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Políticas públicas e atores sociais na perspectiva do desenvolvimento territorial

Fórum Internacional sobre Desenvolvimento Territorial, realizado em Salvador, discutiu a articulação de políticas públicas e atores sociais. A abordagem territorial surge como um dos possíveis elos facilitadores do diálogo entre o poder público e os movimentos sociais.

Entre os dias 6 e 9 de novembro, na cidade de Salvador, BA, teve lugar o II Fórum Internacional “Desenvolvimento Territorial: articulação de políticas públicas e atores sociais”, buscando contribuir com o aperfeiçoamento das estratégias, metodologias e modelos de gestão social e institucional para a articulação das políticas públicas, agentes governamentais e atores sociais na perspectiva do desenvolvimento territorial.

O evento foi realizado pelo Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA) e pelo Fórum Permanente de Desenvolvimento Rural Sustentável (Fórum DRS) em parceria com o Governo da Bahia, por intermédio da Secretaria do Planejamento (Seplan), e com o Ministério do Desenvolvimento Agrário/Secretaria de Desenvolvimento Territorial (MDA/SDT), apoiados pelo Banco do Brasil, pelo Ministério de Meio Ambiente (MMA) e pelo Ministério da Integração Nacional (MI). A realização deste segundo encontro buscou dar continuidade às discussões iniciadas em 2003, em Fortaleza, no I Fórum, com foco no debate sobre a importância do reconhecimento da dimensão espacial, tanto em seu recorte regional como territorial, para a formulação e implementação das políticas públicas, em especial aquelas orientadas ao meio rural brasileiro.

Pela relevância do tema, pareceu-nos oportuna a possibilidade de ampliarmos o debate sobre os alcances desse enfoque e seu rebatimento nas políticas públicas, ainda que tenhamos de nos restringir, dados os limites de espaço, apenas a alguns dos aspectos do mesmo, privilegiando a discussão sobre a interface com os atores sociais.

Tomando a experiência recente no exercício das políticas públicas, uma primeira observação que pode ser feita ao nível mais geral refere-se ao fato de que parece existir algum consenso sobre a necessidade de pensá-las “territorialmente” e/ou “espacialmente”, havendo, a princípio, um nível “intermunicipal” de articulação para se operacionalizar propostas de desenvolvimento, reconhecendo os limites da dimensão local/municipal para tanto. Nessa direção, um ponto que ainda merece um esforço maior de compreensão é o uso indiscriminado do conceito de “território”, que em muitos casos torna-se simplesmente sinônimo de micro ou mesorregião, sem atentar para o fato de que ele envolve um conjunto de relações, disputas e interesses e de que não há um único território, mas territórios sobrepostos conforme as questões que são colocadas como centrais.

A criação dos territórios, em particular daqueles no meio rural, tem permitido estabelecer as condições necessárias à instauração de um diálogo constante em torno do desenvolvimento entre os diferentes atores sociais locais que até então tradicionalmente não “se falavam”. Esse processo tem contribuído para revelar, como bem lembrou a professora Tânia Bacelar de Araújo em sua brilhante exposição no evento, a diversidade de situações sociais presentes no espaço brasileiro, em especial aquelas cujos atributos locacionais (rural) e regionais (Norte e Nordeste) passam praticamente despercebidos da população metropolitana residente na região Centro-Sul do país.

Contudo, são diversos os desafios que a política de desenvolvimento territorial no Brasil enfrenta. Até o momento, mesmo que algumas experiências dos territórios da SDT tenham sido bem-sucedidas, ainda são numerosos os casos em que os resultados da implementação dessa política têm sido modestos e reduzidos. Nesse sentido, são muitos os territórios em que os fóruns ou colegiados não se fazem representativos de todos os segmentos sociais da agricultura familiar local, de forma que acabam por excluir de sua dinâmica aqueles segmentos menos articulados e mais carentes. Ainda são recorrentes os casos em que os planos territoriais elaborados encontram-se limitados na sua abordagem de “desenvolvimento”, incorporando apenas projetos setoriais e produtivos e excluindo de sua formulação a articulação da agricultura familiar e das áreas reformadas com outros importantes segmentos sociais.

Por outro lado, a territorialização que emerge a partir da ação do setor público deu origem, em algumas regiões e/ou estados do país, a uma negociação sobre a delimitação e o reconhecimento desses novos espaços de articulação, como foi o caso, por exemplo, do Estado da Bahia, mas também de Sergipe, Pará, entre outros. Tal experiência, referindo-nos aqui particularmente ao caso dos territórios rurais, tem possibilitado o exercício de outras políticas e/ou programas que vêm se valendo dessa escala territorial para suas estratégias de planejamento, como, por exemplo, a elaboração dos Planos Plurianais (PPAs) de alguns governos estaduais. Um aprimoramento dessas iniciativas contribui, certamente, para o reforço e legitimidade de ações que buscam o estabelecimento de uma base espacial comum para sua operação.

A abordagem territorial surge como um dos possíveis elos facilitadores do diálogo entre o poder público e os atores/movimentos sociais. Há, nesse sentido, uma mudança de postura, especialmente por parte do governo, tanto no âmbito federal quanto no estadual, abrindo espaços e instâncias que permitem a prática desse diálogo. Uma das iniciativas recentes, na área rural em especial, foi a criação dos chamados territórios de identidade (num total de 126 até o momento) no âmbito do Programa de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (PDSTR). Uma vez que estamos tratando da construção de territórios de identidades, devemos ter em mente, entretanto, que essas identidades não são “cristalizadas”. Não existe, portanto, uma única identidade territorial, sendo as várias dimensões dessas identidades acionadas de acordo com os objetivos e com as próprias políticas que são postas em prática no momento. A própria política territorial, no limite, é formadora de uma identidade específica, reativa ao conjunto de instrumentos operados pelos programas pautados pela abordagem territorial. O mesmo grupo de atores sociais pode acionar diferentes identidades de acordo com seus objetivos ou espaços nos quais atua.

Assim, a abordagem territorial toca em outros pontos que nos parecem centrais: ela tem sido eficaz em dar visibilidade a alguns atores sociais que já possuíam algumas condições positivas de reivindicação e participação (é o caso, entre outros, do movimento sindical de trabalhadores rurais). No entanto, é preciso que avancemos mais em direção a um processo de empoderamento dos “invisíveis”, aqueles atores sociais que atualmente não conseguem ter acesso nem participação nas políticas territoriais. Há diversos atores que não estão necessariamente bem representados, organizados, e que precisam ser incluídos (particularmente populações nativas ou tradicionais).

Os desafios ainda incluem a consolidação desses novos espaços de governança, trazendo os atores sociais a participar dos processos decisórios (que não correspondem apenas às decisões sobre as políticas públicas, mas também ao próprio processo de implementação e desenho das mesmas). Nessa nova institucionalidade da governança emerge um aspecto constantemente relatado nos depoimentos sobre as experiências recentes, qual seja a relação travada com o poder local, principalmente com as prefeituras. Há casos em que os territórios conseguiram efetivamente o apoio dos prefeitos e há situações em que os governos municipais se opõem, deliberadamente ou não, ao enfoque e à política territorial. E essa oposição se reflete desde o atraso (ou a não-implementação) de projetos ao processo de endividamento de algumas prefeituras, comprometendo o repasse de recursos estipulados pelo programa (na medida em que parte dos mesmos deve ser operada por esta instância).

A articulação dos atores sociais, tema que privilegiamos para este artigo, pode, e parece, ocorrer intraterritório e interterritorio. Os processos não são necessariamente de baixo para cima ou de cima para baixo. Eles demandam um misto de protagonismo dos atores locais com atores externos, nas mais variadas escalas. Por isso, em certos casos existem grupos de atores que não atuam apenas no território, mas muitas vezes recorrem em suas reivindicações diretamente a esferas supra-estaduais e/ou nacionais. Em outros casos, a presença local ou territorial de atores minimamente organizados é fundamental para potencializar os resultados de uma política pública, aumentando o grau de cobertura da mesma, bem como garantindo sua efetividade.

Um ponto relativamente ausente na maior parte das discussões sobre o tema refere-se à associação do processo de desenvolvimento territorial com a reforma agrária. É importante reconhecer que a reforma agrária tem um impacto significativo no ordenamento territorial, pois envolve uma reespacialização dos atores e dos projetos coletivos. Isso precisa ser reavaliado nas discussões de desenvolvimento territorial. Outro fator ainda pouco trabalhado e que, em nossa opinião, não poderá ser tratado no curto prazo é que esses territórios poderão vir a ser, a médio e longo prazos, um fator de atratividade de novos atores sociais. Há uma dinâmica demográfica que precisa ser pensada, para além do atendimento às populações e organizações existentes atualmente nessas regiões, incorporando os fluxos que essas mesmas políticas podem engendrar no futuro. Se a proposta de constituição dos territórios da cidadania (conjugando numa mesma base espacial diferentes políticas setoriais – saúde, ambiental, educação, cultura, desenvolvimento agrário etc.) for exitosa, haverá certamente um desestímulo ao êxodo rural (ou das pequenas e médias cidades) e talvez um estímulo à entrada (e/ou retorno) de novos habitantes.

É justamente na base local/territorial que se dá, efetivamente, o processo de articulação de políticas (um dos temas que deixamos de abordar aqui). Notícias recentes, informando sobre o cruzamento de programas sociais e setoriais, como o Bolsa Família, o Luz para Todos, o Programa Nacional de Crédito para a Agricultura Familiar (Pronaf), o Programa de Reforma Agrária, a Previdência Social Rural, mostraram que esse “mix” de políticas passou a ser acionado pelos agricultores familiares e assentados (mesmo com percalços e descontinuidades), rebatendo fortemente no cálculo estratégico dos mesmos sobre sua capacidade de permanência e reprodução nessas áreas, ou melhor, para ficarmos nos termos desse texto, nesses territórios.

Por Sérgio Pereira Leite, que é professor do Curso de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e coordenador do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura (OPPA) da mesma instituição.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.cartamaior.com.br.

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