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Reforma ministerial: nem ovo de Colombo, nem parto da montanha

Como sempre ocorre no debate político de nossos dias, também uma ordinária reforma ministerial – “ordinária” no sentido de comum, bem entendido, não em qualquer sentido valorativo depreciativo – não pode deixar de ativar uma recepção ou repercussão que envolva juízos de valor acerca de supostos imperativos éticos ou ideológicos referentes à prática da política e do exercício do governo democrático.

Nestes tempos em que a simples menção de palavras como “interesse” ou “poder” parecem capazes de provocar urticárias em ouvidos sensíveis ou consciências éticas puras e muito seguras de sua superioridade moral, é difícil não se deixar levar por um clima de severidade quase que puritana – para não dizer “fundamentalista” –, no qual o processo banal de preenchimento de cargos num governo recém-eleito (ou reeleito) se torna motivo de elevadas controvérsias, quando não de rigorosas censuras.

Não compartilhando, nem por gosto, nem por formação, deste predominante e rígido estado de espírito, vou me restringir a lembrar alguns dos significados comezinhos da prática da formação ministerial em nosso regime político, com breve referência a dimensões particulares trazidas a este pelo ainda jovem instituto da reeleição. A conclusão mencionará alguns aspectos deste processo que dizem respeito ao que parecem ser as condições específicas do segundo mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva.

Reformas ministeriais no “presidencialismo de coalizão”

Tomando a definição cunhada por Sérgio Abranches para o nosso regime atual – e que, portanto, se caracteriza pela articulação de uma forma de governo presidencialista com um sistema multipartidário, com eleições proporcionais; o que obriga o partido do chefe do Executivo a coligar-se a outras legendas para governar efetivamente1 – como base supostamente incontroversa para a reflexão, e levando-se em conta os vários encargos, recursos e responsabilidades incorporados no nível mais elevado da administração pública, não é muito difícil resumir a lógica geral que governa a arte das escolhas ministeriais em nosso sistema político, à consecução de dois objetivos, certamente interdependentes, mas nem por isso necessariamente congruentes: garantia da atribuição da maior competência técnica e/ou administrativa ao desempenho das funções ministeriais – por via, obviamente, da nomeação dos melhores quadros disponíveis, sintonizados, é claro, ao programa do governo; garantia da obtenção da maior sustentabilidade política – parlamentar, principalmente, mas também no que chamaríamos de nível societário mais amplo – para o governo e seus executantes, por meio de uma distribuição de postos razoavelmente proporcional ao peso relativo das bancadas aliadas no Congresso – e, no caso, da sociedade civil, em sintonia com expectativas de nomes e pautas palatáveis aos seus setores mais organizados e influentes.

A interdependência entre os dois objetivos se dá, como é óbvio – embora freqüentemente esquecido –, na medida em que, por um lado, é sempre mais fácil garantir apoio e sustentação a uma administração eficiente, que desempenhe bem suas funções. Ao mesmo tempo em que, por outro lado, também é mais fácil ser eficiente quando se goza de boas expectativas (“torcida”), apoio e sustentação efetivos.

Já as possíveis contradições entre os dois objetivos se manifestam no fato de que, eventualmente, para se privilegiar uma das metas se acaba comprometendo a outra: a eficiência técnica é posta de lado – e, no limite, inviabilizada – no esforço por agradar as bases de sustentação; ou, inversamente, estas são insatisfeitas – e, no limite, alienadas – por escolhas técnicas impopulares.

Tanto num caso (interdependência e estímulos positivos recíprocos), quanto no outro (predação mútua ou “soma zero”), não existe propriamente nenhuma lei sobre-humana que determine o rumo a tomar pelo desempenho efetivo do ministério assim formado.

Como sempre, em política, a palavra final cabe à virtù do Príncipe e à sua Fortuna. De modo que privilegiar in abstracto um ou outro objetivo – ou método de distribuição de cargos – pode ser muito bom para efeitos diversos de propaganda e retórica, mas não possui grande valor prático para quem toma a decisão (com efeito, o mais provável de suceder é exatamente a formação do gabinete de modo a balancear e a distribuir as diferentes pastas no sentido do melhor equilíbrio possível entre as metas, com alguns ministérios mais “técnicos” e outros mais “políticos”).

Quando se trata, porém, do nosso caso atual, em que o processo de (re)alocação de pessoas em cargos se dá num governo reeleito, parece ser praticamente inevitável que essas decisões sejam tomadas tendo em mente também a experiência já adquirida e em função de imposições de trajetórias percorridas.

Assim, se em novos mandatos a tendência é olhar mais diretamente o futuro, e o que se deseja realizar, em mandatos reafirmados – e sem perspectiva de mais uma renovação imediata – esse olhar para frente é sempre matizado pela perspectiva da continuidade: o que farei, e o “como” farei, seriam mais significativamente condicionados pelo que se fez e aprendeu.

Principalmente porque o capital assim acumulado por esse governo – cujo valor pode ser aquilatado pela própria conquista da continuidade, de um novo mandato consecutivo – não precisa (nem deve) pagar novamente o pedágio do aprendizado inevitável do “noviciado” anterior. Em suma: trata-se agora de corrigir os erros aprendidos e consolidar os acertos.

Por isso, a eventual reforma ministerial de um governo reeleito dificilmente deixará de refletir em seus traços também essa circunstância. Tais mudanças não apenas podem como na verdade devem ser compreendidas em relação – ou em comparação – com o primeiro mandato.

E é a natureza, ou a qualidade das diferenças entre uma e outra experiência de formação ministerial o que talvez melhor nos situe com relação à identidade mesma de um governo, suas prioridades, e no que diz respeito a seu modo de evolução no tempo, diante dos desafios postos pela tarefa que lhe cabe – neste nosso ainda muito novo (e já tão criticado) sistema de presidencialismo com reeleição.

Nesse sentido, uma análise superficial da atual reforma ministerial parece sinalizar o aprendizado de algumas lições, advindas do primeiro mandato de Lula. Em especial se nos ativermos à possibilidade de que, a rigor, essa reforma não teria se iniciado – ou começado a se definir – propriamente no momento em que o segundo mandato foi assegurado, mas sim bem antes, durante o próprio desenrolar traumático da chamada crise do “mensalão”, cerca de um ano antes das próprias eleições. De tal modo, inclusive, que, se tudo isso faz sentido, teria sido exatamente nessa reformulação que se começou a viabilizar a possibilidade mesma de um segundo mandato para o atual presidente.

Assim, menos uma real reforma ministerial completa do que o corolário de mudanças mais lentas e longas, o atual quadro de colaboradores de 1º escalão não deixa dúvidas com relação ao principal objetivo, digamos, tático do governo: a ampliação e a consolidação da base parlamentar de sustentação do governo, expressa no esforço de atração do PMDB. Fruto, em grande medida, do difícil aprendizado da crise, cujo pivô situou-se nos pequenos partidos da base aliada original (e nas relações destes com a cúpula do PT).

Essas e outras mudanças urgentes, também de ordem tática – como, por exemplo, a melhoria da gestão política das relações entre o governo e o Legislativo, ou a busca de maior eficiência no trato com a mídia, dois pontos em que o 1º governo Lula deixou muito a desejar – poderão ou não se confirmar. Parecem-me, contudo, já razoavelmente delineadas não somente nos nomes escolhidos, mas ainda mais no presente e complicado esforço de acomodação de todas as forças dispostas a apoiar o presidente reeleito.

Para além, ou acima, de tais prioridades táticas, porém, afirmam-se o que creio sejam os principais objetivos estratégicos deste gabinete, exatamente em função dos acertos do primeiro mandato (que, a meu juízo – e a julgar pela decisão soberana do eleitorado –, não foram poucos): a aceleração do crescimento, com a concomitante aceleração da distribuição da renda – expresso na principal pauta apresentada pelo “novo” governo –, e o enfrentamento da questão crucial da (in)segurança pública. Talvez, hoje, a forma mais perversa de exclusão, em nosso país.

Ao fim e ao cabo, se não puder ao menos encaminhar essas questões de Estado, não haverá outro sentido que justifique as escolhas feitas até agora pelo governo. Por mais sensatas e condizentes com a teoria.

Por Fernando Lattman-Weltman, que é cientista político e sociólogo, pesquisador do CPDOC/FGV e da PUC-Rio.

Nota de rodapé:

Cfr. Sérgio Abranches, (1988), “Presidencialismo de Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro”. Dados 31: 5-34.

Publicado em 30/3/2007.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.ibase.org.br.

Por 19:38 Notícias

Reforma ministerial: nem ovo de Colombo, nem parto da montanha

Como sempre ocorre no debate político de nossos dias, também uma ordinária reforma ministerial – “ordinária” no sentido de comum, bem entendido, não em qualquer sentido valorativo depreciativo – não pode deixar de ativar uma recepção ou repercussão que envolva juízos de valor acerca de supostos imperativos éticos ou ideológicos referentes à prática da política e do exercício do governo democrático.
Nestes tempos em que a simples menção de palavras como “interesse” ou “poder” parecem capazes de provocar urticárias em ouvidos sensíveis ou consciências éticas puras e muito seguras de sua superioridade moral, é difícil não se deixar levar por um clima de severidade quase que puritana – para não dizer “fundamentalista” –, no qual o processo banal de preenchimento de cargos num governo recém-eleito (ou reeleito) se torna motivo de elevadas controvérsias, quando não de rigorosas censuras.
Não compartilhando, nem por gosto, nem por formação, deste predominante e rígido estado de espírito, vou me restringir a lembrar alguns dos significados comezinhos da prática da formação ministerial em nosso regime político, com breve referência a dimensões particulares trazidas a este pelo ainda jovem instituto da reeleição. A conclusão mencionará alguns aspectos deste processo que dizem respeito ao que parecem ser as condições específicas do segundo mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva.
Reformas ministeriais no “presidencialismo de coalizão”
Tomando a definição cunhada por Sérgio Abranches para o nosso regime atual – e que, portanto, se caracteriza pela articulação de uma forma de governo presidencialista com um sistema multipartidário, com eleições proporcionais; o que obriga o partido do chefe do Executivo a coligar-se a outras legendas para governar efetivamente1 – como base supostamente incontroversa para a reflexão, e levando-se em conta os vários encargos, recursos e responsabilidades incorporados no nível mais elevado da administração pública, não é muito difícil resumir a lógica geral que governa a arte das escolhas ministeriais em nosso sistema político, à consecução de dois objetivos, certamente interdependentes, mas nem por isso necessariamente congruentes: garantia da atribuição da maior competência técnica e/ou administrativa ao desempenho das funções ministeriais – por via, obviamente, da nomeação dos melhores quadros disponíveis, sintonizados, é claro, ao programa do governo; garantia da obtenção da maior sustentabilidade política – parlamentar, principalmente, mas também no que chamaríamos de nível societário mais amplo – para o governo e seus executantes, por meio de uma distribuição de postos razoavelmente proporcional ao peso relativo das bancadas aliadas no Congresso – e, no caso, da sociedade civil, em sintonia com expectativas de nomes e pautas palatáveis aos seus setores mais organizados e influentes.
A interdependência entre os dois objetivos se dá, como é óbvio – embora freqüentemente esquecido –, na medida em que, por um lado, é sempre mais fácil garantir apoio e sustentação a uma administração eficiente, que desempenhe bem suas funções. Ao mesmo tempo em que, por outro lado, também é mais fácil ser eficiente quando se goza de boas expectativas (“torcida”), apoio e sustentação efetivos.
Já as possíveis contradições entre os dois objetivos se manifestam no fato de que, eventualmente, para se privilegiar uma das metas se acaba comprometendo a outra: a eficiência técnica é posta de lado – e, no limite, inviabilizada – no esforço por agradar as bases de sustentação; ou, inversamente, estas são insatisfeitas – e, no limite, alienadas – por escolhas técnicas impopulares.
Tanto num caso (interdependência e estímulos positivos recíprocos), quanto no outro (predação mútua ou “soma zero”), não existe propriamente nenhuma lei sobre-humana que determine o rumo a tomar pelo desempenho efetivo do ministério assim formado.
Como sempre, em política, a palavra final cabe à virtù do Príncipe e à sua Fortuna. De modo que privilegiar in abstracto um ou outro objetivo – ou método de distribuição de cargos – pode ser muito bom para efeitos diversos de propaganda e retórica, mas não possui grande valor prático para quem toma a decisão (com efeito, o mais provável de suceder é exatamente a formação do gabinete de modo a balancear e a distribuir as diferentes pastas no sentido do melhor equilíbrio possível entre as metas, com alguns ministérios mais “técnicos” e outros mais “políticos”).
Quando se trata, porém, do nosso caso atual, em que o processo de (re)alocação de pessoas em cargos se dá num governo reeleito, parece ser praticamente inevitável que essas decisões sejam tomadas tendo em mente também a experiência já adquirida e em função de imposições de trajetórias percorridas.
Assim, se em novos mandatos a tendência é olhar mais diretamente o futuro, e o que se deseja realizar, em mandatos reafirmados – e sem perspectiva de mais uma renovação imediata – esse olhar para frente é sempre matizado pela perspectiva da continuidade: o que farei, e o “como” farei, seriam mais significativamente condicionados pelo que se fez e aprendeu.
Principalmente porque o capital assim acumulado por esse governo – cujo valor pode ser aquilatado pela própria conquista da continuidade, de um novo mandato consecutivo – não precisa (nem deve) pagar novamente o pedágio do aprendizado inevitável do “noviciado” anterior. Em suma: trata-se agora de corrigir os erros aprendidos e consolidar os acertos.
Por isso, a eventual reforma ministerial de um governo reeleito dificilmente deixará de refletir em seus traços também essa circunstância. Tais mudanças não apenas podem como na verdade devem ser compreendidas em relação – ou em comparação – com o primeiro mandato.
E é a natureza, ou a qualidade das diferenças entre uma e outra experiência de formação ministerial o que talvez melhor nos situe com relação à identidade mesma de um governo, suas prioridades, e no que diz respeito a seu modo de evolução no tempo, diante dos desafios postos pela tarefa que lhe cabe – neste nosso ainda muito novo (e já tão criticado) sistema de presidencialismo com reeleição.
Nesse sentido, uma análise superficial da atual reforma ministerial parece sinalizar o aprendizado de algumas lições, advindas do primeiro mandato de Lula. Em especial se nos ativermos à possibilidade de que, a rigor, essa reforma não teria se iniciado – ou começado a se definir – propriamente no momento em que o segundo mandato foi assegurado, mas sim bem antes, durante o próprio desenrolar traumático da chamada crise do “mensalão”, cerca de um ano antes das próprias eleições. De tal modo, inclusive, que, se tudo isso faz sentido, teria sido exatamente nessa reformulação que se começou a viabilizar a possibilidade mesma de um segundo mandato para o atual presidente.
Assim, menos uma real reforma ministerial completa do que o corolário de mudanças mais lentas e longas, o atual quadro de colaboradores de 1º escalão não deixa dúvidas com relação ao principal objetivo, digamos, tático do governo: a ampliação e a consolidação da base parlamentar de sustentação do governo, expressa no esforço de atração do PMDB. Fruto, em grande medida, do difícil aprendizado da crise, cujo pivô situou-se nos pequenos partidos da base aliada original (e nas relações destes com a cúpula do PT).
Essas e outras mudanças urgentes, também de ordem tática – como, por exemplo, a melhoria da gestão política das relações entre o governo e o Legislativo, ou a busca de maior eficiência no trato com a mídia, dois pontos em que o 1º governo Lula deixou muito a desejar – poderão ou não se confirmar. Parecem-me, contudo, já razoavelmente delineadas não somente nos nomes escolhidos, mas ainda mais no presente e complicado esforço de acomodação de todas as forças dispostas a apoiar o presidente reeleito.
Para além, ou acima, de tais prioridades táticas, porém, afirmam-se o que creio sejam os principais objetivos estratégicos deste gabinete, exatamente em função dos acertos do primeiro mandato (que, a meu juízo – e a julgar pela decisão soberana do eleitorado –, não foram poucos): a aceleração do crescimento, com a concomitante aceleração da distribuição da renda – expresso na principal pauta apresentada pelo “novo” governo –, e o enfrentamento da questão crucial da (in)segurança pública. Talvez, hoje, a forma mais perversa de exclusão, em nosso país.
Ao fim e ao cabo, se não puder ao menos encaminhar essas questões de Estado, não haverá outro sentido que justifique as escolhas feitas até agora pelo governo. Por mais sensatas e condizentes com a teoria.
Por Fernando Lattman-Weltman, que é cientista político e sociólogo, pesquisador do CPDOC/FGV e da PUC-Rio.
Nota de rodapé:
Cfr. Sérgio Abranches, (1988), “Presidencialismo de Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro”. Dados 31: 5-34.
Publicado em 30/3/2007.
ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.ibase.org.br.

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