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O Brasil de Lula: entre Prometeu e Midas

Há, sim, em curso a configuração de um padrão de crescimento econômico, “amarrado” ao subdesenvolvimento. O Brasil continua estruturalmente com os pés atolados no capitalismo retardatário; e com a cabeça a pender pro lado maníaco da financeirização da riqueza. Alvíssaras às conclusões da pesquisa do IBGE/Pnad (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) sobre a evolução econômico-social. Mas examinemos mais ampla e detalhadamente o que isso significa. E passemos o olho pelo debate da emergência de “um novo modelo” de desenvolvimento.

Três grandes questões importantes devem ser destacadas na pesquisa. Em primeiro lugar, considerando o melhor resultado alcançado nos últimos 11 anos, o IBGE vê um crescimento da renda média dos trabalhadores de 7,2%, em 2006, relativamente a 2005; ou R$ 888. Observe-se que:
a) a queda foi contínua e vertiginosa desde 1996, começando a recuperação após 2004;
b) somados o crescimento da renda de 2005 e 2006, atinge-se 12,1%; número que exclui transferências sociais como o Bolsa-Família e as aposentadorias.

Em segundo lugar, a desigualdade de renda, mensurada pelo Coeficiente de Gini (quanto maior o número, maior a desigualdade), de 0,600 em 1993, continuou em queda: de 0,544 em 2005 desceu para 0,541 em 2006. O mais relevante: a melhoria da renda média foi mais significativa nas regiões mais subdesenvolvidas e entre os trabalhadores mais pobres do Norte (mais 7,1% em 2006) e Nordeste (mais 12,1% em 2006). A propósito da subida da renda média, diz o economista Alexandre Marinis que tal recuperação “está diretamente ligada à política de valorização do salário mínimo do presidente Lula” (O Estado de S. Paulo, 15/9/2007).

Em terceiro lugar, outras alterações relevantes no mercado de trabalho dão conta de:
a) a menor taxa de desemprego de 1997 a 2006, 8,4% da PEA (População Economicamente Ativa) – altíssima ainda, afirme-se;
b) somavam 30,1 milhões de trabalhadores com carteira assinada (2006), ou um aumento de 4,7% relativamente a 2005 – de cada cinco novos empregos criados, três eram formalizados;
c) continuando a queda histórica, o emprego agrícola passou de 21,3% para 19,3%, o emprego industrial subiu para 15% do total de empregos (1,7% sobre 2005) e o setor de serviços continuou em elevação, indo de 40% para 41%. O nível de ocupação do trabalho feminino atingiu 46% em 2006, frente a 68% correspondentes à ocupação masculina (eram 43,4% e 72,4%, respectivamente, os números de 1992).

Onde estão os “inempregáveis” de FHC?

A pesquisa demonstra que houve em 2006 a criação de 1,35 milhão de novos empregos com carteira assinada, até o mês de agosto, quando o recorde em todo ano de 2004 alcançara 1,53 milhões. Em todo o período de Lula, somaram algo mais de 8 milhões os novos empregos. Bem mais: o país assistiu à convocação ao “batente”, pelas montadoras de automóveis, de várias centenas de trabalhadores aposentados. Anunciou-se também que houve a diminuição do “trabalho infantil” (5 a 17 anos), tendo este baixado de 18,7% (1996) para 11,5%, ou 5,1 milhões de pessoas (2006).

Surpreendendo os pesquisadores, a melhoria do nível da escolaridade bateu novo recorde: 97,6% das crianças entre 7 a 14 anos estavam na escola em 2006; no mesmo ano a presença aumentou entre os de nível superior em 13,2%, frente a 2005; se em 1996 eram 14,6% os brasileiros analfabetos maiores de 15 anos, passaram para 10,2% dez anos depois. No entanto, segundo divulgou depois o IBGE (28/9/2007), o percentual de brasileiros que não sabem ler e escrever é inferior apenas ao da Bolívia, onde a taxa de analfabetismo foi de 11,7% em 2005. Note-se ainda que, Em 2006, a soma da participação dos trabalhadores sem carteira assinada, por conta própria e não remunerados – o trabalho “informal” – no total de ocupados – era de 50,4%, ante 51,8% em 2005; o que revela outra faceta do drama social do trabalho no país.

Sob quaisquer desses ângulos, tudo isso atesta a implacável derrota “moral” sofrida pelos os ideólogos radicais da globalização neoliberal no Brasil, após um conjunto de políticas dos governos de Lula. Mesmo com nexos decisivos de continuidade monetarista na orientação macroeconômica da política econômica, trata-se de cegueira deliberada assim não reconhecer. Para os que inventaram os “inempregáveis” e acusaram os aposentados brasileiros de “vagabundos”, pior ainda.

Aliás, em 2000 a renda do trabalho era 37,9% da renda nacional. Pela metodologia nova do IBGE (apresentada em março de 2007) passou para 40,5%; em 2003, a participação do trabalho na renda nacional na antiga mensuração era 35,6%: agora, 39,5%.

Furtado e o desenvolvimento em perspectiva

Celso Furtado, em seu último artigo, escreveu que o neoliberalismo não só era serviçal à consolidação da política imperial dos Estados Unidos. Igualmente, disse Furtado, ele opera um sistema financeiro internacional para que esta aja “com rapidez e unidade de comando”, frente à dependência do capitalismo periférico. [1]

Recordando ali “decênios” de concentração de renda conjugada com baixo crescimento econômico no Brasil, o principal construtor do arquétipo teórico “subdesenvolvimento” insistia sempre acerca da importância de um dos principais sustentáculos do desenvolvimento: o domínio de um padrão tecnológico avançado. Por quê? Porque é o centro capitalista e suas grandes corporações quem detêm o monopólio das inovações técnicas e da organização financeira e suas instituições. E o dinamismo técnico não é mais copiado como no passado – generalizou-se o padrão industrial inglês, até o final do século 19, para os EUA, a Alemanha, a França, a Itália, o Japão e a Rússia.

Ou seja, os oligopólios transnacionais além de controlar a inovação, a introdução de novos processos e produtos, acessam facilmente o mercado financeiro internacional e manejam enorme liquidez (dinheiro e recursos rapidamente disponíveis) à margem do controle dos bancos centrais; são também responsáveis (e possuem a iniciativa) pela imensa maioria das transações internacionais de bens e serviços. [2]

Um “novo modelo”?

O Brasil, não obstante avanços importantes em menos de cinco anos dos governos de Lula, é martirizado pelo subdesenvolvimento: importante subordinação financeiro-monetária no plano internacional, muito limitado domínio da inovação tecnológica, desigualdades estruturais (social, produtiva e regional), não resolução da questão sócio-agrária, concentração da renda e da riqueza, além do elevado desemprego estrutural.

Exemplifiquemos.
1) Da análise da Fundação Getúlio Vargas dos dados da referida PNAD (2006) destacamos: no Nordeste 36,6% dos habitantes são miseráveis; Alagoas e Maranhão encabeçam a tragédia, com mais de 44% deles, apesar do crescimento da renda média (2006 sobre 2005, principalmente).
2) Recordemos que Furtado afirmava: “a distribuição do excedente” (ou a elevação crescente da renda per capita) é parâmetro fundamental para o desenvolvimento. Lembramos então que, de acordo com a ONU (2005), a renda per capita (dólares, Paridade de Poder de Compra) da Dinamarca era de US$ 31.465, a da Espanha de US$ 22.391, a da Coréia do Sul de US$ 17.971; já a do Brasil era de US$ 7.790.

Mas se desenha um padrão de crescimento. Qual?

Aqui concordando com (parte das) idéias do professor José Carlos S. Braga [3], apontamos esse padrão como sendo baseado numa moeda (o Plano Real) que conseguiu recriar uma acumulação monetária de lucros no Brasil sem dolarização, fortalecendo-se pela atual desvalorização do dólar – evidentemente, moeda não conversível internacionalmente; um sistema bancário público-privado reestruturado e capitalizado, que já vem ampliando a oferta de crédito e respondendo à aceleração da demanda; um Banco Central “independente”, obcecado na estabilidade de preços e gerador da confiança nos grandolas “gestores da riqueza”; grandes e médio-grandes empresas líquidas e rentáveis que ampliam o investimento realizando ganhos operacionais e ganhos financeiros; redução da vulnerabilidade externa da economia brasileira não só pelo coeficiente da dívida externa em relação às exportações: as reservas internacionais poderão ultrapassar o montante da dívida externa.

De outra parte, não há “social-desenvolvimentismo”, como imagina existir o ministro Guido Mantega. Não só porque a denominação é tautológica: o avanço social integra e deve ser parte constitutiva dos processos efetivos de desenvolvimento econômico-social. E, especialmente neste caso, desenvolvimento deformado não é contra-argumento. Na verdade, trata-se de ilusão falar “social-desenvolvimentismo”, como difunde o ministro.

Há, sim, em curso a configuração de um padrão de crescimento econômico, “amarrado” ao subdesenvolvimento. O Brasil continua estruturalmente com os pés atolados no capitalismo retardatário; e com a cabeça a pender para o lado maníaco da financeirização [4] da riqueza.

Ou emparedado entre os mitos de Prometeu e Midas, tanto faz.

Por Sérgio Barroso, que é médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho (Unicamp), membro do Comitê Central do PCdoB.

NOTAS

[1] Ver: “Para onde caminhamos?”, republicado no Jornal do Brasil, 22/11/2004.

[2] Adaptado das agudas observações de C. Furtado, em O mito do desenvolvimento econômico, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974, p. 35, 4ª edição. Este livro é uma pequena obra-prima do ilustre economista paraibano.

[3] Ver: O capitalismo brasileiro assim como ele é, Valor Econômico, 28/6/2007.

[4] De todo modo, considere-se que Marcio Pochmann, um dos principais estudiosos do processo de financeirização da economia brasileira declarou enxergar curiosas mudanças na economia brasileira, entre 2002 e 2005: “Já não é verdade, [a economia brasileira] não está crescendo tão pouco assim”, afirmou. E mais adiante, interpretou Pochmann: “Além disso, não é uma economia que está engessada porque o Estado está crescendo, a carga tributária está aumentando, não é isso. Não é verdade que haja o aumento da financeirização que está contaminando a economia produtiva”. (In: Entrevista a Raphael Prado, portal Terra Magazine, 22/3/2007).

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.vermelho.org.br.

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