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Risco moral torna atual crise mais profunda e perigosa

Na avaliação do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, o que torna a atual crise no sistema financeiro global mais profunda e perigosa é o risco moral. “É a sensação de que, não importa o que se faça, não há perdas, pois, em caso de crise, os bancos centrais vão dar um jeito”, explica.

PORTO ALEGRE – A crise provocada pelo estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos é uma reprodução de crises que assolam o capitalismo desde o século XIX, a partir da criação de um sistema bancário e financeiro, articulado com grandes empresas. Os bancos deixaram de executar apenas a função de financiadores dos soberanos nacionais e passaram a se envolver diretamente com a economia. De lá para cá, essa autonomia da acumulação financeira e a progressiva valorização de capitais fictícios vêm gerando sucessivas crises. A avaliação é do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, que falou à Carta Maior sobre a natureza e a gravidade da mais recente crise do sistema financeiro global e sobre os seus possíveis desdobramentos para a economia brasileira. “Se vier uma recessão e, no plano interno, se mantiver a mesma política monetária, o Brasil cometerá um harakiri”, sustenta Belluzzo.

O economista lembra algumas das crises que já atingiram o capitalismo desde que surgiu essa articulação entre sistema financeiro e grandes empresas. Uma das mais famosas é a de 1929, quando o crash da Bolsa de Nova York engendrou um processo de repressão às movimentações financeiras. Nas últimas décadas, a crescente desregulamentação e o aumento vertiginoso da velocidade de integração dos mercados vieram acompanhados de sucessivas crises: a de 1974, em Londres; a longa depressão japonesa a partir de 1987; o ataque à libra 1992-1993; a crise do México, em 1994-1995; a crise da Ásia, em 1998; a crise do Brasil, em 1998-1999; a crise da Rússia, em 1998; a crise da Argentina, em 2002, e, agora, a crise imobiliária, nos EUA.. Nestes eventos, houve uma presença muito rápida dos bancos centrais para conter seus efeitos, ao contrário de outras crises, como a de 1929, quando houve muitas falências e quebras.

O risco moral da crise

O que tornou a crise atual mais profunda e perigosa, na visão de Belluzzo, é o risco moral que ela carrega. Que risco moral? É a sensação de que, não importa o que se faça, não há perdas, pois, em caso de crise, os bancos centrais vão dar um jeito. O economista lembra que cerca de 70% da população dos EUA foi atingida agora, direta ou indiretamente. Esse número inclui aqueles que tomaram crédito para comprar um imóvel e aqueles que usaram o próprio imóvel como um ativo especulativo para comprar algum outro bem.

Além do risco moral, portanto, há o problema do grande universo envolvido nessa crise, um universo que envolve famílias e agentes financeiros. O que ocorreu, diz ainda Belluzzo, é que, com o rebaixamento dos critérios de risco, os agentes financeiros começaram a caçar risco (compradores), oferecendo financiamento para serem pagos em 28 vezes com dois anos de carência.

O que permitiu isso, explica Belluzzo, é que os bancos juntavam esses créditos em um mesmo pacote e vendiam para fundos de pensão, fundos de investimentos. A partir dessas operações, emitiam outros papéis para os hedge funds (fundos altamente especulativos que operam em mercados futuros). Esses fundos já trouxeram lucros extraordinários para investidores internacionais como George Soros. E também estiveram no epicentro de outras crises, como ocorreu com o fundo norte-americano Long Term Capital Management, cuja gestão temerária – para dizer o mínimo – levou o banco central dos EUA, durante a crise russa de 1998, a criar um pool de banqueiros para evitar que o fundo quebrasse e aumentasse o pânico no mercado financeiro mundial.

Essa última operação envolvendo tais fundos, acrescenta o economista, comprometeu, em uma dimensão ainda desconhecida, todo o sistema bancário.

A dimensão global da crise atual, prossegue, é inegável. Bancos da Europa e do Japão compraram esses papéis. “O que me preocupa não são os cadáveres que estão boiando, mas sim os que ainda vão surgir”, diz Belluzzo para ilustrar o diagnóstico de que essa crise ainda vai levar algum tempo para mostrar sua real dimensão. A hipótese mais grave, segundo ele, é um crash de grandes proporções. Mas o risco mais concreto e visível é uma queda do consumo nos EUA, com potencial para afetar toda a economia mundial.

“É uma ilusão achar que a Ásia vai continuar crescendo se isso acontecer”, exemplifica. E para evitar que o pior aconteça, sustenta, os bancos centrais terão que intervir pesadamente, socorrendo não só os agentes financeiros mas também os devedores. Nesta quarta-feira, o Federal Reserve injetou mais US$ 5,2 bilhões no sistema bancário, para reforçar as reservas dos bancos comerciais e evitar a redução de liquidez. Desde 9 de agosto, o Fed já injetou US$ 137 bilhões para garantir a liquidez dos bancos.

A situação das famílias devedoras

Já para os pobres mortais devedores as notícias não são nada animadoras. A crise imobiliária aumentou em 60% o número de famílias despejadas nos EUA, segundo dados da consultoria imobiliária RealtyTrec. Somente entre janeiro e julho deste ano, as ações de despejo atingiram a marca de 1,1 milhão de imóveis. Em julho, esse número explodiu aumentando 93% em relação ao mesmo período do ano passado. Um total de 179.600 famílias inadimplentes foram expulsas de suas casas.

No auge da crise, durante uma coletiva de imprensa na Casa Branca, o presidente George W. Bush, culpou os devedores por terem firmado hipotecas sem saber o que estavam fazendo. Não disse uma palavra em relação às agências de crédito que sabiam que estavam oferecendo empréstimos a pessoas que, provavelmente não poderiam pagá-los. A solução disse Bush, seria um programa de alfabetização financeira para os consumidores. Por outro lado, Bush procurou “acalmar os mercados”, garantindo que o governo estava “injetando dinheiro suficiente” para que “os mercados fizessem suas correções”.

O que pode acontecer no Brasil

Quanto aos desdobramentos da crise para a economia brasileira, Belluzzo acredita que o país está mais protegido do que em crises anteriores, mas não está blindado. Por um lado, o Brasil acumulou reservas e a situação fiscal é quase irrelevante no atual contexto. Por outro, isso não é garantia de ausência de impactos negativos. Ele lembra que, na crise de 1998, cerca de R$ 70 bilhões evaporaram rapidamente. Além disso, tais desdobramentos dependem, em larga medida, da política monetária que o país vai adotar.

“Se a recessão vier, será preciso mudar a atual política monetária, baixando juros e fazendo controle de capitais”, defende. “É uma situação diferente da que ocorreu entre 1998 e 1999, mas o país não está blindado. Se reagir com rapidez, o Brasil pode até sair-se bem, mas se vier um quadro de recessão e a atual política monetária for mantida, o país a cometer harakiri”, conclui

Por Marco Aurélio Weissheimer – Carta Maior.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.cartamaior.com.br.

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