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A doença do trabalho e o nexo técnico epidemiológico previdenciário

A DOENÇA DO TRABALHO E O NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO – NTEP

O objetivo central do presente debate é acentuar as discussões acerca das modificações legislativas, que introduziram em nosso sistema o Nexo Técnico Epidemiológico como metodologia de reconhecimento da doença como sendo do trabalho. Deste modo, parte-se das seguintes indagações: o que é Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário? Qual sua origem? Por que foi criado? Como funciona? Quais são seus efeitos práticos? Com base nos referidos questionamentos é que serão tecidas algumas considerações sobre o tema.

I. DO VELHO AO NOVO: O NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A DOENÇA E O TRABALHO ANTERIOR AO NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO

A princípio, deve-se ressaltar que a sistemática implantada para fins do reconhecimento do nexo de causalidade entre a doença e o trabalho parte do amadurecimento teórico e prático, transplantada para o ordenamento jurídico, em relação à matéria relacionada prevenção da saúde do trabalhador.

A legislação atual, bem como o conceito de Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, trata-se de uma tentativa no sentido de garantir ao hipossuficiente da relação de trabalho, a proteção quando do aparecimento de enfermidades relacionadas à atividade econômica desenvolvida. Não bastasse isso, na lógica empregada, a empresa passa a ter uma redução tributária, quando da redução dos acidentes relacionados ao trabalho, ou majoração, no caso de aumento dos acidentes.

Segundo a sistemática anterior, as empresas pagavam ao INSS, a título de seguro acidente do trabalho – SAT, as alíquotas de 1%, 2% ou 3%, de modo rígido, pelo simples fato de pertencerem a um mesmo segmento econômico, definido segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE, sendo desconsiderado, contudo, se a empresa investia ou não em prevenção.

De contrapartida, o trabalhador acidentado ou adoecido, para conseguir um beneficio acidentário junto ao INSS, caso a empresa não emitisse a CAT, teria que provar, a duríssimas penas, que os danos à sua saúde decorreram ou foram agravados pelo seu trabalho.

O INSS, por sua vez, por intermédio dos seus peritos, tinha a incumbência de dizer se existia incapacidade e, principalmente, se era ocupacional ou não, mediante a relação que a Previdência Social estabelecia, numa visão individualista, entre o diagnóstico e a ocupação; entre acidente e a lesão; entre acidente e causa mortis do trabalhador, chamado Nexo Técnico Previdenciário – NTP, conforme disposto no art. 337 do decreto 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social – RPS).

O Nexo Técnico Previdenciário obrigava o perito a estudar o caso concreto para, se possível, reconhecer a doença como sendo decorrente do trabalho. Em outras palavras, o INSS, em relação ao trabalhador com dor nas costas (diagnostico: lombalgia, por exemplo), teria que estudar as atividades desenvolvidas por ele para tentar estabelecer uma relação causal (ou concausal) entre essas atividades e lombalgia, independentemente se as dores são corriqueiras entre seus colegas.

A doença seria transcrita na CAT, se a empresa viesse a emiti-la. Ao requerer o beneficio o trabalhador levaria a CAT, emitida pela empresa, e, em geral, o INSS determinaria a existência do NTP como ocupacional e concederia o beneficio como auxílio-doença acidentário (B91). Mas se a CAT não fosse emitida pela empresa, o INSS simplesmente presumiria o NTP como não ocupacional e concederia o beneficio como auxílio-doença previdenciário (B31). Portanto, o ônus da prova seria sempre da vítima, ou melhor, do trabalhador.

II DOENÇA DO TRABALHO: A PERVERSIDADE DO SISTEMA E A NECESSIDADE DE MUDANÇAS

O sistema previdenciário, para fins de reconhecimento do nexo de causalidade, era perverso para todos os envolvidos. Isso porque a boa empresa (que acidenta-adoece e mata menos) não se beneficiava por investir na prevenção dos postos de trabalho, tendo em vista que a sua carga tributária seria a mesma de outras empresas do mesmo grupo econômico, daquelas que nada investiam em prevenção.

A sistemática anterior não permitia às empresas que adotassem medidas preventivas em relação à saúde e segurança do trabalho recolhessem menos tributos, ou seja, paga menos tributo quem adoece menos (bonus x malus).

Não bastasse isso, o INSS passou a ser algoz do trabalhador, produtor de burocracias, defensor de empresas adoecedoras, injusto e, nesse contexto, merecedor de privatização. Embora o problema estivesse no inadequado investimento na prevenção de acidentes por parte de algumas empresas.

Deste modo, os trabalhadores, hipossuficientes da relação de trabalho e doentes, possuíam extrema dificuldade para reconhecimento do nexo de causalidade, bem como de garantir a estabilidade no emprego. Consequentemente, os prejuízos causados em relação aos recolhimentos junto ao FGTS destes trabalhadores, durante os períodos de afastamento, tornaram-se inevitáveis. Além disso, estes eram demitidos ainda doentes, apresentando várias dificuldades para a reinserção no mercado de trabalho, diante do quadro clínico latente.

Portanto, tornou-se inevitável que o segurado não perpetuasse o pensamento de prolongar, cada vez mais, o auxílio-doença concedido ou, como ultimo suspiro, transformá-lo em aposentadoria por invalidez. A legislação anterior também era passível de determinar que a Previdência Social se apresentasse, de certo modo, como vitima do seu próprio sistema.

Diante do descumprimento da regras que determinavam a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) e da dificuldade de fiscalização, por se tratar de fato individualizado, os trabalhadores acabavam prejudicados nos seus direitos, em face da incorreta caracterização de seu benefício.

Deste modo, tornava-se cada vez mais necessário que o Estado adotasse um novo mecanismo, que separasse os benefícios acidentários dos comuns, de forma a neutralizar os efeitos da sonegação da CAT. Pode-se afirmar, portanto, que a sistemática anterior era movida à CAT, que geralmente era sonegada sua emissão pelas empresas. Os motivos para não emissão da Comunicação de Acidente pela empresa se baseavam em aspectos políticos, econômicos, jurídicos e sociais, dentro os quais se pode destacar o seguinte:

a) O acidente-doença ocupacional era considerado pejorativo, por isso as empresas evitavam que o dado aparecesse nas estatísticas oficiais;

b) para impedir a estabilidade no emprego – que é de um ano a partir do retorno à atividade-, bem como a liberdade de poder despedir o trabalhador a qualquer tempo;

c) para não ser depositada a contribuição devida de 8% do salário do trabalhador, em conta do FGTS, correspondente ao período de afastamento;

d) para não se reconhecer a presença de agente nocivo causado da doença do trabalho ou profissional e, consequentemente, não recolher a contribuição específica ao custeio da aposentadoria especial, para os trabalhadores expostos aos mesmos agentes.

e) a CAT emitida pela empresa era considerada palavra final e inquestionável, sobre o NTP, quando na verdade era somente um ato administrativo, carente de verificação, investigação e julgamento a partir de outras evidencias;

f) a CAT sob o prisma do empregador funcionava como confissão de culpa, com conseqüências penais, cíveis, previdenciárias e trabalhistas. O INSS, de contrapartida, condicionava a concessão do benefício acidentário à apresentação, pelo segurado, atribuindo ao documento peso extraordinário.

g) as doenças do trabalho possuem agentes múltiplos, que concorriam entre si e complicavam a afirmação do diagnóstico e reconhecimento do NTP;

h) o afastamento é ocupacional ou não? Diante da duvida era mais cômodo para os médicos afirmar que a doença não era ocupacional e não emitir a CAT, isso porque é mais fácil atribuir a causalidade da doença a outros fatores que não ao trabalho, considerando que o trabalho pode ser causa suficiente, mas não a única.

i) impossibilidade de se flexibilizar tributação do SAT, se considerarmos que a CAT, como fonte primaria de estatística, onde essas obviamente seriam mais subnotificadas, ainda, por motivos óbvios; e

j) proliferação de PPRA e PCMSO, anunciados em bancas de jornal Brasil a fora, simplesmente para cumprimento cartorário de norma trabalhista, bem como das empresas de medicina ocupacional para produção de ASO e de engenharia de segurança, para elaboração de laudos de acordo com as conveniências do cliente.

Infelizmente é o que se pode constatar como problemas em relação à sistemática anterior, o que, de certo modo, justificou as mudanças introduzidas na legislação.

III. NTEP: CONCESSAO DE BENEFÍCIO E TRIBUTAÇÃO

O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário surgiu a partir de uma proposta de alteração do artigo 337 do RPS, que passaria a considerar para fins de concessão de beneficio por incapacidade a componente epidemiológica – visão coletivista – do caso. Vale dizer: NTEP = NTP + Evidencias Epidemiológicas, cuja metodologia usada para flexibilização do custeio do SAT estava descrita na Resolução 1.236/2004, do CNPS/MPS. As evidências epidemiológicas se sustentam nas seguintes premissas:

a) o trabalhador, quando admitido pela empresa, conforme exame admissional, é considerado “apto”;

b) a população de trabalhadores expostos é aquela empregada em empresas pertencentes a um segmento econômico, conforme a classificação nacional de atividades econômicas – CNAE, e que possuem processos produtivos e fatores de riscos semelhantes ou equivalentes;

c) os trabalhadores terceirizados estão contemplados na CNAE como prestadores de serviços, o que passaria a permitiria o reconhecimento da doença como do trabalho, no caso da prestação de serviços;

d) o medico é o único profissional competente para diagnosticar, enquadrar a CID, definir a terapêutica e conceder alta ao termino da recuperação, não havendo interferência externa muito menos de empresa ou terceiros. O médico é soberano tecnicamente, ainda que seja empregado; e

e) a incapacidade pode ser definida por milhares de médicos peritos do INSS e conveniados.

Deste modo, determina-se o NTEP entre capitulo CID e CNAE, a partir do estimador de riscos Razão de Chances (RC) > 1, com 99% de confiança estatística, estratificado por sexo e idade. A partir daí, o objetivo seria publicar a matriz do NTEP a cada 02 anos, presumindo-se ocupacionais todos os benefícios por incapacidade requeridos, em que o atestado médico apresente um capitulo CID que tenha NTEP com o CNAE da empresa empregadora desse trabalhador, cabendo à empresa o ônus de provar que a doença não decorre do trabalho.

IV. NEXO TECNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO: O QUE MUDOU?

A Medida Provisória 316/2006, convertida na Lei Federal 11.430/2006, trouxe profundas alterações na legislação previdenciária relativa ao acidente de trabalho, com a introdução do nexo técnico epidemiológico. A referida medida legal acrescentou o parágrafo ao art. 22, da Lei 8.212/91, para dispor que deve ser adotado um único grau de risco para todos os estabelecimentos da empresa, para fins de contribuição e financiamento das aposentadorias especiais e dos benefícios por incapacidade, decorrentes dos ambientes do trabalho.

Também foram acrescentados os arts. 21-A e 41-A, à Lei 8.213/91, para dispor, respectivamente, que se presume caracterizada a incapacidade acidentária quando verificado nexo técnico epidemiológico entre trabalho e o agravo correspondente à morbidade causadora da incapacidade do trabalhador e que o valor dos benefícios mantidos pela Previdência Social será reajustado, anualmente, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC.

A lei determinou a presunção de incapacidade acidentária quando fosse estabelecido nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, considerando-se o ramo de atividade da empresa e a entidade mórbida elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID, motivadora da incapacidade, em conformidade com o definido no Regulamento, de forma a afastar a problemática da legislação anterior.

Essa metodologia está embasada na CID. Vale dizer, em cada processo de solicitação de benefício por incapacidade junto à Previdência Social consta, obrigatoriamente, o registro do diagnóstico (CID-10) identificador do problema de saúde, que motivou a solicitação do segurado. Este dado que é exigido para a concessão de benefício por incapacidade laborativa, independentemente de sua natureza acidentária ou previdenciária, e cujo registro é de responsabilidade do médico que prestou o atendimento ao segurado, estabelece a relação intrínseca entre a incapacidade laboral e à entidade mórbida que a provocou.

Assim, denomina-se Nexo Técnico Epidemiológico a relação entre Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE e o agrupamento CID-10. É, na verdade, uma medida de associação estatística, que serve como um dos requisitos de causalidade entre um fator (nesse caso, pertencer a um determinado CNAE-classe) e um desfecho de saúde, mediante um agrupamento CID, como diagnóstico clínico. Por meio desse nexo, chega-se à conclusão de que pertencer a um determinado segmento econômico (CNAE-classe) constitui fator de risco para o trabalhador apresentar uma determinada patologia (agrupamento CID-10).

V. O FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO (FAP) E O NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO

O nexo técnico epidemiológico ganha mais importância ainda se confrontado com o Fator Acidentário de Prevenção (FAP), instruído pelo Decreto 6042/07, o qual inclui o art. 202-A no Decreto 3048/99. Em verdade, o FAP veio a regulamentar o art. 10, da Lei 10666/2003, dispositivo este que determinou a flexibilização de alíquotas de contribuição em razão dos desempenhos das empresas na prevenção dos acidentes de trabalho.

Mesmo reconhecendo que a necessidade de proteger o trabalhador que labora em ambiente ou serviço perigoso, insalubre ou penoso é a empresa que assume o risco da atividade econômica e deve responsabilizar-se pelas conseqüências das enfermidades contraídas e acidentes do trabalho sofridos pelos empregados.

Na prática, quem as suporta é o Governo, por meio do Ministério da Saúde, em relação às despesas médicas e hospitalares, e o INSS, em relação às incapacidades laborativas, temporárias ou permanentes e os óbitos.

O objetivo era introduzir mecanismos que estimulassem os empresários a investir em prevenção e melhoria das condições do ambiente de trabalho, mediante a redução, em até 50%, ou acréscimo, em até 100%, da alíquota de contribuição destinada ao financiamento das aposentadorias especiais ou dos benefícios concedidos em razão de acidentes ou de doenças ocupacionais, conforme a sua posição da empresa na classificação geral apurada em conformidade com os índices de freqüência, gravidade e custo das ocorrências de acidentes, medidas segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social – CNPS.

Para imprimir mais celeridade ao procedimento de apuração de fraudes na concessão ou manutenção de benefícios foi proposta a adequação do prazo para o beneficiário apresentar defesa, provas ou documentos que dispuser aos prazos da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

VI. NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO PREVIDENCIÁRIO: AS REPERCUSSÕES NO CAMPO PRÁTICO

Por fim, não se pode deixar de realizar algumas considerações a respeito dos efeitos das mudanças introduzidas no sistema legislativo, que introduziu tanto o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário como o Fator Acidentário de Prevenção.

Em relação ao segurado, observa-se que a dificuldade de reconhecimento da doença como sendo do trabalho continua. Em primeiro momento, tinha-se em mente que haveria uma redução das demandas judiciais por conta do reconhecimento presumido, o que não ocorreu. De contrapartida, mesmo diante do reconhecimento presumido, quando da apresentação da defesa na via administrativa pela empresa, o INSS imediatamente converte os benefícios concedidos para a sua modalidade não acidentária, situação esta que acaba perdurando em muitos casos.

Quanto à empresa, na maioria dos casos a sistemática implantada ocasionou a majoração da carga tributária, sem observar com precisão as CATs emitidas e a quantidade de reconhecimentos de doenças ou acidentes como do trabalho. Deste modo, já existem casos nos quais se discute a legalidade do INSS para determinar a alíquota de recolhimento tributário, eis que tributo não pode ser determinado de forma discricionária.

Além disso, mesmo diante da sistemática atual, não continua sendo interessante para o INSS o reconhecimento da doença como do trabalho, tendo em vista que no caso de tal hipótese deverá ser avaliada pela perícia médica a possibilidade de retorno do segurado à mesma atividade, bem como o reenquadramento funcional, o encaminhamento para o Centro de Reabilitação Profissional e, no caso de existência de sequelas definitivas, concessão do auxílio-acidente ao segurado. Na maioria dos casos, o INSS prefere programar a alta do trabalhador sem avaliar as repercussões da doença existente, o que motiva o ajuizamento de um grande número de demandas judiciais.

Aponta-se, outrossim, que a própria constitucionalidade do nexo técnico epidemiológico previdenciário está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal, na ADI 3931, impetrada pela Confederação Nacional da Indústria.

Por fim, embora a repercussão do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário não reflita as pretensões almejadas no campo prático, não se pode negar que a legislação avançou no sentido de prevenir as doenças e acidentes relacionados ao trabalho. Vale dizer, não será possível evitar todas as distorções ocorridas pela interpretação da lei. Porém, os instrumentos atuais permitem maior facilidade para corrigir as ilegalidades existentes, contribuindo, desta forma, para a efetivação dos direitos fundamentais sociais, os quais se considerem violados. Caberá agora à sociedade contribuir para que os mecanismos legais criados sejam aplicados de forma correta, de forma a não atingir os interesses individuais, mais ao de toda a coletividade.

Por Rodrigo de Jesus Casagrande, que é formado em Direito pela PUC/PR, com Pós-graduação nas áreas de Direito Empresarial (PUC/PR) e Direito Previdenciário (Unicuritiba), atualmente militante na área previdenciária.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.cutpr.org.br.

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