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Por 18:33 Sem categoria

Os donos da mídia estão nervosos

A Veja andou atrás do blogueiro Renato Rovai querendo saber como foi feita a articulação para que o presidente Lula concedesse uma entrevista a blogs de diferentes pontos do Brasil. Estão preocupadíssimos.

O blogueiro Renato Rovai contou durante o curso anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, realizado semana passada no Rio, que a Veja andou atrás dele querendo saber como foi feita a articulação para que o presidente Lula concedesse uma entrevista a blogs de diferentes pontos do Brasil. Estão preocupadíssimos.

À essa informação somam-se as matérias dos jornalões e de algumas emissoras de TV sobre a coletiva, sempre distorcidas, tentando ridicularizar entrevistado e entrevistadores.

O SBT chegou a realizar uma edição cuidadosa daquele encontro destacando as questões menos relevantes da conversa para culminar com um encerramento digno de se tornar exemplo de mau jornalismo.

Ao ressaltar o problema da inexistência de leis no Brasil que garantam o direito de resposta, tratado na entrevista, o jornal do SBT fechou a matéria dizendo que qualquer um que se sinta prejudicado pela mídia tem amplos caminhos legais para contestação (em outras palavras). Com o que nem o ministro Ayres Brito, do Supremo, ídolo da grande mídia, concorda.

Jornalões e televisões ficaram nervosos ao perceberem que eles não são mais o único canal existente de contato entre os governantes e a sociedade.

Às conquistas do governo Lula soma-se mais essa, importante e pouco percebida. E é ela que permite entender melhor o apoio inédito dado ao atual governo e, também, a vitória da candidata Dilma Roussef.

Lula, como presidente da República, teve a percepção nítida de que se fosse contar apenas com a mídia tradicional para se dirigir à sociedade estaria perdido. A experiência de muitos anos de contato com esses meios, como líder sindical e depois político, deu a ele a possibilidade de entendê-los com muita clareza.

Essa percepção é que explica o contato pessoal, quase diário, do presidente com públicos das mais diferentes camadas sociais, dispensando intermediários.

Colunistas o criticavam dizendo que ele deveria viajar menos e dar mais expediente no palácio. Mas ele sabia muito bem o que estava fazendo. Se não fizesse dessa forma corria o risco de não chegar ao fim do mandato.

Mas uma coisa era o presidente ter consciência de sua alta capacidade de comunicador e outra, quase heróica, era não ter preguiça de colocá-la em prática a toda hora em qualquer canto do pais e mesmo do mundo.

Confesso que me preocupei com sua saúde em alguns momentos do mandato. Especialmente naquela semana em que ele saía do sul do país, participava de evento no Recife e de lá rumava para a Suíça. Não me surpreendi quando a pressão arterial subiu, afinal não era para menos. Mas foi essa disposição para o trabalho que virou o jogo.

Um trabalho que poderia ter sido mais ameno se houvesse uma mídia menos partidarizada e mais diversificada. Sem ela o presidente foi para o sacrifício.

Pesquisadores nas áreas de história e comunicação já tem um excelente campo de estudos daqui para frente. Comparar, por exemplo, a cobertura jornalística do governo Lula com suas realizações. O descompasso será enorme.

As inúmeras conquistas alcançadas ficariam escondidas se o presidente não fosse às ruas, às praças, às conferências setoriais de nível nacional, aos congressos e reuniões de trabalhadores para contar de viva voz e cara-a-cara o que o seu governo vinha fazendo. A NBR, televisão do governo federal, tem tudo gravado. É um excelente acervo para futuras pesquisas.

Curioso lembrar as várias teses publicadas sobre a sociedade mediatizada, onde se tenta demonstrar como os meios de comunicação estabelecem os limites do espaço público e fazem a intermediação entre governos e sociedade.

Pois não é que o governo Lula rompeu até mesmo com essas teorias. Passou por cima dos meios, transmitiu diretamente suas mensagens e deixou nervosos os empresários da comunicação e os seus fiéis funcionários, abalados com a perda do monopólio da transmissão de mensagens.

Está dada, ao final deste governo, mais uma lição. Governos populares não podem ficar sujeitos ao filtro ideológico da mídia para se relacionarem com a sociedade.

Mas também não pode depender apenas de comunicadores excepcionais como é caso do presidente Lula. Se outros surgirem ótimo. Mas uma sociedade democrática não pode ficar contando com o acaso.

Daí a importância dos blogueiros, dos jornais regionais, das emissoras comunitárias e de uma futura legislação da mídia que garanta espaços para vozes divergentes do pensamento único atual.

Por Laurindo Lalo Leal Filho, que é sociólogo, jornalista e professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

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O diploma e os desafios contemporâneos

Não seria o caso de outros setores da sociedade – além de empresários e grupos ligados a doutrinas religiosas – também se preocuparem com a formação do profissional em “jornalismo independente”? Por exemplo, os sindicatos de trabalhadores?

São raras as atividades das quais participei nos últimos dois ou três anos nas quais, independente do tema sendo discutido, não aparecesse alguém e cobrasse minha posição sobre a obrigatoriedade do diploma de curso superior em jornalismo para o exercício da profissão de jornalista profissional.

Tenho constatado que a resposta a essa pergunta provoca inesperadas paixões e, em geral, serve como critério para colocar quem a responde no céu ou no inferno. Se a audiência for, majoritariamente, composta de estudantes de Jornalismo e/ou militantes de sindicatos de jornalistas, relativizar a importância do diploma e chamar a atenção para as transformações radicais pelas quais passa o campo das comunicações – e as incontornáveis conseqüências desse fato para o jornalismo e a profissão de jornalista – pode ser o caminho seguro para hostilidades e intolerância.

Assumo, mais uma vez, o risco e boto a minha mão no vespeiro.

Transformações radicais

Nos Estados Unidos, como se sabe, não há exigência de diploma para o exercício profissional de jornalista. Aliás, a exigência não é encontrada em nenhum país de tradição democrática.

Em artigo publicado neste Observatório há cerca de três anos, comentei que o College of Communications, na minha alma mater, a Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign, estava mudando seu nome para College of Media (ver “Ensino & Pesquisa: Mídia versus comunicação”). (http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=474JDB002)

Reproduzi a justificativa oferecida pelo então dean do College, Ronald Yates, para a troca de communications por media. Disse ele:

“O que nos realmente fazemos é estudar e ensinar ‘comunicação midiatizada’ [mediated communications] (…). Nós estudamos e ensinamos mídia – mídia velha, mídia nova, mídia emergente, mídia futura. Em resumo, o College of Communications é sobre mídia. O mais importante de tudo isso (…) não é encontrar uma nomenclatura precisa, mas dar conta das mudanças que estão ocorrendo (…). A enorme mudança que produz informação e entretenimento a qualquer hora, em qualquer lugar, tem forçado as pessoas a se adaptarem constantemente. O resultado é que elas estão ficando mais sábias e discernindo melhor como gastar o dinheiro e o tempo delas, como buscar as notícias e como responder à mídia. Essas mudanças nas formas de distribuição [de informação e entretenimento] e na maneira como as pessoas pensam a respeito da mídia provocaram mudanças no escopo das comunicações como disciplina.”

Na ocasião comentei também que, guardadas as diferenças, o “mercado” brasileiro demanda hoje um profissional que lembra os velhos pioneiros, isto é, um profissional que compreende a mídia em suas variadas dimensões, sua importância no mundo contemporâneo, e é capaz de produzir “comunicação” que possa ser distribuída em diferentes tecnologias. Em resumo: o profissional de hoje é multimídia, não é um especialista.

Apesar disso, afirmava, entre nós continuam a predominar cursos de graduação em unidades acadêmicas ainda vinculadas às divisões das velhas tecnologias, enquanto na pós-graduação prevalece uma tendência de forte fragmentação do campo de estudos (ver, neste OI, “Fragmentação versus convergência na comunicação”). (http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=430DAC001)

Posição explicitada

Em pequeno livro concluído antes da decisão do STF, de junho de 2009, que considerou “não recepcionado” pela Constituição de 1988 o decreto que requer a obrigatoriedade do diploma de curso superior em jornalismo para o registro profissional, afirmei:

“Essa é uma questão sobre a qual tenho pensado há muito tempo. Mais recentemente, o surgimento da internet e o aparecimento dos blogs fizeram com que eu consolidasse uma posição amadurecida. Acredito que a melhor solução, aliás, já adotada em muitos países, inclusive no país que sempre é tido como referência na discussão sobre o jornalismo – os EUA – é a seguinte: existem os cursos de jornalismo nas escolas, nas universidades. As entidades profissionais fazem o ranking de qualidade desses cursos, que é amplamente divulgado. Os alunos que passam pelos melhores cursos acabam sendo valorizados no mercado profissional. Apesar disso, não há Lei impedindo alguém que não tenha feito o curso oferecido nessas escolas de exercer a profissão. Isso significa que ter freqüentado cursos de jornalismo, ter diploma, não é critério para o exercício da profissão. Mas também significa, evidentemente, que as escolas de jornalismo não devem deixar de existir. Ao contrário, elas devem existir. As melhores formarão os melhores profissionais” (cf. Bernardo Kucinski e Venício A. de Lima; Diálogos da Perplexidade – reflexões sobre a mídia; Editora Fundação Perseu Abramo, 2009; p. 27).

Formação profissional

Ao longo dos últimos três anos, os fatos parecem confirmar as tendências apontadas e a posição explicitada.

Noticiou-se recentemente que “a Universidade do Colorado estuda fechar seu curso de graduação em Jornalismo para criar um programa que combine preceitos jornalísticos e de ciência da computação”. O novo curso seria algo próximo de uma “graduação em mídias”. Além disso, informa-se que não é só a Universidade do Colorado “que estuda mudanças drásticas na grade de Jornalismo ou até mesmo a extinção do curso. Ao menos outras trinta escolas no país, entre elas Wisconsin, Cornell, Rutgers e Berkeley, consideram modificar os cursos para que se adequem às novas tendências do mercado de trabalho” (ver aqui). (http://portalimprensa.uol.com.br/portal/ultimas_noticias/2010/08/26/imprensa37726.shtml)

No Brasil, aos poucos, vai desaparecendo a tradição de formação crítica e humanista das universidades públicas. Ela vem sendo substituída pelo comprometimento exclusivo com o “mercado”, predominante nos cursos oferecidos nas escolas privadas. Mais recentemente identifica-se uma clara movimentação por parte de setores do empresariado tradicional de mídia no sentido de atuar diretamente na formação profissional de jornalistas.

Além do conhecido e controvertido “Master em Jornalismo” (sic) (http://www.masteremjornalismo.org.br/cursos/), que há mais de dez anos é oferecido no Brasil em associação com a Universidade de Navarra, recentemente a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) anunciou que iniciará, no próximo ano, cursos de graduação e pós-graduação em jornalismo. Os cursos terão a parceria do Instituto de Altos Estudos em Jornalismo (IAEJ), criado em 2010 por Roberto Civita, principal executivo do grupo Abril. A pós-graduação terá ênfase em “Direção Editorial”, será coordenada pelo jornalista e professor Eugênio Bucci e, nas palavras do diretor-presidente da ESPM, deverá “aliar os valores e práticas do jornalismo independente a noções avançadas de gestão. Vamos desenvolver nos alunos a capacidade de coordenar a produção de conteúdos multimídia de qualidade” (cf. “Um impulso extra para a carreira de jornalistas” in Imprensa, nº 262, pp. 22-25).

Desafios imediatos

Não seria o caso de outros setores da sociedade – além de empresários e grupos ligados a doutrinas religiosas – também se preocuparem com a formação do profissional em “jornalismo independente”? Por exemplo, os sindicatos de trabalhadores?

A questão da obrigatoriedade ou não do diploma, inevitavelmente passará para segundo plano se considerarmos a indiscutível centralidade da mídia nas sociedades contemporâneas e a necessidade que a sociedade civil organizada tem de utilizar plenamente os enormes potenciais democratizantes que a internet oferece para tornar públicas suas posições e travar a cotidiana “batalha das idéias”.

Esse é um desafio concreto e imediato que torna mais importante – e não menos – a profissão de jornalista, mas que, ao mesmo tempo, torna inevitável a rediscussão (a) das profundas transformações que ocorrem no campo das comunicações; (b) de suas implicações na redefinição do jornalismo e do jornalista profissional; e, também, (c) do que significa a conquista do pleno exercício do direito à comunicação.

Apesar de todas as paixões que o tema desperta, não podemos esquecer que mais importante do que a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o registro profissional é a universalização da liberdade de expressão e o aprimoramento da democracia.

Por Venício A. de Lima, que é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.

Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa (http://www.observatoriodaimprensa.com.br/)

ARTIGOS COLHIDOS NO SÍTIO www.cartamaior.com.br.

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