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JUROS: OS COMPADRES (BANQUEIROS) SE DIVERTEM

Seeb SP (Revista dos Bancários)
A concorrência entre os bancos brasileiros é tão teatral que os estrangeiros não vieram para competir, mas para participar da farra. De cada 10 reais cobrados de juros, banqueiro embolsa no mínimo 4
Gerardo Lazzari
Por Christopher Langner
Daniela Michelon de Vargas não acompanha o noticiário econômico mas sabe bem o que significa taxa de juros. Não aquela definida pelo Conselho de Política Monetária (Copom) do Banco Central e que tem gerado tanta polêmica nos últimos tempos. Ela sabe quanto paga no cheque especial. Recentemente a dívida bateu em 2 mil reais. “Estou com dois empregos (produção de eventos e telemarketing) e não consigo melhorar a situação”, conta. O salário apenas cobre o déficit. Para a produtora, a palavra “juros” representa uma mordida de quase 150 reais por mês. A continuar como está, ao final do ano ela terá dado ao Bradesco 1.800 reais, quase um mês de trabalho. E a dívida dessa cidadã é apenas uma gota no mar de mais de 79 bilhões de reais que os brasileiros devem a bancos e financeiras atualmente.
Detentora de uma conta para classe média, Daniela paga 9,9% ao mês de juros sobre o especial. Se, em outra ponta, aplicasse num Fundo DI 90 dias, seria remunerada com um rendimento em torno de 1,5%. A diferença entre o quanto as instituições financeiras pagam pelo dinheiro que captam e o valor que cobram por ele chama-se spread.
Segundo o Banco Central do Brasil, no mês de maio, enquanto a taxa básica praticada pelo governo (Selic) era 26,5%, o spread bancário chegava, em média, a 177,6% ao ano. Os números gritantes chamaram a atenção, pasme, do FMI. Em 1º de junho, a economista do Fundo, Agnès Belaisch, publicou um trabalho com o sugestivo nome de Do Brazilian Banks Compete? (Os Bancos Brasileiros Competem?). Entre outras afirmações, a autora conclui que: “A hipótese (de que os bancos brasileiros não atuam de forma competitiva) é confirmada pela investigação empírica, que indica que os bancos brasileiros atuam como oligopólios”.
Mas não seria necessário ter doutorado em Harvard para perceber isso. Basta uma rápida olhada nos números. Hoje, os dez maiores bancos do país detêm três quartos dos ativos e quase 80% dos depósitos. E a sua participação de mercado cresceu mais de 15% em dez anos. E as perspectivas de que eles enfrentem a concorrência dos menores é remota. Aliás, o que acontece é o oposto. O grande nem pensa em concorrer com os pequenos: compra-os.
Em 1993, havia em torno de trezentos bancos comerciais no país. Agora, resta metade. Nos Estados Unidos, onde também há um forte processo de consolidação bancária, no mesmo período, o número de instituições caiu de 15 mil para 10 mil. Na Alemanha a redução foi de 5 mil para 3 mil. Com tanta competição, não admira que a taxa de juros cobrada das pessoas físicas nos EUA gire em torno de 45% ao ano, podendo chegar até a valores próximos a 5% ao ano, quando se trata de financiamento de imóveis e automóveis.
E o pior é que isso também afeta a vida dos bancários. De 1995 a 2001, o número de empregados dos 50 maiores bancos caiu de 550,7 mil para 484 mil. Na contramão, as mesmas instituições partiram de 14.458 agências, em 1995, para 16.625, seis anos depois. A quantidade média de funcionários por agência também caiu de 38 para 30. Ou seja, os bancários trabalham mais e enfrentam o risco do desemprego. Os lucros do banqueiro, logicamente, acompanharam. A rentabilidade sobre os ativos desses bancos saiu de uma relação de –0,03 para 1,18 (o que significa que, ao final do ano fiscal o banco ganhou R$ 1,18 para cada real em ativos fixos). O retorno é dez vezes maior do que o obtido pelos bancos do Japão.
Oligopólios
“Para saber se os bancos brasileiros utilizam práticas de cartel é preciso avaliar se o lucro deles é normal ou extraordinário. Mas não há provas de que os bancos combinem taxas”, define Juarez Rizzieri, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP. Cauteloso, Rizzieri prefere não afirmar categoricamente que as instituições financeiras no Brasil aproximam-se de um truste.
E o mais grave é que quem fiscaliza tudo no sistema financeiro é o Banco Central; nem na parte que toca o bolso dos consumidores o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pode dar seus pitacos. Responsável por fazer valer a lei anti-truste, o Cade julga se as empresas de determinado setor estão combinando os preços ou se uma única companhia está com poder de mercado excessivo, que lhe permitiria fixar preços. O conselho atuou, por exemplo, contra a Gessy-Lever, obrigando-a a tirar de circulação sua marca mais forte de pasta dental pois a indústria química já detinha quase 90% desse mercado.
“O governo precisaria intervir mais. Quando se vê quebradeira geral, o número de pessoas endividadas aumentando demais, é sinal de que está na hora de botar a mão”, afirma José Estevão de Oliveira, professor de produtos bancários do curso de MBA da universidade Faap. Ele foi bancário durante trinta anos, atuou na diretoria de desenvolvimento do Safra e recentemente publicou um trabalho intitulado Um Estudo Sobre o Preço do Dinheiro e o Spread Bancário.
Como se sabe, o Banco Central tem feito pouco para combater a convergência das taxas de juros cobradas pelas instituições – mesmo depois que um estudo de 1998 do economista da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica, Márcio Nakane, revelou que havia indícios de práticas oligopolistas entre os bancos. Desde então, o BC no máximo acompanha o spread e publica anualmente um relatório do indicador no Brasil. “Quanto mais o mercado se concentra, mais o oligopólio funciona. Não precisa combinar os preços, todo mundo caminha junto e pronto”, explica Oliveira.
O professor da Faap, que ainda trabalhava em banco quando começaram a chegar ao Brasil novos bancos estrangeiros, conta que houve um temor geral, na época, de que HSBC e Santander – acostumados a um ambiente altamente competitivo na Europa – derrubassem as taxas. Não foi o que aconteceu. “Eles se acomodaram também. Se há enorme demanda por crédito podem cobrar o que quiserem.” E desde o Plano Real, a participação dos grandes bancos mundiais aumentou sem que isso tenha se traduzido, como se ouviu muito durante o governo FHC, em aumento da competição. O estudo de Bèlaisch, do FMI, aponta a razão disso: “Bancos estrangeiros estão tomando enorme espaço no mercado comprando outras instituições em lugar de abrir novas.” E continua: “A crescente participação estrangeira em anos recentes não modificou dramaticamente o modus operandi do sistema bancário.” Ou melhor, em lugar de aumentar a competição, eles apenas se unem aos bancos brasileiros na busca do dinheiro fácil.
Capitalismo sem risco
“Há três bons negócios no Brasil: possuir um banco bem administrado, ser dono de um banco medianamente administrado e ter um banco mal administrado”, ironiza Oliveira. Ele afirma que o spread bancário, ao contrário do que afirmam as instituições, não resulta do risco de calote. “O nível de inadimplência não é alto, considerando-se o preço do dinheiro. Os bancos não podem utilizar esse argumento”, reforça Oliveira. Segundo o acadêmico, a taxa cobrada paga, de longe, o risco corrido pelos bancos. Ele calcula que, com um spread de 12% ao ano e uma análise de crédito um pouco mais austera, um banco comercial médio já ficaria no azul. Mas não há interesse em baixar essas taxas. “A disputa entre os bancos no Brasil é apenas no marketing”, ataca. Para mostrar como poderia ser o mercado de crédito à pessoa física, se houvessem mais bancos no país e se eles, de fato, competissem, Oliveira utiliza o exemplo do financiamento de automóveis. Nesse caso, a interferência dos bancos das montadoras, oferecendo crédito barato, obrigou os bancos comerciais a reduzirem para até 8% ao ano os juros. “Há o fato de que o carro é a garantia de recebimento do empréstimo, mas o veículo é um bem que deprecia rápido, portanto a recuperação do crédito não é integral.”
Contudo, a concentração de três quartos do mercado nas mãos de dez bancos não é a única razão de o spread estar tão alto. “O governo é o maior tomador de crédito do país e sobra pouco para a iniciativa privada e para as pessoas físicas”, explica Rizzieri. Com alto índice de endividamento, o governo emite títulos que remuneram os investidores de acordo com a taxa básica de juros para pagar suas contas e financiar investimentos. Isso é normal. Todos os países fazem. O problema é que, no Brasil, as taxas oferecidas pelo governo são mais altas do que qualquer outro investimento de baixo risco. E, em geral, considera-se que títulos do governo são a aplicação menos arriscada de qualquer mercado.
Rizzieri explica que, com uma remuneração tão alta a risco tão baixo disponível, não interessa aos bancos emprestar para as pessoas físicas. Além disso, há uma enorme carga tributária associada a toda operação de crédito. Além do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) e da CPMF, incorrem uma série de impostos indiretos que chegam a representar um terço do spread total cobrado pelos bancos. Segundo o Banco Central, em agosto de 2002, dos 2,77 pontos percentuais de spread mensal médio cobrado nos empréstimos, 0,79 pontos referiam-se a impostos. Por outro lado, a margem líquida do banco representava 1,11 ponto percentual. Ou seja, pelo menos 40% do spread é ganho limpinho do banqueiro.
Saída federal
A solução parece óbvia: é preciso criar um ambiente competitivo no mercado de crédito. “Só cai se aumentar a concorrência”, afirma Rizzieri. Para isso, aponta Oliveira, há diversas maneiras, desde a criação de cooperativas de microcrédito até o estímulo à abertura de novos bancos. “Essa última alternativa, no entanto, não parece ter muito efeito pois, no fim, as novas instituições também iriam se adequar aos preços cobrados pelas grandes.” Ele sugere que se os bancos federais derrubassem suas taxas para metade poderiam injetar 250 milhões de reais na economia por mês e o efeito seria imediato.
Não se pode negar que o conservadorismo macroeconômico do governo para afugentar a inflação e manter a credibilidade junto aos “investidores” atrapalha. Todo mundo sabe, dos assentados do MST aos economistas do FMI, que ou o crédito fica mais barato, ou o espetáculo do crescimento nunca vai começar.
Para a economista Ana Carolina Tosetti, da subseção do Dieese no Sindicato, a taxa abusiva cobrada pelos bancos é favorecida pelo ambiente oligopolizado do sistema bancário. Porém, a taxa Selic estipulada pelo governo, embora não possa ser totalmente responsabilizada por essa conduta dos bancos, tem sua importância. “A pouca disponibilidade faz com que o custo do dinheiro aumente, e todos praticam altas taxas sem risco de concorrência. Na medida em que a Selic cai, desarma a atuação cartelizada. O aumento da oferta força a concorrência e, por conseqüência, leva a uma queda mais significativa dos juros”, analisa.
Mas a festa dos banqueiros também precisa de um tempero chamado responsabilidade social – não apenas aquela de fachada, que troca iniciativas pontuais por isenção fiscal, mas aquela que estimule a produção e o consumo em escalas mais generosas. O problema é convencer o clube dos compadres.

Por 14:54 Sem categoria

JUROS: OS COMPADRES (BANQUEIROS) SE DIVERTEM

Seeb SP (Revista dos Bancários)

A concorrência entre os bancos brasileiros é tão teatral que os estrangeiros não vieram para competir, mas para participar da farra. De cada 10 reais cobrados de juros, banqueiro embolsa no mínimo 4
Gerardo Lazzari

Por Christopher Langner

Daniela Michelon de Vargas não acompanha o noticiário econômico mas sabe bem o que significa taxa de juros. Não aquela definida pelo Conselho de Política Monetária (Copom) do Banco Central e que tem gerado tanta polêmica nos últimos tempos. Ela sabe quanto paga no cheque especial. Recentemente a dívida bateu em 2 mil reais. “Estou com dois empregos (produção de eventos e telemarketing) e não consigo melhorar a situação”, conta. O salário apenas cobre o déficit. Para a produtora, a palavra “juros” representa uma mordida de quase 150 reais por mês. A continuar como está, ao final do ano ela terá dado ao Bradesco 1.800 reais, quase um mês de trabalho. E a dívida dessa cidadã é apenas uma gota no mar de mais de 79 bilhões de reais que os brasileiros devem a bancos e financeiras atualmente.

Detentora de uma conta para classe média, Daniela paga 9,9% ao mês de juros sobre o especial. Se, em outra ponta, aplicasse num Fundo DI 90 dias, seria remunerada com um rendimento em torno de 1,5%. A diferença entre o quanto as instituições financeiras pagam pelo dinheiro que captam e o valor que cobram por ele chama-se spread.

Segundo o Banco Central do Brasil, no mês de maio, enquanto a taxa básica praticada pelo governo (Selic) era 26,5%, o spread bancário chegava, em média, a 177,6% ao ano. Os números gritantes chamaram a atenção, pasme, do FMI. Em 1º de junho, a economista do Fundo, Agnès Belaisch, publicou um trabalho com o sugestivo nome de Do Brazilian Banks Compete? (Os Bancos Brasileiros Competem?). Entre outras afirmações, a autora conclui que: “A hipótese (de que os bancos brasileiros não atuam de forma competitiva) é confirmada pela investigação empírica, que indica que os bancos brasileiros atuam como oligopólios”.

Mas não seria necessário ter doutorado em Harvard para perceber isso. Basta uma rápida olhada nos números. Hoje, os dez maiores bancos do país detêm três quartos dos ativos e quase 80% dos depósitos. E a sua participação de mercado cresceu mais de 15% em dez anos. E as perspectivas de que eles enfrentem a concorrência dos menores é remota. Aliás, o que acontece é o oposto. O grande nem pensa em concorrer com os pequenos: compra-os.

Em 1993, havia em torno de trezentos bancos comerciais no país. Agora, resta metade. Nos Estados Unidos, onde também há um forte processo de consolidação bancária, no mesmo período, o número de instituições caiu de 15 mil para 10 mil. Na Alemanha a redução foi de 5 mil para 3 mil. Com tanta competição, não admira que a taxa de juros cobrada das pessoas físicas nos EUA gire em torno de 45% ao ano, podendo chegar até a valores próximos a 5% ao ano, quando se trata de financiamento de imóveis e automóveis.

E o pior é que isso também afeta a vida dos bancários. De 1995 a 2001, o número de empregados dos 50 maiores bancos caiu de 550,7 mil para 484 mil. Na contramão, as mesmas instituições partiram de 14.458 agências, em 1995, para 16.625, seis anos depois. A quantidade média de funcionários por agência também caiu de 38 para 30. Ou seja, os bancários trabalham mais e enfrentam o risco do desemprego. Os lucros do banqueiro, logicamente, acompanharam. A rentabilidade sobre os ativos desses bancos saiu de uma relação de –0,03 para 1,18 (o que significa que, ao final do ano fiscal o banco ganhou R$ 1,18 para cada real em ativos fixos). O retorno é dez vezes maior do que o obtido pelos bancos do Japão.

Oligopólios

“Para saber se os bancos brasileiros utilizam práticas de cartel é preciso avaliar se o lucro deles é normal ou extraordinário. Mas não há provas de que os bancos combinem taxas”, define Juarez Rizzieri, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP. Cauteloso, Rizzieri prefere não afirmar categoricamente que as instituições financeiras no Brasil aproximam-se de um truste.

E o mais grave é que quem fiscaliza tudo no sistema financeiro é o Banco Central; nem na parte que toca o bolso dos consumidores o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pode dar seus pitacos. Responsável por fazer valer a lei anti-truste, o Cade julga se as empresas de determinado setor estão combinando os preços ou se uma única companhia está com poder de mercado excessivo, que lhe permitiria fixar preços. O conselho atuou, por exemplo, contra a Gessy-Lever, obrigando-a a tirar de circulação sua marca mais forte de pasta dental pois a indústria química já detinha quase 90% desse mercado.

“O governo precisaria intervir mais. Quando se vê quebradeira geral, o número de pessoas endividadas aumentando demais, é sinal de que está na hora de botar a mão”, afirma José Estevão de Oliveira, professor de produtos bancários do curso de MBA da universidade Faap. Ele foi bancário durante trinta anos, atuou na diretoria de desenvolvimento do Safra e recentemente publicou um trabalho intitulado Um Estudo Sobre o Preço do Dinheiro e o Spread Bancário.

Como se sabe, o Banco Central tem feito pouco para combater a convergência das taxas de juros cobradas pelas instituições – mesmo depois que um estudo de 1998 do economista da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica, Márcio Nakane, revelou que havia indícios de práticas oligopolistas entre os bancos. Desde então, o BC no máximo acompanha o spread e publica anualmente um relatório do indicador no Brasil. “Quanto mais o mercado se concentra, mais o oligopólio funciona. Não precisa combinar os preços, todo mundo caminha junto e pronto”, explica Oliveira.

O professor da Faap, que ainda trabalhava em banco quando começaram a chegar ao Brasil novos bancos estrangeiros, conta que houve um temor geral, na época, de que HSBC e Santander – acostumados a um ambiente altamente competitivo na Europa – derrubassem as taxas. Não foi o que aconteceu. “Eles se acomodaram também. Se há enorme demanda por crédito podem cobrar o que quiserem.” E desde o Plano Real, a participação dos grandes bancos mundiais aumentou sem que isso tenha se traduzido, como se ouviu muito durante o governo FHC, em aumento da competição. O estudo de Bèlaisch, do FMI, aponta a razão disso: “Bancos estrangeiros estão tomando enorme espaço no mercado comprando outras instituições em lugar de abrir novas.” E continua: “A crescente participação estrangeira em anos recentes não modificou dramaticamente o modus operandi do sistema bancário.” Ou melhor, em lugar de aumentar a competição, eles apenas se unem aos bancos brasileiros na busca do dinheiro fácil.

Capitalismo sem risco

“Há três bons negócios no Brasil: possuir um banco bem administrado, ser dono de um banco medianamente administrado e ter um banco mal administrado”, ironiza Oliveira. Ele afirma que o spread bancário, ao contrário do que afirmam as instituições, não resulta do risco de calote. “O nível de inadimplência não é alto, considerando-se o preço do dinheiro. Os bancos não podem utilizar esse argumento”, reforça Oliveira. Segundo o acadêmico, a taxa cobrada paga, de longe, o risco corrido pelos bancos. Ele calcula que, com um spread de 12% ao ano e uma análise de crédito um pouco mais austera, um banco comercial médio já ficaria no azul. Mas não há interesse em baixar essas taxas. “A disputa entre os bancos no Brasil é apenas no marketing”, ataca. Para mostrar como poderia ser o mercado de crédito à pessoa física, se houvessem mais bancos no país e se eles, de fato, competissem, Oliveira utiliza o exemplo do financiamento de automóveis. Nesse caso, a interferência dos bancos das montadoras, oferecendo crédito barato, obrigou os bancos comerciais a reduzirem para até 8% ao ano os juros. “Há o fato de que o carro é a garantia de recebimento do empréstimo, mas o veículo é um bem que deprecia rápido, portanto a recuperação do crédito não é integral.”

Contudo, a concentração de três quartos do mercado nas mãos de dez bancos não é a única razão de o spread estar tão alto. “O governo é o maior tomador de crédito do país e sobra pouco para a iniciativa privada e para as pessoas físicas”, explica Rizzieri. Com alto índice de endividamento, o governo emite títulos que remuneram os investidores de acordo com a taxa básica de juros para pagar suas contas e financiar investimentos. Isso é normal. Todos os países fazem. O problema é que, no Brasil, as taxas oferecidas pelo governo são mais altas do que qualquer outro investimento de baixo risco. E, em geral, considera-se que títulos do governo são a aplicação menos arriscada de qualquer mercado.

Rizzieri explica que, com uma remuneração tão alta a risco tão baixo disponível, não interessa aos bancos emprestar para as pessoas físicas. Além disso, há uma enorme carga tributária associada a toda operação de crédito. Além do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) e da CPMF, incorrem uma série de impostos indiretos que chegam a representar um terço do spread total cobrado pelos bancos. Segundo o Banco Central, em agosto de 2002, dos 2,77 pontos percentuais de spread mensal médio cobrado nos empréstimos, 0,79 pontos referiam-se a impostos. Por outro lado, a margem líquida do banco representava 1,11 ponto percentual. Ou seja, pelo menos 40% do spread é ganho limpinho do banqueiro.

Saída federal

A solução parece óbvia: é preciso criar um ambiente competitivo no mercado de crédito. “Só cai se aumentar a concorrência”, afirma Rizzieri. Para isso, aponta Oliveira, há diversas maneiras, desde a criação de cooperativas de microcrédito até o estímulo à abertura de novos bancos. “Essa última alternativa, no entanto, não parece ter muito efeito pois, no fim, as novas instituições também iriam se adequar aos preços cobrados pelas grandes.” Ele sugere que se os bancos federais derrubassem suas taxas para metade poderiam injetar 250 milhões de reais na economia por mês e o efeito seria imediato.

Não se pode negar que o conservadorismo macroeconômico do governo para afugentar a inflação e manter a credibilidade junto aos “investidores” atrapalha. Todo mundo sabe, dos assentados do MST aos economistas do FMI, que ou o crédito fica mais barato, ou o espetáculo do crescimento nunca vai começar.

Para a economista Ana Carolina Tosetti, da subseção do Dieese no Sindicato, a taxa abusiva cobrada pelos bancos é favorecida pelo ambiente oligopolizado do sistema bancário. Porém, a taxa Selic estipulada pelo governo, embora não possa ser totalmente responsabilizada por essa conduta dos bancos, tem sua importância. “A pouca disponibilidade faz com que o custo do dinheiro aumente, e todos praticam altas taxas sem risco de concorrência. Na medida em que a Selic cai, desarma a atuação cartelizada. O aumento da oferta força a concorrência e, por conseqüência, leva a uma queda mais significativa dos juros”, analisa.

Mas a festa dos banqueiros também precisa de um tempero chamado responsabilidade social – não apenas aquela de fachada, que troca iniciativas pontuais por isenção fiscal, mas aquela que estimule a produção e o consumo em escalas mais generosas. O problema é convencer o clube dos compadres.

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