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Os 20 anos da Constituição e um debate necessário

Este ano a Constituição Federal brasileira faz 20 anos. Lei máxima do país, código e reserva do estado de direito, lugar garantidor da democracia, dos direitos sociais e das liberdades individuais. Podem-se usar estas e muitas outras palavras para definir a importância que a Constituição teve e tem, fosse naquele ano de 1988, como ponto de refundação da vida republicana, seja agora como paradigma de luta pelas igualdades que ainda marcam a ferro a sociedade e o país. Neste 2008, o Núcleo de Direitos Humanos Econômicos Sociais Culturais e Ambientais da Fase inicia uma série debates e ações para celebrar e ao mesmo tempo refletir sobre a Constituição.

Ao longo do ano, haverá eventos, publicações e outras formas de intervir no debate público. Um mote importante será sobre o valor efetivamente dado na realidade social àquilo que constitui o texto da lei máxima do país. Alguns exemplos são muito gritantes quando se trata do respeito aos ditames constitucionais. O caso dos direitos sociais do artigo 6 revela como a lei brasileira pode ser avançada, mas sem uma correspondência desse avanço na realidade. O artigo 6 define como direitos de todos os brasileiros a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Uma visão minimamente honesta do entorno dá conta do contraste entre a lei e a vida.

Questões mais específicas mas não menos importantes também há, como aquela da função social da propriedade. Estabelecida pela Constituição como um dos princípios da ordem econômica (artigo 170), a função social da propriedade ainda está cerca de polêmicas acerca de seu significado e suas implicações. De um lado, há os que consideram a propriedade privada sagrada e intocável sob qualquer aspecto e qualquer condição. E há os que crêem que, em cidades onde imóveis e terrenos particulares são deixados vazios para aguardar uma valorização, enquanto hordas de seres humanos dormem nas ruas ou em casas inadequadas, a função social da propriedade seria abrigar estas pessoas nestas propriedades. Ainda que privadas, conforme a Constituição, estas propriedades têm função social, conforme a Constituição.

Assim, a Fase inicia um debate com a sociedade acerca do valor da Constituição. Seu valor intrínseco e histórico é evidente. Mas e na alteração cotidiana da realidade ao nosso redor, em que medida a Constituição se envolve e é envolvida na garantia efetiva dos direitos de todos? Ressalvando-se, é claro, que garantir direitos é sua função primordial. Ao longo do ano, vamos repetir uma afirmação-questionamento-provocação: “Constituição, vale o que está escrito”.

NOTÍCIA COLHDA NO SÍTIO www.fase.org.br.

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DIREITOS E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

Vinte anos da Constituição de 1988: o balanço do Estado dos direitos no Brasil

O ano de 2008 será uma oportunidade para que a sociedade brasileira realize uma avaliação do efetivo cumprimento dos direitos inscritos na Constituição brasileira. As regressões no plano institucional e no plano da efetivação do caráter programático e normativo da nossa Carta constitucional devem sofrer a avaliação por parte dos movimentos e organizações da sociedade, bem como por parte dos pesquisadores da academia, dos operadores jurídicos e dos agentes dos três poderes públicos.

O Congresso Nacional, a magistratura, o Ministério Público e as organizações sociais devem assumir a responsabilidade de avaliar os resultados da implementação do programa democrático, expresso na Carta de 1988, que foi o resultado de grandes mobilizações pela participação popular e de grandes disputas sobre a natureza e o caráter das normas que refundaram a institucionalidade do regime democrático depois de mais de vinte anos de ditadura. Como ponto de corte da transição democrática, o processo constituinte inseriu o reconhecimento dos direitos econômicos, sociais e culturais no centro das normas orientadoras do funcionamento das instituições do Estado e dos direitos e dos deveres da cidadania.

Avaliar o resultado substantivo dos direitos e a legitimidade de nossas instituições exige uma leitura crítica do quadro de desregulação, de descumprimento e da não-efetivação dos direitos nascidos da Assembléia Constituinte. A questão da universalização do acesso aos direitos como fundamento e objetivo de realização de um projeto nacional com base na soberania democraticamente realizada, na forma representativa e nas formas participativas, é o principal indicador para a avaliação do estado da democracia no Brasil. Outro indicador importante deve ser construído para avaliar as tensões imanentes ao compromisso democrático de 1988 advindas dos golpes e revisões sofridas pela Constituição por força das políticas de ajuste, das medidas provisórias, e das modificações substantivas derivadas da agenda de abertura internacional sob a égide das contra-reformas conservadoras em favor do modelo neoliberal.

Devemos preparar ao longo de 2007 as atividades para a realização em 2008 de encontros e seminários qualificados sobre os temas constitucionais. No ano da comemoração de 20 anos da “Constituição Cidadã”, são necessárias mobilizações e audiências públicas que levem em conta todo o esforço histórico realizado pelas forças sociais engajadas na defesa de direitos humanos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. As atividades sobre a questão social e o estado dos direitos no Brasil devem pautar o questionamento sobre a consistência e a legitimidade de nosso ordenamento Constitucional, na perspectiva de reconstrução de estratégias para implementar um desenvolvimento com base na efetivação da justiça social.

Os temas do pacto federativo, orçamento, fundos e políticas públicas, participação democrática, sistema de proteção, garantia e promoção dos direitos humanos, acesso ao sistema de justiça, os conflitos e a violência do Estado e na sociedade, a crise do Estado, os problemas da representação política, o colapso e a crise do modelo de desenvolvimento concentrador de renda e poder, o direito à informação e à comunicação, as questões da ciência e da tecnologia, os problemas da discriminação racial, sexual, de gênero e de geração devem ser colocados em debate pois relacionam a estrutura e os processos de nossa democratização inconclusa sob o olhar crítico da reflexão sobre a qualidade de nossa democracia. A questão das desigualdades e da segregação social, espacial, étnica, de gênero e de geração deve servir de guia para o debate sobre a Constituição como instrumento material e simbólico, objetivo e subjetivo, de viabilização da transformação das realidades encontradas em nossa vida cotidiana.

O problema da legitimidade e da legalidade do ordenamento jurídico-político se traduz nos conflitos sobre o cumprimento e descumprimento do Estado Democrático de direitos, nos termos definidos pelo compromisso com a ampliação da cidadania enquanto conjunto de práticas. A questão constitucional da democracia depende do poder vivo da sua apropriação permanente pela soberania popular, como fundamento das ações pela exigibilidade e a justiciabilidade do direito ao desenvolvimento com base na realização do bem-estar individual e coletivo. O impulso da democratização se relaciona com a afirmação prática do direito a ter direitos, da tradução concreta do ideal da igual-liberdade como fator simbólico e fator objetivo da democratização. A questão da efetivação do Estado e do estatuto dos direitos deve guiar a ação ético-política, com base no sistema de garantias e na orientação normativa do processo de efetivação material e publicização das práticas de uma cultura democrática enraizada na vida social e política de um país.

A agenda dos movimentos de direitos humanos e da cidadania organizada deve incluir a tarefa de avaliação do estado de cumprimento dos direitos, de enfrentamento dos desafios lançados em 1988 de modo a produzirmos a mudança de rumos para avançarmos efetivamente na democratização. Esta deve ser uma maneira de superarmos as desigualdades, a segregação, a discriminação e a injustiça social em todas as suas formas no plano do poder decisório e na vida cotidiana nos diferentes contextos territoriais da cidade e do campo.

O cruzamento das pautas de reivindicação de todos os movimentos e redes de organizações sociais, das plataformas de mobilização pela exigibilidade e a justiciabilidade de direitos, precisa acontecer na esfera pública nacional. Trata-se de mobilizar a opinião pública para atualizar as reivindicações, buscando fortalecer as alianças capazes de garantir os avanços da democratização em todos os planos da vida nacional. Esse processo deve ser consistente, no plano da reflexão e no plano da ação e pressão cívico-política de caráter democrático, como resgate da dimensão pública e constituinte dos sujeitos coletivos desencadeados na luta contra o autoritarismo. Deve também reafirmar o paradigma dos direitos na luta contra as desigualdades, na luta pela participação com base na mobilização constituinte pela afirmação e universalização dos direitos, na sua relação com os termos das normas e no roteiro aberto por aquele primeiro capítulo nascidos das lutas que movimentaram nossa transição democrática, ainda hoje restrita e bloqueada.

O poder constituinte do povo exige sempre uma perspectiva ativa na conquista de direitos, com o resgate vivo da memória das mobilizações e da participação popular no processo político. As grandes questões do futuro de nossa sociedade e do caráter do nosso Estado servem de referência para o exame das obstruções das normas programáticas da Constituição. Nesse movimento de avaliação do processo entre 1988 e 2008 cabe o resgate dos fundamentos constituintes da luta pela democratização como processo de transformação radical dos nossos territórios de desigualdades. Resgatar a dimensão e a consciência do poder da cidadania na ótica das grandes maiorias depende do reconhecimento e efetivação dos direitos de todos e todas. A letra da lei torna-se letra morta quando a democracia perde os desafios do poder constituinte e da soberania popular como fundamento da República.

Por Pedro Cláudio Cunca Bocayuva, que é diretor da FASE.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.fase.org.br.

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