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O nosso Brasil e o tal do investment grade

É fundamental que não se criem ilusões a partir da nova etiqueta. “Investment grade” significa pouco em termos de um projeto de desenvolvimento econômico voltado à maioria e portador de uma sociedade menos desigual.

Aqueles que costumam acompanhar as notícias e as colunas especializadas em matéria econômica e financeira devem ter percebido que, ao longo das últimas semanas, tem evoluído bastante o número de referências à possibilidade do Brasil finalmente ser classificado como “investment grade” pelas agências internacionais de avaliação de alternativas de investimento.

Mas, afinal, o que significa tudo isso? Ou então, quais seriam as conseqüências de tal fato para o desempenho da economia brasileira? E, principalmente, quais as implicações dessa eventual mudança para uma recuperação das décadas perdidas em termos de desenvolvimento do País?

Em primeiro lugar, vamos à definição. Em português, a expressão poderia ser traduzida para “grau de investimento”. Ou seja, trata-se de um dos níveis de uma escala classificatória que as empresas de consultoria econômica utilizam para “catalogar” a multiplicidade de alternativas existentes no espaço de investimento planetário. Esses indicadores procuram oferecer um quadro sintético da possibilidade em foco. No limite, apresenta-se para o cliente uma combinação de: i) grau de risco do investimento; e ii) retorno esperado daquele investimento.

Em termos gerais, no quadro de sofisticação contemporânea dos mecanismos de aplicação de recursos financeiros, cada vez mais são possíveis de se verificar, na prática, os preceitos teóricos a respeito do comportamento do capital. Dentre eles, a conhecida relação entre grau de risco da operação e a taxa de retorno esperada da mesma. Ou então, a relação entre o prazo de aplicação e o grau de rentabilidade da mesma. Assim, em um dos limites do espectro de alternativas estaria o investimento mais “seguro e estável” em títulos emitidos pelo Tesouro norte-americano, que rendem pouco mais de 2% ao ano, enquanto no outro extremo estariam opções como empresas de diamante operando na África austral, empresas que comercializam armas em regiões de conflito bélico ou empresas do setor de narcotráfico na América Latina ou na Ásia. Como o grau de risco envolvendo as últimas três opções é elevadíssimo, principalmente quando as operações ultrapassam os limites da ilegalidade, o retorno oferecido pelos recursos investidos também é muito alto.

Por outro lado, além de identificar e analisar a operação em si, as empresas de consultoria oferecem uma visão mais ampla do contexto do investimento. Ou seja, um recorte que pode ser setorial (em que tipo de área ou atividade econômica encontra-se tal opção) ou regional (em que área do mundo se encontra, chegando ao detalhe do país). Além disso, considera-se também a natureza do investimento: por exemplo, se se trata de instituições públicas (tesouros nacionais, empresas estatais, etc) ou de investimentos privados.

Apesar deste longo gradiente de classificações que separa o “risco máximo” do “risco mínimo”, há uma área a partir da qual já se recomenda, sem muita preocupação, investimentos para seus clientes que sejam um pouco avessos a riscos considerados mais altos. Quando se ultrapassa essa linha fronteiriça, ufa!, então os potenciais investidores passam a encarar a alternativa com bons olhos. E a essa área, justamente, o jargão do financês internacional dá o nome de “investment grade”.

É importante lembrar que, não obstante o Brasil como país e como espaço econômico ainda não ter atingido esse nível, algumas grandes empresas brasileiras (parte delas, hoje, nem tão “brasileiras” assim…) já obtiveram tal certificação pelas empresas de consultoria. Ou seja, apesar de operarem em um universo que os analistas consideram ainda não-apropriado aos padrões dos centros financeiros internacionais, empresas como a Petrobrás, a Vale do Rio Doce e a Embraer são consideradas como “investment grade”. O interessante a observar é que, apesar da privatização recente das últimas, todas têm sua origem como empresa estatal e conseguiram construir sua imagem, seu reconhecimento internacional e sua capacidade tecnológica graças a tal condição. Por outro lado, além da solidez gigantesca, oferecem a garantia de uma performance exportadora de longo prazo, em mercados estratégicos no plano mundial. Ou seja, receita assegurada em dólares e outras divisas internacionais. De um lado, matérias-primas essenciais como petróleo e minerais. De outro lado, exportação competitiva no setor de aeronaves e componentes. Dessa forma, sempre que algum agente operador do sistema for indagado a respeito de sua opinião quanto a oferecer um empréstimo, comprar ações ou participar de investimentos em que alguma dessas empresas esteja envolvida, a primeira palavra tende a ser positiva. “Yes, why not? They are investment grade!”

Um dos aspectos que tem chateado bastante os que mais se batem pela conquista do tal carimbo classificador para a economia brasileira em seu conjunto, e não apenas empresas isoladas, é a verificação de que outros países do chamado BRIC (já nos referimos a eles em artigo de 2 março passado), a exemplo da China e da Índia, já obtiveram tal certificação. E aí começa a desfilar a longa lista de “argumentos” para reclamar da suposta incoerência das agências classificadoras. Na verdade, um lamento discorrido sobre fatos e números que eles clamam como positivos, enquanto que a grande maioria da sociedade brasileira viveu, em sua própria carne, como um período de enormes sacrifícios. Vamos a eles.

O Brasil cumpriu à risco durante as duas últimas décadas os programas de ajuste estrutural impostos pelo FMI e demais instituições financeiras internacionais. O Brasil privatizou e internacionalizou uma rede estratégica essencial de empresas públicas na área de energia, transportes, telecomunicações, mineração, sistema financeiro e outros. O Brasil aumentou o grau de sua abertura econômica, com aumento de exportações e importações. O Brasil liberalizou a conta de capitais, com a adoção de regras flexíveis para entrada e saída de capitais externos. O Brasil pagou sua dívida com o FMI antecipada e não depende de contrato formal com aquela instituição. O Brasil está acumulando valores recordes em seu estoque de suas reservas cambiais. O Brasil tem gerado superávits fiscais durante exercícios seguidos, transferindo para o setor financeiro mais de 4% de nosso PIB na forma de serviços da dívida pública. O Brasil tem mantido, a duras penas, o primeiro lugar no campeonato mundial de taxas de juros. O Brasil tem oferecido, de fato, ampla autonomia para a autoridade monetária na determinação da taxa de juros, com a presidência do BACEN sendo exercida há mais de quatro anos pelo ex-presidente mundial do Bank of Boston.

É, pois é, a vida é dura! Nem mesmo depois de ter cumprido à risca a lição de casa, muitas vezes até oferecendo mais do que lhe foi solicitado, o bom menino não está sendo recompensado pelo seu esforço. E o pior é que não mudou um milímetro sequer nos elementos essenciais de sua política econômica, pelo menos até os dias de hoje. Continua prevalecendo a lógica vaporosa e financista sobre a lógica da economia real e industrializante. Ainda se impõe o liberalismo ultrapassado e deslocado, em detrimento do desenvolvimentismo tão urgente e necessário.

Antes de qualquer mal entendido: nada contra o Brasil ser alçado à condição de “investment grade”. Muito pelo contrário: recursos de outra natureza, que não apenas o especulativo e de curto prazo, passarão a se sentir mais tranqüilos a aportar em nossas praias. Um dos elementos determinantes nessa transição de comportamento dos “tomadores de decisão” é a chamada credibilidade. Hoje em dia, para manter o afluxo de recursos a qualquer custo, oferecemos uma taxa de juros ainda elevadíssima para compensar o risco país (que apesar de ter caído muito, ainda é considerado alto). Caso nos seja oferecido o ingresso nessa zona mais nobre das alternativas de investimento, poderíamos passar o oferecer taxas menores.

Mas o fundamental é que não se criem novas ilusões a partir da nova etiqueta que muitos farão questão de ostentar orgulhosamente no peito e no bolso. “Investment grade” significa muito pouco em termos de um projeto de desenvolvimento econômico voltado para a maioria da população e portador de uma sociedade menos desigual. A China e a Índia o conseguiram, mas mantêm uma sociedade, a exemplo da nossa, com desigualdades sócio-econômicas flagrantes. Por exemplo, ambas apresentam sérios problemas no mundo do trabalho, como a exploração de mão-de-obra de crianças e o desrespeito a regras básicas da OIT – como ocorre também aqui no nosso próprio umbigo: 40% da economia fora do amparo da CLT, o trabalho escravo e o trabalho infantil.

Talvez o novo patamar não tarde a chegar. O capital virá, os investimentos virão. Mas isso não pode significar, de forma alguma, a continuidade da estratégia explícita e da chantagem implícita, adotada até o momento, de se postergar a construção de uma sociedade mais justa, democrática e republicana. Um dos maiores perigos do “bom mocismo” cotidiano é que ele leva ao esquecimento das razões que deveriam ter levado as forças progressistas a buscar o poder. Em vez de implementar as mudanças estratégicas, contentam-se com as melhorias cosméticas do curto prazo.

Por Paulo Kliass, que é doutor em Economia e membro da carreira federal “Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental”. Atualmente cumpre programa de pós-doutorado na Université de Paris 13, França.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.agenciacartamaior.com.br.

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