fetec@fetecpr.com.br | (41) 3322-9885 | (41) 3324-5636

Por 19:43 Sem categoria

Greve, há 30 anos, enfrentou a ditadura, o poder econômico dos banqueiros e marcou a retomada do movimento bancário de massa

Cruzar os braços dentro da agência

São Paulo – Casa de Portugal, noite de 30 de agosto de 1978. Milhares de trabalhadores de bancos públicos e privados realizavam a maior assembléia de bancários desde a implantação do Ato Institucional nº 5 para deflagrar, a partir de 1º de setembro, uma greve geral da categoria.

Inspirados no slogan dos metalúrgicos do ABC – Braços Cruzados, Máquinas Paradas –, que meses antes haviam iniciado greve na Scania, o movimento bancário, liderado por um grupo de oposição à diretoria do Sindicato à época, utilizou o Cruzar os Braços, Dentro da Agência. A idéia consistia basicamente em não trabalhar e não aceitar provocações, num protesto pacífico. Estratégia definida na assembléia do dia 30, uma quarta-feira, e que marcou o início do movimento para a sexta, 1º de setembro. A quinta-feira, 31, seria utilizada para conscientizar toda a categoria para a mobilização.

A adesão não chegou a ser a esperada pelo Comando de Greve, justamente porque a pressão nas agências, das chefias e da clientela, era imensa. Muitos, no entanto, seguiram a orientação, inclusive deixando as agências e se dirigindo ao Sindicato. “Foram pegos de surpresa, a diretoria da época simplesmente abandonou o movimento, fechando a sede para os trabalhadores e para a oposição”, diz Luizinho Azevedo, um dos líderes dessa oposição que à época era funcionário do Banco do Brasil, lembrando que a solução foi montar uma mesinha no pátio da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

“A greve começou forte, mas ninguém conseguia seguir a orientação do comando, pois diferentemente das fábricas, os bancos tinham diversos chefes de departamento, além da pressão natural da clientela. Isso fez com que a greve, que tinha tudo para ser vitoriosa, acabasse logo”, avalia. “A própria estrutura das concentrações era diferente da fábrica. Nos prédios ninguém sabia se o andar de cima ou de baixo estava aderindo ao movimento, uma tremenda insegurança que também inviabilizou aquela luta”, diz. Mesmo assim, em concentrações como a do Banco do Brasil na Avenida São João, cerca de 200 dos 1.500 funcionários permaneceram parados em seus locais de trabalho.

A resposta das autoridades foi dura. Principalmente em função de o regime militar ter colocado em vigor o Decreto Lei 1.632, que colocava os bancos na esfera de serviços essenciais, proibindo que trabalhadores da compensação, por exemplo, entrassem em greve. A Polícia Federal, que tinha o atual senador Romeu Tuma na Superintendência, invadiu o Sindicato, prendendo vários bancários. A Tropa de Choque tomava conta do Centro para reprimir os manifestantes.

Na porta – “Fazíamos também reuniões na Catedral da Sé para distribuir os pacotes dos boletins da oposição entre nossos militantes. A polícia estava do lado de fora e bastava sair na rua para que recolhessem grande parte do material”, lembra o então funcionário do Banerj (Banco do Estado do Rio de Janeiro) Gilmar Carneiro. O bancário foi presidente do Sindicato entre 1991 e 1994.

Gilmar explica que o ambiente político de mudanças era imensamente favorável e a greve dos bancários recebia apoio do movimento estudantil, dos metalúrgicos do ABC, dos jornalistas, padeiros, da Frente Nacional dos Trabalhadores. “Era um amplo movimento contra o regime militar, onde todos ajudavam todos”, reforça.

Nas assembléias, a presença de funcionários dos bancos privados como o Nacional, Unibanco, Bradesco, entre outros, era maior que a dos públicos. “Foi uma greve que teve um saldo político importantíssimo. Foi dessa greve que a oposição saiu fortalecida e ganhou a eleição no Sindicato no ano seguinte. E nos posteriores, as oposições ganharam as diretorias dos sindicatos de bancários das principais capitais, criando condições para uma nova greve em 1979. Essas duas, 78 e 79, serviram de aprendizado para consolidar uma organização no local de trabalho que permitiu a histórica greve nacional de 1985”, explica.

E, em meio ao movimento, os dirigentes do Sindicato da época fecharam um acordo com os banqueiros no Tribunal Regional do Trabalho. Colocando um fim à greve, mas não ao movimento que havia nascido.

Repressão – Muitos bancários foram perseguidos politicamente durante e após a greve de 1978. Gilmar e outros dois companheiros do Banerj foram presos quando auxiliavam na greve do Banco do Brasil, na Avenida São João. “Depois fui solto e quando retornei à minha agência fui informado que estava demitido por ter feito a greve. Isso só não foi confirmado porque o pedido de dispensa foi barrado no Rio de Janeiro”, destaca Gilmar.

Trabalhadores foram duramente espancados no dia da greve na Cidade de Deus, matriz do Bradesco, em Osasco. A notícia saiu no jornal O Batente: No dia 1º de setembro, data prevista para o início da greve, o ambiente era tenso na Cidade de Deus. Uma duvida ficava no ar: como parar e a que horas? A dúvida persistiu até a hora do almoço, quando a gerência da seção de cadastramento, onde trabalhava Paulo José de Lima, segurou todos os funcionários, para depois libera-los aos poucos.

– Quando chegou a minha vez – lembra Paulo – vi que o gerente ficou à frente da porta de saída e mandou que seus capangas me revistassem. Fiquei espantado, pois não fiz nada que justificasse aquela atitude. Tentei sair rapidamente da sala, mas não consegui. Os guardas me cercaram e, armados de cacetetes, me espancaram na frente de outros colegas, que permaneceram imóveis sem saber o que fazer.
– Em seguida – continua Paulo – me colocaram num Volks azul, do próprio banco e me levaram dali. Quando estávamos próximos da Via Yara, já em alta velocidade, me atiraram para fora.

Paulo, posteriormente, foi demitido do Bradesco, mas antes registrou Boletim de Ocorrência contra seus agressores.

Por Jair Rosa – 29/08/2008.

=========================================

Lula lembra greve de 78 e conta as lições da história

Presidente relembra, ao lado de antigos companheiros, a construção de um outro jeito de fazer sindicalismo que mudou os rumos do país

São Paulo – A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, na comemoração dos 30 anos da greve da Scania, pode ser comparada com a chegada de um velho amigo a uma roda de companheiros que nunca deixou de freqüentar.

Há uma sem cerimônia com o ex-sindicalista. Admiração, mas sem reverência.

Comentários, brincadeiras, provocações, faziam esquecer rapidamente todo o aparato de segurança próprio à presença de um presidente da República.

Lula menciona o nome ou apelido de dezenas de amigos e a história de cada um deles. Dá a impressão de que logo vai descer do palanque e sair carregado nos braços da multidão, exatamente como as imagens mostradas pouco antes da sua chegada. O filme Linha de Montagem, de Renato Tapajós, exibido ao lotado auditório do Sindicato neste 12 de maio de 2008, narra a trajetória dos metalúrgicos nos anos de 1978, 1979 e 1980, período das grandes greves do ABC, cujas históricas assembléias lotavam o estádio da Vila Euclides e transformaram o cenário político brasileiro.

Quando a assembléia tinha de acontecer naquele auditório, lembrou o líder sindical de então, era preciso fazê-la em vários “turnos” no decorrer do dia. Lula disse não estar ali para falar de “nostalgia”. Relembrou histórias, fez brincadeiras e piadas. O carisma e a simpatia transbordavam, e na platéia viravam diversão e emoção.

Será que é verdade? – Comemorar os 30 anos de greve da Scania significava comemorar uma história vitoriosa, a sua história incrivelmente vitoriosa.

“Fomos uma forte razão, um impulso para a conquista da democratização do nosso país”, disse Lula emocionado. “Às vezes fico olhando para o teto, em casa, e me perguntando: será que é verdade que sou o presidente da República?” A resposta veio sob a forma de aplausos e de gritos de “um, dois, três, é Lula outra vez”. Para decepção de parte da imprensa, Lula fez que não era com ele. O público parece ter entendido que o assunto constrange o presidente e, numa nova tentativa ao final do ato, o coro da re-reeleição não prosperou.

Lula comemorou a influência daquelas greves na história do país, mas tentou ser didático ao lembrar que, na ocasião em que aconteceram, houve momentos em que os resultados tiveram “gosto de derrota”. Mencionou que a direção do sindicato foi taxada de traidora ao sugerir a suspensão da paralisação da Scania dois dias depois, mediante um acordo depois não cumprido pela empresa. “Naquele dia aprendi o que é ser herói e bandido, na mesma hora.” Explicou que esse resultado – aliado ao pesado ambiente de repressão – inibiu greves que se desenhavam na Volks e na Mercedes. E enfatizou que a coragem dos operários da Ford, que foram à greve, teve resultados que se espalhariam por outras empresas e foi fundamental para o fortalecimento dessa “arma”.

Prosseguindo na dialética da memória, descreveu a greve de 1979 como mais um aprendizado, em que toda a categoria soube o momento de encerrar o movimento com um resultado econômico pouco satisfatório, mas com um forte acúmulo sobre a importância de se preservar as lideranças do movimento – ameaçadas de prisão e demissões – e de se acumular forças para o futuro. No mesmo ano, a categoria criou o Fundo de Greve, para que futuros movimentos resistissem a uma possível tomada do sindicato pelo governo militar. Que foi o que aconteceu no ano seguinte.

História – “A greve de 1980 durou 41 dias. Não tivemos nenhuma conquista material, mas ganhamos uma consciência política que nos deu a convicção de que deveríamos nos organizar de outras maneiras… Aprendemos que o sindicato existe para melhorar a relação capital-trabalho. Mas para transformar a sociedade era preciso fazer política.” No mesmo ano foi criado o Partido dos Trabalhadores. E em 1983, a Central Única dos Trabalhadores.

“Sou um pouco o resultado do que cada um de vocês representa ou representou para o país. Tudo que aprendi nesse sindicato me formou como dirigente sindical, como político, como presidente da República.” Lula lembrou dos erros e acertos à frente do sindicato, dos dias de prisão durante a ditadura, e da confiança que aqueles anos consolidaram entre trabalhadores e dirigentes sindicais.

“A greve da Scania marcou minha vida e foi um tiro de misericórdia nos empecilhos que criavam dificuldades para a conquista da democracia. Muitas vezes as pessoas estão aqui e não dão valor para tudo isso porque pegaram já pronto e não se recordam do sacrifício feito no passado para que este resultado fosse possível”, completou Lula. O ex-dirigente citou os metalúrgicos do ABC e os bancários de São Paulo, como alguns dos mais avançados sindicatos do país, mas alertou que ainda são exceção e que ainda existem muitas categorias que têm dificuldade para se organizar.

“A gente não constrói uma nação se ela não conhece sua história. E maio de 1978 faz parte da história política desse país”, disse o presidente, antes de finalizar, emocionado. “Eu não sei quando vou morrer, mas sei que o que já vivi foi o suficiente para dizer muito obrigado aos trabalhadores brasileiros.”

Por Cláudia Motta – 14/05/2008.

========================================

Surgimento do novo sindicalismo faz 30 anos

Três decadas depois, Brasil de hoje é muito melhor do que o do contexto em que aconteceu a greve dos metalúrgicos de 1978

São Paulo – A manhã fria e algumas lideranças das antigas. Talvez essas fossem as únicas semelhanças entre a sexta-feira, 12 de maio de 1978, e esta segunda-feira, 30 anos depois, na fábrica da Scania, em São Bernardo do Campo. Três décadas atrás não havia carro de som lotado na porta fazendo protesto. Os protagonistas – aqueles que passaram a se chamar de “companheiros” –, revoltados com mais um holerite sem reajuste salarial, colocaram em prática o lema “braços cruzados, máquinas paradas”.

Os jovens rostos que contemplavam de dentro dos portões da Scania a sucessão de discursos emocionados talvez não se dêem conta da magnitude da história que naquele momento estava a ser comemorada. A greve da Scania significou a retomada do sindicalismo no Brasil. Aconteceu em plena vigência do Ato Institucional nº 5, o famigerado AI-5, que cassou direitos e liberdades, inclusive o de manifestação dos trabalhadores.

Os operários da Scania permaneceram parados durante dois dias, mas foi o suficiente para romper com a conjuntura instalada à época.

“O filme está passando na minha cabeça”, disse emocionado Gilson Menezes, duas vezes prefeito de Diadema e diretor do Sindicato na Scania naquela greve. “Tinha dois filhos pequenos e sempre que saía para trabalhar ia até o berço para beijá-los. Naquele dia não consegui, tamanho o peso da responsabilidade nas minhas costas.”

Naquela época, o governo fixava os reajustes salariais, mas o Sindicato fazia reuniões com os trabalhadores mostrando a injustiça daquela situação. “Saiu matéria numa revista que mostrava os lucros da Scania. Números fabulosos. Xeroquei a reportagem e preguei nos banheiros. Aí começou o comentário, a empresa com tanto lucro, mas aumento no salário, que é bom, nada. Com isso, sentimos que as coisas estavam fervendo, os trabalhadores discutindo e propus a greve para os companheiros do Sindicato. Muitos duvidaram que seria possível organizar o movimento”, relata Menezes. Às 7h da manhã, quando começou o turno do dia 12, o pessoal da Ferramentaria, o coração da fábrica, manteve as máquinas desligadas.

Gilson foi chamado pelos patrões que queriam saber os nomes das lideranças e intimidar: “Antes de começar a reunião eles perguntavam se eu não tinha medo de ser jogado em alto mar, assassinado, porque vivíamos na ditadura militar.”

Dignidade – A socióloga e diretora da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Laís Abramo, escreveu o livro o Resgate da Dignidade: Greve Metalúrgica e Subjetividade Operária, editado em 1987, em que resgata cenários e situações que desencadearam a greve de 1978. “Foram homens e mulheres que tiveram a coragem de inventar caminhos naquele momento tão difícil”, relembra, citando o ineditismo do movimento, que encorajou uma série de paralisações envolvendo outros 280 mil trabalhadores de diversas categorias, num período de dois meses. Quatro meses depois daquele 12 de maio, 1 milhão de pessoas já tinham recebido reajustes acima do estipulado pelo governo.

Em 1978 os bancários ampliaram a mobilização e, um ano depois, a militância bancária retomava o Sindicato.

Laís, à época, participava do movimento estudantil e retrata a greve da Scania como o resultado de três processos: o lento acúmulo de uma série de movimentos de resistência, como as operações tartaruga, as ações do Sindicato dos Metalúrgicos e a conjuntura política. Para Laís, o regime autoritário vivia uma crise de legitimidade. “O clima de combate à ditadura, vindo das manifestações dos estudantes e dos trabalhadores, permeava a sociedade.”

A greve de 12 de maio de 1978 exigia reajuste salarial de 20%, mas o significado principal foi o resgate da dignidade. “Os trabalhadores queriam o direito de andar de cabeça erguida, como dizia Lula, à época”, conta Laís Abramo.

O então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo é o convidado de honra das comemorações que marcam o 12 de maio e o nascimento do novo sindicalismo. Antes, durante o lançamento do Plano de Desenvolvimento Industrial, no Rio de Janeiro, Lula lembrou a importância histórica dessa greve para mudar as relações de trabalho. “Sinto-me vitorioso porque vejo que as coisas estão acontecendo em nosso país”, disse o presidente da República, lembrando que há 30 anos havia um Estado forte, mas autoritário. Lula enfatizou que hoje busca fortalecer o papel do Estado, mas num ambiente democrático, em que toda a sociedade é ouvida.

Único – Para o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, lideranças como Lula aparecem uma ou duas a cada cem anos. “Lula é a precisa convergência entre as qualidades do indivíduo e seu momento histórico”, descreveu o cientista político e por muito tempo assessor do então dirigente sindical metalúrgico. Vannuchi, que foi preso nos porões da ditadura, fez questão de ressaltar: “Somos vencedores. Fazemos parte da primeira, maior e única vitória da minha geração, mas que pode se dar por perdida se descuidarmos. Tudo o que está em curso pode ir para um rumo ou para outro. Como dizia Machado de Assis, é um caminho que se faz ao caminhar”, referindo-se à eleição de um presidente oriundo da classe trabalhadora.

“Em cinco anos, mais de 20 milhões de pessoas migraram da miséria absoluta. São milhões de brasileiros que agora têm direito de a ter direitos.” Mas, alerta Vannuchi, não se pode descuidar. “Não há porto seguro na história. No combate há sempre o risco de perda. A luta, ou é de massa ou se vulnerabiliza para o derrota”, ensina o cientista politico.

É quando a teoria confirma a prática, endossada pelas palavras do ex-diretor do Sindicato Djalma Bom que com voz embargada disse, neste 12 de maio de 2008, a uma platéia cheia de novos e velhos metalúrgicos: “Não podemos esquecer a solidariedade entre a classe trabalhadora. Por ela, eu faria tudo que fiz e um pouco mais”.

Por Cláudia Motta – 12/05/2008.

NOTÍCIAS COLHIDAS NO SÍTIO www.spbancarios.com.br.

Close