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Apenas a verdade

A substituição dos tradicionais órgãos de vigilância e controle do Estado por agências reguladoras não realizou, nem poderia realizar, o milagre de fazer ressurgir a livre concorrência

Em um de seus derradeiros ensaios, A Economia das Fraudes Inocentes, John Kenneth Galbraith oferece ao leitor textos curtos de grande profundidade analítica. O brasileiro, angustiado com as mazelas do País, encontraria alguma luz (e talvez ainda mais desconforto) na leitura de O Mito dos Dois Setores.

Para Galbraith, o capitalismo moderno é caracterizado pela subordinação do Estado aos interesses da grande empresa e da alta finança. “O papel dominante do setor privado no setor público é uma evidência. Seria melhor afirmar isso claramente.” Ele fala dos Estados Unidos, a economia capitalista mais avançada do planeta e, por isso mesmo, o país em que as relações entre o público e o privado se apresentam sob a forma mais evoluída. “A intrusão do setor nitidamente privado no setor público se generalizou. Dotados de plenos poderes na grande empresa moderna, é natural que os executivos estendam este papel para a política e para o Estado.”

Na verdade, o peculiar caráter “liberal” do Estado americano, desde a sua constituição, está relacionado ao seu papel decisivo na garantia das normas da concorrência darwinista. A porosidade do poder político aos interesses privados deu origem a um Estado plutocrático, na medida em que não só os grupos econômicos mais poderosos se desenvolveram à sua sombra e sob seu patrocínio, mas também se valeram da permissividade das instituições liberais. Essa precariedade institucional e jurisdicional sustentou o avanço das sucessivas gerações de “barões ladrões”, que governaram a economia e comandaram a política americana depois da Guerra de Secessão.

As trocas de acusações envolvendo práticas irregulares ou ilegais são, de há muito, formas dominantes da luta partidária. Os que estudam o fenômeno da generalização das práticas ilícitas e ilegais não têm qualquer dúvida em apontar como causa mais importante a infiltração da “ética dos negócios” nos negócios da política.

Enquanto alguns clamam para que o Estado abandone as pretensões de interferir na economia, a realidade dos negócios exige que ele passe a arbitrar e articular os interesses privados. Há quem aposte na privatização como a fórmula mágica para prevenir o dinheiro mal havido e as práticas ilícitas. A privatização é essencialmente um movimento do grande capital financeiro internacionalizado. Seus sócios menores são os banqueiros e os empresários mais taludos dos chamados países emergentes. Trata-se fundamentalmente de um movimento da grande empresa moderna articulado pela força dos mercados financeiros, que promovem a circulação global do “capital livre e líquido”, organizado sob a forma “coletiva” dos fundos de investimento, fundos de pensão e hedge funds.

O objetivo é diversificar a riqueza de cada grupo privado, concentrar a direção dos negócios e, ao mesmo tempo, ganhar participação nos vários mercados. Na economia movida pelas fusões e aquisições, quem não consegue engolir o concorrente corre o risco de ser deglutido por ele. Os agentes dessas operações são os bancos de investimento. Eles definem os novos proprietários, os métodos de financiamento, a participação acionária dos grupos, as estratégias de valorização das ações, antes e depois das ofertas públicas.

A transferência de ativos públicos para os grupos privados não soluciona o confronto entre tais gigantes “coletivizados” e, portanto, comandados pelo poder dos acionistas. O capitalismo da grande empresa e da alta finança, Galbraith sabe, é ainda mais promíscuo e pegajoso em suas relações com o Estado.

A substituição dos órgãos tradicionais de vigilância e controle do Estado por agências reguladoras não realizou, nem poderia realizar, o milagre da ressurreição da concorrência livre, limpa e desimpedida. No caso das telecomunicações, por exemplo, a experiência internacional mostra que, depois de um período breve de “concorrência”, as empresas tendem a se fundir, provocando uma enorme concentração do capital e produzindo situações de monopólio. Sem independência dos reguladores e a vigilância permanente de um Congresso acima de qualquer suspeita, os usuários-consumidores vão perder a parada da fixação de tarifas e do controle da qualidade do serviço.

Os governos preferiram, no entanto, refugiar-se na retórica da transparência, da livre concorrência e da igual oportunidade garantida a todos os interessados. Cascata. “Seria melhor afirmar a verdade claramente”, diria o saudoso Galbraith.

Por Luiz Gonzaga Belluzzo.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.cartacapital.com.br.

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