (ou Caixas) estaduais controlados pelos governos de seus respectivos estados.  A partir desse ano os governadores se desfizeram dos bancos estaduais sob a alegação que teriam mais recursos para a saúde, educação e segurança (esse argumento era expresso nos editais de leilão).

O projeto de privatização dos bancos estaduais era um sonho acalentado por autoridades monetárias desde a década de 1980 o que não foi possível pela forte presença de governadores de oposição ao governo federal (quer sejam da ditadura, quer sejam eleitos direta ou indiretamente). Os governadores de oposição burlavam a falta de repasses federais usando os caixas dos bancos estaduais para execução de políticas públicas e de infraestrutura e com isso comprometiam a solidez dessas instituições, gerando problemas para a União, que para não gerar instabilidade no sistema como um todo fazia os aportes necessários.

Em 1995 Fernando Henrique Cardoso toma posse na Presidência da República com propostas neoliberais, e nos principais estados foram eleitos governadores alinhados com o pensamento de FHC. O cenário torna-se favorável ao projeto de desestatização do sistema financeiro, começando pelo Banco do Estado do Rio de Janeiro.

Entretanto, o PROES (Programa de Incentivo a Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária) custou R$ 73 bilhões aos cofres públicos, e longe de resolver o problema dos estados gerou novas dívidas, pois o programa absorveu a chamada “parte podre”, que eram os créditos de difícil recuperação ou créditos de liquidação duvidosa.  Os bancos privados ficaram com instituições totalmente saneadas e os estados com a quase impossível missão de cobrar essas dívidas, além de assumirem a conta final, que no caso do Paraná hoje chega à R$10,3 bilhões, a ser paga até o ano de 2048 em prestação de R$196 milhões/ano.

A operação de venda do BANESTADO foi uma “queima de arquivo”, como ficou evidente quando foram denunciadas ilegalidades na remessa de dinheiro ilícito ao exterior por meio de contas CC5, na famosa CPMI do BANESTADO conduzida pelo senador Antero Paes de Barros (PSDB) e relatada pelo deputado federal José Mentor (PT), cujo relatório apontou remessa ilegal de R$ 150 bilhões entre 1996 e 2002, usando os canais do BANESTADO.

O caso BANESTADO

Neste 17 de outubro completa-se 17 anos da privatização do BANESTADO, mas a votação que autorizou o processo deu-se em23 de junho de 1998, data em que a Assembleia Legislativa do Paraná votou o projeto de lei nº 238/98, apenas 16 deputados foram contra.

Devo ressaltar que o atual governador do Estado Carlos Alberto Richa votou favorável à entrega do banco. Até aquela data o banco contava com 12.886 funcionários e rede de 392 agências, com cerca de 550 mil clientes. O banco atuava no financiamento agrícola e habitacional, além de ser a única forma de acesso de muitas comunidades ao sistema financeiro.

Antes de nos reportarmos ao “caso BANESTADO” (fartamente escrito e denunciado por CPIs) é necessário que digamos que o BANESTADO era um verdadeiro celeiro da resistência bancária, berço de lideranças políticas que pontuaram a vida pública desde muito tempo.  Dado o perfil estável de seus funcionários, onde praticamente todos eram concursados, havia um sentimento fraterno, uma verdadeira irmandade entre o funcionalismo. Este sentimento não se expressava apenas nos eventos festivos, nos churrasquinhos compartilhados nas churrasqueiras que comumente ficavam nos fundos das agências, na área de estacionamento, mas estava presente nas campanhas tanto as que o banco conclamava quanto as que o sindicato convocava. Era nas greves e embates que a verve “banestadense” se manifestava. Sem medos, sem reservas, todos se uniam em busca do que era melhor coletivamente.

Os funcionários do BANESTADO sempre tiveram uma ligação muito forte com as comunidades em que estavam inseridos, tinham compromisso com a população. Mas essa união e senso de dever com a comunidade foi insuficiente para barrar os desmandos que marcaram as gestões. Alguns desses desmandos são identificados em relatórios de fiscalização do Banco Central, tais como a concessão de crédito a uma empresa de Sergipe que obteve R$3,5 milhões do banco sem ter cadastro e com garantias falsas, cujo “objetivo” declarado era a compra de uma frota de caminhões, o que nunca ocorreu. Para se ter uma ideia, entre 1998 e 1999 foram examinadas operações concedidas a 162 clientes, sendo que 93% dessas operações continham irregularidades.

Após 17 anos cabe perguntar:

– Os envolvidos na remessa ilegal de dinheiro ao exterior por meio do BANESTADO responderam criminalmente? Não! O valor movimentado chegou a 134 bilhões de dólares, o juiz foi Sérgio Moro, o doleiro Alberto Youssef, o Procurador era Celso Três, e o delegado da PF era José Castilho. Políticos, empresas de comunicação, grandes empreiteiras e executivos envolvidos, as penas prescritas e ninguém preso.

– O Estado melhorou a educação? Não! Pelo contrário, o orçamento da educação está congelado por 20 anos, a previdência dos servidores foi arrombada e os professores massacrados literalmente com bombas e balas de borracha.

– O Estado melhorou a saúde? Não! O cidadão é empurrado para “planos de saúde” populares, o governo aprova a terceirização contratando ONGs e OSCIPs sem licitação.

– O Estado melhorou a segurança pública? Não! Curitiba tem um dos maiores índices de violência entre as cidades desenvolvidas do país. Piraquara fica na 8° colocação entre as cidades mais violentas do Brasil.

– Os grandes devedores (tomadores de crédito) pagaram o que deviam ao BANESTADO? NÃO! Em 2013 havia 1.243 somando R$ 1.5 bilhão em contratos devedores (entre pessoas físicas e jurídicas), 66 delas eram inferiores a 45 mil reais e as dívidas foram perdoadas. As dívidas acima desse valor poderiam ter descontos de até 50%.

– Quem financia programas habitacionais? A CAIXA.

– Quem financia a agricultura? O BANCO DO BRASIL.

Em 2017 apresenta-se ao povo brasileiro um governo ilegítimo, pois sem o voto popular, que traz consigo velhos nomes da velha política privatista, que pretende dar sequência ao antigo programa interrompido em 2003 com a eleição de Lula. O governo petista retomou o papel desenvolvimentista do Estado brasileiro, para isso a Caixa e o BB desempenharam papéis fundamentais.  O papel dos bancos públicos é a regulação do sistema financeiro, o contraponto à política especulativa de juros escorchantes da banca privada. Enfim, guardiões da soberania brasileira. Olhemos para o passado recente e tomemos as devidas lições. Vamos deixar que levem mais esse patrimônio público?

Marisa Stedile – diretora da FETEC/CUT PR e ex funcionária do BANESTADO.

Referências:

Cleofas Salviano Júnior, 2002, Bancos Públicos – dos problemas crônicos ao PROES www.fetecpr.org.br, 2011

CATV.com, 2013

Revista Carta Capital 874, 2015

www.auditoriacidada.org.br , 2014

www.vigilantesdagestao.org.br, 2015

Atlas da violência 2017

Agência de Notícias do Paraná, 2017

Foto tirada no dia da Privatização, quando funcionários se reuniram na Praça 19 de Dezembro esperando o resultado do leilão.

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