Adital
1. Globalizando as lutas africanas
Pela primeira vez, o Fórum Social Mundial, na versão unificada, realizou-se em território africano, em um país pobre da África subsahariana. Segundo a declaração da Assembléia dos Movimentos Sociais presentes ao Fórum, o objetivo maior foi “evidenciar e celebrar a África e seus movimentos sociais; a África e sua contínua história de lutas contra a dominação estrangeira, colonialismo e neo-colonialismo; a África e sua contribuição para a humanidade; a África e seu papel na busca por um outro mundo”. O Quênia, com seus 35 milhões de habitantes, 580 mil km² e 371 dólares de renda per capita, ocupa o 152° lugar na escala do índice de desenvolvimento humano (IDH); 56% da população vive com menos de um dólar de renda ao dia. O que mais se vê nas grandes favelas de Nairobi, não é pobreza, mas miséria e abandono, contrastando com o luxo de bairros de classe alta e de Clubes de Golf. As conseqüências de antigos e novos colonialismos se somam aos efeitos da corrupção de ditaduras locais, como foi a de Daniel ARAP MOI (1978-2002). O atual Presidente, Kibaki, da nação dos kikuio, tenta combater a corrupção, com pouco sucesso. O Quênia, como tantos países da África, é multi-cultural, contando com 42 grupos tribais e lingüísticos. Além do inglês e de sua língua tribal, os quenianos falam o swahili, língua comum a todo leste africano.
O país se caracteriza também pela multiplicidade de crenças e religiões: protestantes (45%), católicos (23%), muçulmanos (18%) e religiões tradicionais (10%). Havia muitos sinais da presença dessas religiões nos espaços do FSM, uma presença ligada à militância social. Quênia foi colônia inglesa até 1964. Hoje a influência da China ameaça o predomínio econômico europeu. Em 2006, Quênia assinou um contrato de exploração do petróleo com os chineses. Os novos laços de dependência se manifestaram até no Fórum: o Dalai Lama, líder do Tibet, convidado ao FSM, teve negado seu visto de ingresso no país por pressão da China.
A escolha de Nairobi para sediar o FSM foi um ato de coragem da coordenação mundial, que acabou dando certo, apesar das limitações ocasionados por problemas logísticos e pela falta de experiência. As atividades do evento se realizaram no Complexo Esportivo de Kasarani, distante 15 km do Parque Central, lugar das cerimônias de abertura e conclusão. As cabines e as arquibancadas do grande estádio foram adaptadas, com o uso de lonas, resultando em salas de 50 a 300 lugares. A redor do estádio havia um amplo corredor, ladeado por centenas de tendas, ocupadas por ONGs, movimentos e organizações. Outra área, com tendas de até mil lugares, destinava-se às atividades co-geridas, em forma de conferências e mesas de debates. Era o único espaço aberto à população local, de livre acesso. Ainda assim, essas tendas em geral andavam vazias. Lá assisti a conferência sobre “Comércio Justo para um Mundo Justo”, com Walden Bello (Filipinas), Vadana Shiva (Índia), Osvaldo Martinez (Cuba) e Marcos Arruda (Brasil). Apesar dos nomes famosos, os participantes não passaram de 150. Os espaços haviam sido previstos 100.000 participantes esperados, mas na realidade inscreveram-se 46.000. Mesmo assim, uma multidão. O Ginásio de esportes, anexo, foi transformado em espaço cultural. Junto ao ginásio, havia salas de vídeo e cinema. Logo na entrada, o Espaço Brasil, uma tenda patrocinada pela Petrobrás, lugar de encontro da delegação brasileira (em torno de 440), espaço de acolhida de visitantes e de exibição de materiais. Uma decepção foi a ausência de Lula, que dessa vez preferiu ir só ao Fórum Econômico de Davos.
2. Os vários fóruns: um mosaico de contrastes
Na verdade, o que se viu foram três fóruns acontecendo simultaneamente. O primeiro foi o oficial, com 1218 atividades programadas, entre seminários, oficinas e debates. Foi o Fórum de intelectuais, militantes e ativistas. Predominaram os próprios africanos, mas foi destacada também a presença de delegações da Europa (italianos, franceses, espanhóis, alemães…), da Ásia e da América.
Um segundo fórum aconteceu na avenida que circundava o estádio, numa variedade de cores, costumes, línguas e reivindicações. Grupos carregando banners, marchando ao som ritmado de tambores, grupos de arte e dança, escandindo palavras de ordem. Entidades de direitos humanos protestando contra a guerra na Somália e a matança em Darfur, adolescentes com faixas condenando casamentos forçados e mutilações genitais de mulheres (uma prática ainda largamente difundida na África). Esse “fórum alternativo”, freqüentado sobretudo por quenianos, foi aumentando, à medida que o organização do Fórum facilitou o acesso, reduzindo a taxa de inscrição. Nos primeiros dias houve protestos contra o alto custo da inscrição para os africanos (500 Shillings quenianos, correspondentes a sete dólares americanos, enquanto europeus e norte-americanos pagavam 120 dólares). A taxa foi depois reduzida a um dólar e no último dia houve liberação, o que serviu para a entrada, sobretudo, de vendedores de artesanato. O custo da alimentação era alto. Um almoço custava em média 6 dólares por pessoa. Um grupo de jovens de uma organização juvenil (Progressive Youth Organization), invadiu a cozinha montada pelo restaurante do Clube de Golf Windsor (pertencente ao Ministro de Assuntos Internos, acusado de ter sido colaborador do regime colonial inglês) e limpou as panelas, retirando-se em seguida, ante os olhares assustados dos hóspedes e a impotência do gerente. O Acampamento da Juventude ficou praticamente vazio. O preço cobrado por pessoa e dia (US$ 10,-) terá sido um dos motivos.
Um terceiro Fórum foi organizado pelo grupo Peoples Parliament (Parlamento dos povos), no Jeewanjee Garden, no centro de Nairobi. Foi chamado de Fórum Social dos Pobres, uma versão local do Fórum oficial. Segundo notícia de um jornal local, durante três dias esse Fórum tratou dos temas de moradia, saúde e água em favelas (slums) de Nairobi.
O povo de dentro do FSM, ligado à luta por um comércio justo, levou seu protesto para as ruas da cidade. Um grupo de ativistas cercou a sede da representação da União Européia (situada no bairro luxuoso de Upper Hills), protestando contra os acordos comerciais (Economic Partnership Agreements), que, segundo eles, estão provocando a marginalização da agricultura africana, estabelecendo novas formas de colonialismo. Os acordos são feitos entre os 25 países da UE e 39 países pobres da África. Os manifestantes entregaram um documento com suas reivindicações ao chefe da delegação da UE.
O FSM enriqueceu-se com a realização de dezenas de eventos prévios ou simultâneos ao programa oficial. O Fórum Mundial de Teologia e Libertação realizou-se de 16 a 20.1.07, com a presença de uns 250 teólogos e outros interessados, com forte presença de evangélicos. Na abertura falou François Houtart, Na conclusão Desmond Tutu deu um depoimento impressionante. Entre os presentes também Jon Sobrino e Sérgio Torres. O Fórum Mundial dos Parlamentares (com representação do Brasil) reuniu-se no dia 24.01. Coordenado por Paul-Emile Dupret, um parlamentar alemão, assumiu a luta pelo perdão da dívida, criticou os altos salários que os parlamentares se concedem em muitos países e atacou a criminalização das migrações dos africanos para a Europa. Realizou-se também o Fórum das Autoridades Locais, o da Educação e o da Saúde. Nos dias que antecederam ao Fórum, participei de um seminário da Articulação dos Centros Sociais Jesuítas da África e do resto do mundo, com 151 participantes, que se reuniu durante três dias no Hekima College (Faculdade de Teologia). A missa de encerramento desse encontro, presidida pelo Arcebispo de Nairobi, D. Ndingi Mwana a´Nzevi, foi celebrada em inglês e swahili, língua regional comum. Os temas desse seminário, propostos pelos centros sociais africanos: refugiados e migrantes, HIV-AIDS, guerra e paz, governabilidade e combate à corrupção, dívida e desenvolvimento sustentável. Os resultados dos debates foram apresentados em um seminário durante o FSM.
3. Os grandes temas em discussão
Uma grande Marcha pela Paz marcou a abertura do Fórum de Nairobi. A marcha saiu da favela de Kibera, a maior favela da África e percorreu sete km até o Parque Central UHURU, onde o brasileiro Chico Whitaker, um dos fundadores do Fórum, declarou aberto o 7º FSM. Kibera simboliza o abandono e a pobreza em que vive grande parte da população da África. Nunca vi tanta miséria em um só lugar: uma população de 800.000 habitantes (a metade infectada do vírus da HIV) vegeta em choupanas apinhadas, com esgoto ao céu aberto, sem água, sem ruas e sem serviços públicos de qualquer natureza (pasmem: não existe sequer uma escola pública nem posto de saúde em Kibera! Eventual assistência é dada por ONGs). Kennet Kaunda, ex-Presidente de Tanzânia, figura emblemática da luta anti-colonial, em seu discurso, referiu-se à miséria de milhões de africanos. Acusou os estados ricos do mundo de levarem adiante políticas que aumentaram a miséria do terceiro mundo. Whitaker lembrou os objetivos dos Fóruns, desde seu início em Porto Alegre, em 2001: justiça social, solidariedade entre os povos, igualdade de raça e gênero, paz e defesa do meio ambiente. “Sabemos o mundo que queremos: um mundo sem dominações, mas de respeito; um mundo sem dívidas como fator de dominação” (Jornal do FSM TERRAVIVA, edição de 22-01-2007).
Os temas que movimentaram esse Fórum tinham um rosto antes de tudo africano, com projeção global: guerra e paz, água, segurança alimentar, HIV/AIDS, habitação, direitos humanos, dignidade da mulher, trabalho, comércio justo, economia solidária, migrações, dívida, entre muitos outros. O lema desse Fórum foi “lutas do povo, alternativas do povo”. Nessa edição do Fórum, acompanhei mais de perto a temática da água, que foi abordado em aproximadamente 20 eventos. No primeiro dia, participei do debate sobre o caso da privatização da água na Tanzânia. Em 2003, um consórcio liderado pela Biwater da Grã-Bretanha assumiu os serviços de água da cidade de Dar Es Salaam, num contrato de dez anos. Tanzânia foi pressionada pela FMI a realizar essa privatização, como parte do programa de ajustamentos estruturais. Depois de dois anos, devido aos péssimos serviços prestados pela firma e ao não cumprimento de cláusulas contratuais, pressionado pelos consumidores, o governo de Tanzânia rompeu o contrato. A Biwater entrou na Alta Corte Britânica com processo contra a Tanzânia, exigindo elevada indenização por danos e lucros cessantes. Kibamba, coordenadora da Coalizão de Mulheres de Tanzânia, uma das relatoras do caso, apontou como uma das causas do desastre o fato que “não houve consulta à população sobre esse assunto tão importante…”. Há suspeitas de corrupção de funcionários do governo da Tanzânia. Os militantes daquele país lutam contra outras propostas de privatização. Casos semelhantes se repetem pelo mundo afora, e, o que é pior, o FMI persiste em suas política de privatização. Outros eventos enfocaram o tema da água: promoção do direito humano à água, no contexto da segurança alimentar (pela Rede Ecumênica da Água), ameaças à água, do Blue Planet Project – Projeto Planeta Azul e Rede Africana de Rios: transparência nos grandes projetos de desenvolvimento. Esse é um pequeno recorte de 250 iniciativas diárias que disputavam a atenção dos delegados ao Fórum.
Cito outras iniciativas que suscitaram muito interesse, como o Jubileu Sul. “Troca da dívida por educação: uma notícia boa ou má?”; da CIDSE (articulação de entidades de cooperação internacional), “extração de óleo, de minérios e de madeira – e seu impacto sobre o desenvolvimento”, com denúncias de graves e freqüentes lesões aos direitos humanos das populações atingidas pelas mineradoras; esse seminário que contou com a presença da relatora de direitos humanos da ONU, Mary Robinson; do IBASE: “Experiências de democracia participativa do Brasil”. A delegação do Brasil, de 400 pessoas, foi uma das mais numerosas entre as não-africanas. A delegação oficial do Brasil foi coordenada pelo Ministro Luis Dulci, incluindo a Ministra Matilde Ribeiro e Paulo Singer. Apresentaram-se experiências na área de segurança alimentar, políticas públicas de combate à pobreza, sobre economia solidária, promoção da mulher e da igualdade racial, com boa participação.
A situação política da América Latina e sua tendência à esquerda também foi foco de debate. Uma mesa abordou “o pensamento crítico na luta social na América” Latina, com intervenções de Emanuel Wallerstein, Boaventura de Souza Santos e João Paulo Rodrigues (do MST). Em Nairobi fortaleceram-se articulações nascidas em Fóruns anteriores. Uma rede da Ásia do Sudeste (SAPI, da Índia e vizinhos), nascida no Fórum de Mumbai, reúne hoje 250 entidades, que assumem a luta dos mais pobres e excluídos, os “impuros” (dalits) e “tribais” (adivasi) da Índia e minorias do Paquistão e de Sri Lanka. Num seminário apresentou um debate sobre as relações entre globalização neoliberal e marginalização.
Uma lacuna preocupante nesse Fórum foi a quase ausência de debate sobre os desafios ecológicos e as mudanças climáticas, que marcam de forma dramáticas o território africano.
4. Frentes de luta e agendas comuns
Uma novidade do FSM de Nairobi foi a definição de 21 temas ou frentes de luta, que ajudaram a aglutinar a militância em torno a objetivos comuns, no último dia do Fórum (24.1), com definição de agendas unificadas de luta. Várias frentes já estavam articuladas em Fóruns anteriores. Os movimentos sociais, por exemplo, vêm realizando suas assembléias por ocasião do FSM desde as primeiras edições. Houve dificuldades em obter um lugar para se reunirem. Na sua declaração conjunta criticaram o caráter excludente do FSM, sua “militarização, capitalização e privatização”. Referiam-se a certos patrocínios como da empresa de telefonia Celtel, que contribuiu para o financiamento do evento, e que em troca obtiveram espaços de publicidade no campus do Fórum, bem como à presença do restaurante do Clube de Golf Windsor. Em 2007, definiram-se manifestações para 19 de março (4º aniversário da invasão do Iraque) e 8 de junho (reunião do G8 em Rostock, Alemanha). Para 2008, prevê-se uma mobilização mundial.
Mais importante, a meu ver, foi a decisão, tomada por entidades de África, de criar a Rede Africana da Água (African Water Network), liderada por uma organização de Ghana, coordenada por Al Hassan Adam. A rede definiu ações conjuntas em torno a cinco princípios irrenunciáveis: 1) lutar contra a privatização da água, sob qualquer forma; 2) manter o controle público e participativo na administração da água; 3) opor-se a todas as formas de pré-pagamento da água; 4) assegurar inclusão do direito humano à água nas constituições dos países; 5) assegurar a gestão da água como um projeto nacional de domínio público.
A luta contra a dívida se articulou e fortaleceu. Uma grande assembléia, reunindo representantes de mais de 50 organizações, redes e movimentos globais e nacionais que lutam contra a dominação através da dívida, decidiu aprovar uma Declaração e Chamada à Ação, que inclui entre outras a proposta de realizar uma Semana Global de Ação contra a Dívida, de 14 a 21 de outubro de 2007. A luta dos ativistas da Noruega foi apresentada como um exemplo a ser seguido. Esses conseguiram convencer o governo daquele país a tornar-se o primeiro credor a anular dívidas externas em base ao reconhecimento da irresponsabilidade de suas próprias práticas creditícias. Ressaltam também a realização de auditorias oficiais da dívida no Equador e em outros países. São unânimes na afirmação de que o Norte tem uma dívida com o Sul, em razão do “sofrimento humano causado pela exploração colonial e atual dos países do Sul, pelo desequilíbrio do poder político e pela devastação ecológica infligida ao Sul pelos interesses comerciais, por governos e instituições financeiras do Norte”.
Uma articulação que buscou fortalecer-se em Nairobi é o Movimento Global a favor da Reforma das Instituições Internacionais. A luta é pela refundação de organismos como o FMI e o Banco Mundial, tendo em vista sua democratização. Uma instância a criar seria um parlamento mundial (proposto pelo representante do Brasil). Faltaram propostas mais concretas sobre o modo de aumentar a pressão sobre os governos cobrando essas reformas.
Houve avanços significativos nas articulações em outros setores (direitos humanos, moradia, saúde, segurança alimentar, luta pela paz) com agendas que foram expostas num grande painel, a entrada do complexo esportivo.
Uma das boas surpresas desse FSM foi a presença maciça de organizações de caráter religioso, da Igreja Católica, de Igrejas Evangélicas, de religiões tribais e outras grandes religiões (inclusive muçulmanos). São entidades que sofrem e lutam com o povo na base e que vieram para visibilizar e articular essas lutas. Apesar de eventuais ambigüidades, é fora de dúvida que as comunidades africanas encontram nessas religiões uma forma de expressão cultural e de resistência à miséria e à exploração. Uma das maiores tendas do campus do FSM foi a tenda da Cáritas, mundial e africana (havia representantes também da Cáritas Brasileira e da CPT) e de dezenas de outras agências ligadas a Congregações Religiosas (combonianos, salesianos, jesuítas, franciscanos e outros) e entidades de cooperação internacional. Um dos eventos mais marcantes relacionados ao Fórum foi uma Missa, organizada pela Cáritas, celebrada na favela de Kibera, na paróquia S. José, no primeiro dia do Fórum. Foram duas horas e vinte minutos de celebração festiva, reza, canto e dança, muita alegria e participação total. Energia pura para a resistência e a luta global. No final, uma refeição para todos.
No campus do FSM havia uma tenda da articulação das paróquias católicas de Nairobi, a KUTOKA Parish Network, coordenada por um padre comboniano, que se tornou notória em sua luta contra os despejos de favelados e na defesa de outros direitos dos pobres de Nairobi. Das lutas dessa entidade nasceu a “Campanha Despejo Zero”, apoiada também no Brasil.
5. Para onde vai o FSM
A avaliação desse Fórum, com debate sobre seu futuro, foi realizada em diversos painéis, com a presença da coordenação do FSM e aberto aos interessados.
Já está decidido que o próximo Fórum Social Mundial só se dará em 2009. Esse espaço de dois anos será ocupado em mobilizações em torno das ações planejadas nas agendas comuns e próprias de cada entidade, e ainda para Fóruns de caráter local, regional, nacional ou temático. O Fórum Social da Américas está previsto para 2008. Até junho de 2007 será definido o lugar do próximo FSM. Depois de quatro edições no Brasil (2001 a 2003; e 2005), da ida para a Índia (Mumbai, 2004), do Fórum policêntrico de 2006 (em Caracas, na Venezuela; em Bamaco, no Mali e em Karashi, no Paquistão) e da experiência africana em Nairobi, talvez seja tempo de alçar novos vôos. O Brasil é novamente candidato (talvez para retomar fôlego), mas há quem proponha outra cidade da África muçulmana (Dakar) ou um país da Ásia Oriental (Malásia ou Filipinas), com os olhos voltados para a China, como sugere Cândido Grzybowski, Diretor do Ibase e membro do Conselho Internacional do FSM.
O grande debate sobre o formato do FSM se dá em torno de duas posições contrapostas. Um grupo defende a idéia do Fórum como espaço aberto da sociedade civil e expressão de uma nova forma de conceber a política, distanciada das concepções da esquerda tradicional. Chico Whitaker, um dos oito fundadores do FSM, é defensor dessa posição, que se mantém fiel à carta de princípios definida no início do processo. Essa posição, como admite Chico, é compatível com um Fórum mais propositivo, como aconteceu no Fórum de Nairobi.
A outra posição defende uma politização maior do FSM. Samir Amin, intelectual egípcio-senegalês, admite que o FSM desempenhou um importante papel, mas acha que a fórmula começa a se esgotar. Defende uma nova carta de princípios, não só de regras de jogo do Fórum, mas de definição sobre a identidade do outro mundo a construir, uma proposta contida no Documento de Bamako (2006). Boaventura de Souza Santos, sociólogo português, avalia o choque entre essas posições como um das forças do FSM. Ele vê na diversidade atual e no relativo caos do Fórum um sinal de fortaleza. Para Boaventura, a eficácia do atual modelo fica claro em algumas contribuições significativas dadas pelos Fóruns, não só em termos de fortalecimento das organizações: “As instituições internacionais e outros âmbitos de poder tem ido incorporando, nesses últimos anos, certas propostas e reivindicações que se expressaram no FSM” (cf. ADITAL, 25.1.07).
Um problema a resolver é o auto-financiamento dos Fóruns. O de Nairobi, mais uma vez, contou com contribuições decisivas da cooperação internacional, especificamente da Europa.
O FSM de Nairobi teve como um dos seus maiores efeitos tornar a África mais conhecida para os africanos, levantar seu “astral” e fortalecer os laços que superam a força do familismo e a fragmentação étnica e tribal. Nesse sentido, Desmond Tutu, Nobel da Paz, em sua fala no final do Fórum Mundial de Teologia, exortou os africanos a sentir-se orgulhosos de sua herança e de cultivar a união, para além de todas as fronteiras e barreiras étnicas: “A lei fundamental do nosso ser é que devemos uns aos outros”. Por isso, “a única maneira de cumprir essa lei é a união entre todos”.
O Fórum Social Mundial é um processo em expansão, voltado à construção de um outro mundo possível, cada vez mais necessário e que já é uma realidade presente. Na articulação desse processo em nível mundial foi decisiva a participação do Brasil, fato reconhecido pela concessão do Prêmio Nobel Alternativo de Paz de 2006 a Chico Whitaker, um dos criadores e alma do FSM, esse fantástico movimento de globalização da solidariedade.
Brasília, 04.02.2007
Por Padre Martinho Lenz, SJ, que é Secretário Executivo do Mutirão para a Superação da Miséria e da Fome, da CNBB e membro do CONSEA nacional.
NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.adital.org.br.
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