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Por 12:23 Notícias

NEM TODA MULHER É BUNDA

TEXTO DE RITA LEE
>
>Eu tinha 13 anos, em Fortaleza, quando ouvi gritos de pavor. Vinha da
>vizinhança, da casa de Bete, mocinha linda, que usava tranças.
>Levei apenas uma hora para saber o motivo. Bete fora acusada de não ser mais
>virgem e os irmãos a subjugavam em cima de sua estreita cama de solteira,
>para que o médico da família lhe enfiasse a mão enluvada entre as pernas e
>decretasse se tinha ou não o selo da honra. Como o lacre continuava lá, os
>pais respiraram, mas a Bete nunca mais foi à janela, nunca mais dançou nos
>bailes e acabou fugindo para o Piauí, ninguém sabe como, nem com quem.
>Eu tinha apenas 14 anos, quando Maria Lúcia tentou escapar, saltando o muro
>alto do quintal da sua casa para se encontrar com o namorado. Agarrada pelos
>cabelos e dominada, não conseguiu passar no exame ginecológico. O laudo
>médico registrou vestígios himenais dilacerados, e os pais internaram a
>pecadora no reformatório Bom Pastor, para se esquecer do mundo. Realmente
>esqueceu, morrendo tuberculosa.
>Estes episódios marcaram para sempre e a minha consciência e me fizeram
>perguntar que poder é esse que a família e os homens têm sobre o corpo das
>mulheres. Ontem, para mutilar, amordaçar, silenciar. Hoje, para manipular,
>moldar, escravizar aos estereótipos.
>Todos vimos, na televisão, modelos torturados por seguidas cirurgias
>plásticas.
>Transformaram seus seios em alegorias para entrar na moda da peitaria robusta
>das norte americanas. Entupiram as nádegas de silicone para se tornarem
>rebolativas e sensuais, garantindo bom sucesso nas passarelas do samba.
>Substituíram os narizes, desviaram costas, mudaram o traçado do dorso para se
>adaptarem à moda do momento e ficarem irresistíveis diante dos homens. E, com
>isso, Barbies de fancaria, provocaram em muitas outras mulheres ; as
>baixinhas, as gordas, as de óculos ; um sentimento de perda de auto-estima.
>Isso exatamente no momento em que a maioria de estudantes universitários
>(56%) é composta de moças. Em que mulheres se afirmam na magistratura, na
>pesquisa científica, na política, no jornalismo. E no momento em que as
>pioneiras do feminismo passam a defender a teoria de que é preciso
>feminilizar o mundo e torna-lo mais distante da barbárie mercantilista e
>mais próximo do humanismo.
>Por mim, acho que só as mulheres podem desarmar a sociedade. Até porque elas
>são desarmadas pela própria natureza. Nascem sem pênis, sem o poder fálico da
>penetração e do estupro, tão bem representado por pistolas, revólveres,
>flechas, espadas e punhais.
>Ninguém diz, de uma mulher, que ela é de espadas.
>Ninguém lhe dá, na primeira infância, um fuzil de plástico, como fazem os
>meninos, para fortalecer sua virilidade e violência. As mulheres detestam o
>sangue, até mesmo porque têm que derrama-lo na menstruação ou no parto.
>Odeiam as guerras, os exércitos regulares ou as gangues urbanas, porque lhes
>tiram os filhos de sua convivência e os colocam na marginalidade, na
>insegurança e na violência.
>É preciso voltar os olhos para a população feminina como a grande
>articuladora da paz. E para começar, queremos pregar o respeito ao corpo da
>mulher. Respeito às suas pernas que têm varizes porque carregam latas dágua
>e trouxas de roupa.
>Respeito aos seus seios que perderam a firmeza porque amamentaram seus filhos
>ao longo dos anos.
>Respeito ao seu dorso que engrossou, porque elas carregam o país nas costas.
>São as mulheres que imporão irão impor um adeus às armas, quando forem
>ouvidas e valorizadas e puderem fazer prevalecer à ternura de suas mentes e
>doçura de seus corações.Nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira
>é bunda.
>
>Rita Lee

Por 12:23 Sem categoria

NEM TODA MULHER É BUNDA

TEXTO DE RITA LEE
>
>Eu tinha 13 anos, em Fortaleza, quando ouvi gritos de pavor. Vinha da
>vizinhança, da casa de Bete, mocinha linda, que usava tranças.
>Levei apenas uma hora para saber o motivo. Bete fora acusada de não ser mais
>virgem e os irmãos a subjugavam em cima de sua estreita cama de solteira,
>para que o médico da família lhe enfiasse a mão enluvada entre as pernas e
>decretasse se tinha ou não o selo da honra. Como o lacre continuava lá, os
>pais respiraram, mas a Bete nunca mais foi à janela, nunca mais dançou nos
>bailes e acabou fugindo para o Piauí, ninguém sabe como, nem com quem.
>Eu tinha apenas 14 anos, quando Maria Lúcia tentou escapar, saltando o muro
>alto do quintal da sua casa para se encontrar com o namorado. Agarrada pelos
>cabelos e dominada, não conseguiu passar no exame ginecológico. O laudo
>médico registrou vestígios himenais dilacerados, e os pais internaram a
>pecadora no reformatório Bom Pastor, para se esquecer do mundo. Realmente
>esqueceu, morrendo tuberculosa.
>Estes episódios marcaram para sempre e a minha consciência e me fizeram
>perguntar que poder é esse que a família e os homens têm sobre o corpo das
>mulheres. Ontem, para mutilar, amordaçar, silenciar. Hoje, para manipular,
>moldar, escravizar aos estereótipos.
>Todos vimos, na televisão, modelos torturados por seguidas cirurgias
>plásticas.
>Transformaram seus seios em alegorias para entrar na moda da peitaria robusta
>das norte americanas. Entupiram as nádegas de silicone para se tornarem
>rebolativas e sensuais, garantindo bom sucesso nas passarelas do samba.
>Substituíram os narizes, desviaram costas, mudaram o traçado do dorso para se
>adaptarem à moda do momento e ficarem irresistíveis diante dos homens. E, com
>isso, Barbies de fancaria, provocaram em muitas outras mulheres ; as
>baixinhas, as gordas, as de óculos ; um sentimento de perda de auto-estima.
>Isso exatamente no momento em que a maioria de estudantes universitários
>(56%) é composta de moças. Em que mulheres se afirmam na magistratura, na
>pesquisa científica, na política, no jornalismo. E no momento em que as
>pioneiras do feminismo passam a defender a teoria de que é preciso
>feminilizar o mundo e torna-lo mais distante da barbárie mercantilista e
>mais próximo do humanismo.
>Por mim, acho que só as mulheres podem desarmar a sociedade. Até porque elas
>são desarmadas pela própria natureza. Nascem sem pênis, sem o poder fálico da
>penetração e do estupro, tão bem representado por pistolas, revólveres,
>flechas, espadas e punhais.
>Ninguém diz, de uma mulher, que ela é de espadas.
>Ninguém lhe dá, na primeira infância, um fuzil de plástico, como fazem os
>meninos, para fortalecer sua virilidade e violência. As mulheres detestam o
>sangue, até mesmo porque têm que derrama-lo na menstruação ou no parto.
>Odeiam as guerras, os exércitos regulares ou as gangues urbanas, porque lhes
>tiram os filhos de sua convivência e os colocam na marginalidade, na
>insegurança e na violência.
>É preciso voltar os olhos para a população feminina como a grande
>articuladora da paz. E para começar, queremos pregar o respeito ao corpo da
>mulher. Respeito às suas pernas que têm varizes porque carregam latas dágua
>e trouxas de roupa.
>Respeito aos seus seios que perderam a firmeza porque amamentaram seus filhos
>ao longo dos anos.
>Respeito ao seu dorso que engrossou, porque elas carregam o país nas costas.
>São as mulheres que imporão irão impor um adeus às armas, quando forem
>ouvidas e valorizadas e puderem fazer prevalecer à ternura de suas mentes e
>doçura de seus corações.Nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira
>é bunda.
>
>Rita Lee

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