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Certas doenças que contaminam a informação

Brasília – Estigmatizar: consultando o dicionário o leitor poderá saber que estigma é substantivo masculino que significa marca indelével, cicatriz de uma ferida ou chaga, entre outras definições. Estigmatizar significa marcar com sinal infamante um criminoso qualquer, com ferro em brasa ou outro instrumento para ele ficar marcado diante das pessoas.

Estigmatizar pode ser marcar um indivíduo ou grupo deles com rótulos cujo significado gera uma imagem estereotipada: aleijado, leproso, aidético, mongolóide.

Todos estes estereótipos foram com o tempo sendo desconstruídos à medida que a informação e o conhecimento evoluíram. Da mesma forma a discriminação que os indivíduos estigmatizados sofriam por parte da sociedade foi deixando de existir simplesmente porque nada, alem da ignorância, justificava sua existência.

Mas e quando a informação leva, no sentido contrário, a construir um estigma? Não seria esse o caso ao considerarmos a forma como a mídia vem manipulando a informação e ignorando o conhecimento científico a respeito da gripe A(H1N1)?

Em pleno século XXI assistimos à mídia reproduzindo e disseminando o preconceito contra um animal que comprovadamente nada tem a ver com as origens do vírus causador da gripe Influenza e seus mutantes contemporâneos.

Da mesma forma que a Alemanha nazista construiu o estigma contra os povos: judeu, negros e ciganos para justificar genocídios, hoje o governo de Israel estigmatiza os palestinos para justificar massacres na Faixa de Gaza e a mídia brasileira insiste em estigmatizar os suínos.

Lendo a notícia Rio Grande do Sul registra mais duas mortes provocadas pela gripe suína

o leitor Laurimar Antonio Giaretta protestou contra o uso do termo pela Agência Brasil: “No ano passado a mídia conseguiu detonar com os produtores de suínos ao falar incessantemente o termo ‘gripe suína’. Poucas exceções para o uso de um termo que de suíno não tem nada. Agora me deparo com uma agência de notícias do porte da EBC querendo fazer o mesmo. O que tem de tão errado que não dá para falar de Gripe A? Tive a sensação de que havia prazer em  falar o termo equivocadamente. Tenham certeza, senhores editores, suplantar o termo ‘suíno’ é não agredir quem não tem uma migalha de culpa e já  amarga uma de suas piores crises de sua história. Ou vocês nunca ouviram
falar do assunto?”.

Note-se que na notícia veiculada pela Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul (*), da qual a Agência Brasil extraiu as informações que publicou, em nenhum momento é citada a expressão estigmatizante “gripe suína”. Portanto sua utilização é de inteira responsabilidade editorial da própria ABr.

Pedimos licença aos leitores para reproduzirmos aqui a coluna Agência mantêm expressão “gripe suína” e leitores reclamam publicada por ocasião do surgimento da gripe A, no outono de 2009, quando diversos leitores protestaram contra a insistência no uso do termo pela agência pública de notícias.

Agência mantêm expressão “gripe suína” e leitores reclamam

26/06/2009 – 5h44

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC

Brasília – A Agência Brasil segue utilizando em suas matérias a expressão “gripe suína”. Em 12 de maio a leitora Aline Serra,produtora da TV RBA, protestou: “Vocês ainda estão usando gripe suína, quando o termo correto, agora, é Gripe A.”

Em 18 de maio, foi a vez do leitor Marcelo Guazzelli perguntar: “Reparei que vocês continuam chamando de ‘gripe suína’. O termo recomendado pela OMS não passou a ser gripe A(H1N1), ‘nova gripe’ ou coisa parecida?”

Para ambas as demandas a resposta da Agência Brasil foi a mesma: “Continuaremos a usar a terminologia ‘gripe suína’ adotada inicialmente pela OMS para facilitar a comunicação, em função do alerta feito pelas autoridades mundiais sobre a gravidade da doença: uma mudança de nome poderia levar a muitos leitores a entender que se trata de uma nova doença, e para outros, a impressão de que a ‘gripe suína’ desapareceu. ”

No entanto, se a Agência considerou válida a terminologia adotada inicialmente pela OMS para “facilitar a comunicação”, ela preferiu ignorar o fato de que, desde de 30 de abril de 2009 , a Organização Mundial de Saúde havia decidido mudar o nome da gripe devido ao temor manifestado pelas indústrias do setor alimentício em face de uma queda nas vendas de carne suína e de defensores dos animais, preocupados com eventuais sacrifícios de porcos: “Estamos abandonando a denominação de gripe suína por gripe A (H1N1) porque o vírus está cada vez mais humano e cada vez menos tem a ver com o animal”, disse Dick Thomson, porta-voz da OMS.

Outras agências noticiosas informaram na mesma data que a Federação dos Veterinários da Europa (FVE) havia comunicado que o vírus “nunca foi detectado nos porcos” e que, por isso, a doença deve ter o nome alterado para “nova gripe”.

Repercutindo a decisão da OMS, o ministro da Agricultura Reinhold Stephanes declarou: “Não há nenhum problema em se comer carne suína. A grande preocupação nossa é que se crie a ideia de que comer carne de porco faz mal, e não faz. Transmite a ideia de que é o suíno que transmite o vírus aos humanos, o que também não é verdade. Com certeza vou convidar o presidente da República, na próxima semana, para irmos a um restaurante ou fazermos um porco no rolete. Com certeza nós vamos fazer, ou então vamos consumi-lo na Embrapa”, informou a Folha Online em 30 de abril 2009.

No mesmo dia, 30 de abril, a ABr restringiu-se a informar na matéria OMS dá nome do vírus H1N1 à gripe suína, que: “A Organização Mundial da Saúde (OMS) informou hoje (30) que vai deixar de se referir à doença provocada pelo vírus H1N1como gripe suína e passará a chamá-la de gripe A (H1N1).

”Outra matéria, publicada logo em seguida: Começa campanha em aeroportos para prevenção contra gripe AH1N1 , dava conta de que: “A Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) começarão nesta sexta-feira uma campanha conjunta em portos e aeroportos para incentivar as pessoas a lavarem as mãos com frequência. A parceria pretende minimizar as chances de contaminação pelo vírus causador da gripe suína, rebatizada de gripe A (H1N1) pela OMS.”

Na matéria FAO defende consumo da carne de porco, publicada no mesmo dia 30, a Agência informava sobre uma das preocupações que levaram à mudança no nome da gripe:“Mesmo diante da elevação do nível de alerta, o representante no Brasil da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), José Tubino, faz coro com as autoridades que afirmam que o consumo da carne suína não representa ameaça à saúde da população. ‘É preciso evitar o pânico e efeitos econômicos desastrosos’, destacou Tubino.”. Tudo indicava que a ABr adotaria a nova nomenclatura, inclusive no título das matérias.

Mas daí em diante, nas centenas de notícias sobre o assunto, a única exceção que encontramos, que respeitava a orientação da OMS, foi a matéria OMS mantém nível 5 de alerta de pandemia, mas adverte para risco de mutação do vírus H1N1, publicada em 18 de maio de 2009, que não falou em gripe suína e também não usou a expressão em seu título. Todas as demais notícias indicam que a Agência Brasil não se convenceu dos argumentos das autoridades e dos produtores de carne suína, pois continuou usando indiscriminadamente o termo.

Em 19 de maio ela respondeu aos leitores que protestaram : “Por determinação da chefia, passaremos a usar, a partir de hoje (19),influenza A (H1N1) – gripe suína -… Nos títulos, usaremos gripe suína.” Ou seja, mesmo que as autoridades não mais utilizassem o termo, a Agência se encarregaria de fazê-lo, pelo menos ao colocar o título nas matérias.

Essa prática de interpretar o que as fontes declaram foi adotada desde o começo da cobertura. Por exemplo: sob o título Vacina contra gripe suína não será solução a curto ou médio prazo, diz OMS, publicada em 16 maio de 2009, a matéria faz uma interpretação da fala de suas fontes no título pois nenhuma das pessoas ouvidas citaram o termo gripe suína: “O mundo não deve se descuidar das medidas de alerta já empregadas para conter o avanço da gripe A, na esperança de que a aguardada vacina contra o vírus causador da doença vá resolver o problema a curto ou médio prazo”,disse uma autoridade da OMS no corpo da notícia.

Em19 de junho de 2009, o leitor Moisés de Freitas, jornalista que cobre a área de saúde, também escreveu para a Ouvidoria protestando: “Estou incomodado com a insistência da EBC e da Agência Brasil em usar o termo gripe suína, que já foi descartado há meses pelas autoridades. O nome correto é gripe A, ou gripe A(H1N1). Apesar de ter parecido estranho inicialmente, o nome é mais suave, mais adequado e correto.” Ele também perguntou: “Que tal se voltássemos a dar aqueles velhos nomes aos grupos de risco da AIDS [aidético], lembra-se? Ou se voltássemos a chamar as crianças com Síndrome de Down de mongolóides?”.

A Agência Brasil respondeu ao leitor: “Na verdade estamos usando gripe suína, H1N1”, ou seja, ignorou suas considerações e não respondeu as perguntas do leitor.

Levar em conta as opiniões dos leitores é uma escolha que pode influenciar na qualidade da informação e uma obrigação prevista na legislação que criou a EBC. Pelo menos no que se refere à doença, a Agência tem cometido imprecisões e interpretações que não fazem parte dos princípios e objetivos da comunicação pública.

Até a próxima semana.

(*) disponível em: http://www.saude.rs.gov.br/wsa/portal/index.jsp?menu=noticias

Por Paulo Machado – Ouvidor da Agência Brasil

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO http://agenciabrasil.ebc.com.br

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