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Querem condenar o Lula!

Foi essa a frase que ouvi de um popular esses dias, num misto de lamento e advertência, mas em alto e bom som: “querem prender o Lula”. A princípio não dei a devida importância, pois aquela frase, naquele instante, me soou um tanto exagerada e despropositada. Mas os fatos que se seguiram dias depois me fizeram mudar de opinião.

Lula Miranda

Foi essa a frase que ouvi de um popular esses dias, num misto de lamento e advertência, mas em alto e bom som: “querem prender o Lula”. A princípio não dei a devida importância, pois aquela frase, naquele instante, me soou um tanto exagerada e despropositada. Mas os fatos que se seguiram dias depois e os tantos e reiterados “golpismos” engendrados pela banda mais conservadora das nossas elites acionou em mim o botão de “ALERTA”, e agora compartilho com vocês essa minha justificada preocupação: Querem condenar e prender o Lula!

Primeiro, salvo engano já em 2005, tentaram dar um golpe e apear o então presidente Lula da Presidência. Alguns políticos mais esclarecidos [Ciro Gomes e mais uns poucos à frente] fizeram ver aos golpistas de sempre o quão temerário, deletério e injusto ao país seria iniciar um processo daqueles: o impedimento do primeiro operário eleito presidente da República no Brasil. O homem que finalmente conseguira na prática o tão almejado “pacto social”. Já imaginaram o que seria? Pode acreditar: as nossas elites chegaram a cogitar impingir mais essa nódoa na nossa história, já tão manchada por golpes de Estado, ditaduras, escravidão, coronelismo, os 111 chacinados no Carandiru em SP e outras infâmias. Eles, os golpistas, também “imaginaram” o “desacerto” e, naquele momento, desistiram dessa sórdida trama.

Em seguida, todos acompanhamos, o governo Lula prosseguiu sendo massacrado diuturnamente por todos os veículos da grande imprensa. E assim foi até encerrar o seu mandato e eleger a sua sucessora. A imprensa que deve, por princípio, exercer livremente o seu dever constitucional de ser um rigoroso vigilante e crítico do mandatário da ocasião, extrapolou e tomou partido. Chegamos ao presente.

Recentemente, um semanário de baixíssimo nível editorial, mas que vende cerca de um milhão de exemplares por semana, não lidos por uma classe média conservadora, e que serve ao ardiloso pretexto de pautar os demais veículos desse “famigerado consórcio” da mídia brasileira, tenta, mais uma vez, associar Lula ao suposto “mensalão” [que, como, hipocrisia a parte, sabemos todos há muito, trata-se de atabalhoado e criminoso know-how de financiamento de campanha, via caixa 2, criado por essas mesmas elites conservadoras para alimentar o caixa dos seus partidos e aliados e “vendido” ao PT].

A grande mídia então em seguida, na mais recente vaga golpista, com insidioso oportunismo e metrificado espalhafato fez a sua próxima jogada: providenciou a publicidade gratuita nos grandes jornais de uma suposta ameaça da dita “oposição” de processar o ex-presidente. Pretendiam assim, para depois execrá-lo em praça pública, incluí-lo, sorrateiramente, no rol dos supostos culpados – vale ressalvar que na ação em julgamento no STF Lula nem é citado. Nunca sequer foi acusado, passados 7 anos da denúncia – nem pelo Procurador que instaurou esse processo nem por qualquer dos réus.

A dita “oposição” recuou e estrategicamente postergou o seu ataque infame. Mas alguns poucos observadores enxergaram para além das aparências, entretanto, e perceberam/acusaram o golpe.

Não pretendo absolver previamente nenhum dos indiciados nesse julgamento que ora se dá no Supremo, nem mesmo aqueles a que poderia reputar algum grau de inocência, tampouco condenar, temo pela sua lisura e justeza, pois pretendem transformar a mais alta corte do país num tribunal de exceção – e de excessos. Querem atirar os bois de piranha ao rio para que a boiada prossiga passando incólume.

Reproduzo aqui as palavras do Senador Jorge Viana, proferidas em discurso na tribuna do Senado [os grifos são meus]:

“Agora, nós estamos a duas semanas da eleição. E o que é que a gente vê? A velha, preconceituosa elite brasileira se levantando. Não conseguem compreender, aceitar, que a mais Alta Corte de Justiça do País julgue. Não. Querem influir na composição da Corte. Querem decidir o calendário de julgamento da Corte. É isso que o Brasil está vendo. E querem agora conduzir o julgamento da Corte. Isso é um desserviço ao País.

“O problema do País, durante muitos séculos, foi sua elite. Não é o seu povo. Isso, os estudiosos da beleza da cultura brasileira já identificaram. Agora, o Presidente Lula foi o que mais trabalhou pelos pobres, pela inclusão social – eu estou falando de dezenas de milhões de brasileiros –, pela geração de empregos, pelo resgate de uma posição de destaque do Brasil diante do mundo, e é, de longe, o mais perseguido Presidente da história do Brasil, por uma parcela da elite brasileira preconceituosa, intolerante com o PT e com o Lula. Não aceitam que o Presidente Lula seja um ótimo ex-presidente. Querem atacá-lo agora como ex-presidente.”

Então, parece-me, aquele brasileiro, aqui chamado de “um popular”, com a sabedoria e singeleza de um homem do povo, pode estar com a razão: “querem prender o Lula”; querem condenar o Lula, seu governo e sua herança; querem impedir, em definitivo e mais uma vez [lembro-lhes o golpe de 1964], um projeto de país que “apenas” dá os primeiros e tímidos passos de uma longa caminhada rumo a uma paulatina, lenta e progressiva distribuição mais equânime da renda e da riqueza, e assim, ao menos, minorar a enorme dívida social imposta ao povo brasileiro por essas mesmas elites que agora pretendem [de novo]sabotar a democracia e a esse mesmo povo com métodos escusos e silentes.

Mas mais esse golpe nós não vamos permitir. Não dessa vez.

Lula Miranda é poeta e cronista. Foi um dos nomes da poesia marginal na Bahia na década de 1980. Publica artigos em veículos da chamada imprensa alternativa, tais como Carta Maior, Caros Amigos, Observatório da Imprensa, Fazendo Média e blogs de esquerda.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=5779

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Apesar do “mensalão”, Lula é cabo eleitoral disputadíssimo

O apoio do ex-presidente Lula foi determinante para eleger Dilma sua sucessora, mas tem se revelado insuficiente para deslanchar as candidaturas petistas e de aliados nestas eleições municipais. Cientistas políticos ouvidos por Carta Maior, porém, não creditam o fenômeno a uma potencial queda na sua popularidade. Apesar da postura ideológica da mídia na cobertura do julgamento do “mensalão” e da tentativa da Veja de envolvê-lo no escândalo, Lula segue como o político mais influente do país e, por consequência, um cabo eleitoral disputadíssimo.

Najla Passos e Vinicius Mansur

Brasília – Há apenas dois anos, o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi determinante para eleger Dilma Rousseff sua sucessora. Hoje, entretanto, seu capital político tem se revelado insuficiente para deslanchar as candidaturas petistas e dos partidos aliados. Há poucos dias das eleições municipais, o cenário ainda opaco faz com que cientistas políticos ouvidos por Carta Maior divirjam sobre os motivos do fenômeno.

Há quem ressalte o impacto do julgamento do “mensalão” que, há 50 dias, impõe um desgaste continuado à imagem do PT. E quem atribua essa conta à dinâmica própria dos pleitos municipais. O que ninguém questiona é que, apesar da tentativa da revista de maior circulação no país, a Veja, de tentar envolver o ex-presidente com o escândalo em pauta na mais alta corte brasileira, Lula permanece como o político mais influente do país e, consequentemente, um cabo eleitoral disputadíssimo.

“A influência de Lula é positiva, mas não determinante”, avalia o cientista político João Paulo Peixoto, da Universidade de Brasília (UnB). Ele não desdenha a capacidade do ex-presidente de transferir votos para os candidatos que apoia, mas relativiza esses efeitos nas eleições municipais, principalmente com o cenário de desgaste continuado do PT, em função do julgamento do “mensalão”, em curso há 50 dias no Supremo Tribunal Federal (STF).

Para ele, o impacto do julgamento é forte nos grandes centros urbanos, especialmente onde a polarização entre PSDB e PT é acentuada, como em São Paulo, menor nos municípios onde o partido apresenta candidatos muito fracos ou não possui candidaturas próprias, como é o caso do Rio de Janeiro, e bem menos expressivo nas pequenas cidades. “O julgamento já está impactando nas eleições e, se os ministros mantiverem a tendência de condenações, se evidenciará ainda mais, à medida em que os quadros políticos mais expressivos sejam afetados”, comenta.

Cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, Francisco Fonseca também considera que o julgamento do “mensalão” cria um ambiente hostil ao PT nestas eleições. Principalmente, devido à construção midiática do estigma de “maior julgamento da história”. “A mídia é um personagem político ideológico claramente atuante nesse episódio e atua como se isso fosse uma novidade na vida brasileira. Grandes escândalos políticos recentes que abalaram o Brasil, como a Pasta Rosa, o Banestado, o processo de privatização, a emenda de reeleição de Fernando Henrique, todos eles tiveram elementos conclusivos para processos que foram simplesmente desconsiderados”, ressaltou.

Ele minimiza, porém, o impacto da campanha de Veja sobre a capacidade de Lula angariar votos. “A revista não tem credibilidade nenhuma, está envolvida com o Cachoeira, tem capital sul-africano da época do Apartheid, é um panfleto de extrema direita que vive de relações com o governo de São Paulo. É um personagem manjado”, afirma. Fonseca comenta, inclusive, que ele e vários colegas já não dão entrevistas à Veja. “Já me ligaram hoje e eu disse isso: ‘eu não falo com vocês’. Falar o que? O que alguém que quer fazer alguma reflexão séria pode falar com a revista Veja? Ela não tem o que dizer”, comentou.

Para Fonseca, apesar de Lula ainda possuir grande capital político, a transferência de votos não é automática: depende de conjunturas e é bem menos efetiva em eleições municipais -disputadas dois anos após o petista deixar o poder – do que em uma eleição para presidente da República onde ele fez sua sucessora. “Ele pode transferir a sua popularidade para a presidente Dilma, que nunca havia disputado eleição. Mas eleição municipal está eivada de novos elementos, sobretudo locais, além do que, em dois anos, o capital político é reavaliado. O Serra saiu com 45% dos votos quando oponente do Lula (e isso não é pouca coisa), fez o sucessor em São Paulo, mas o capital político dele vem caindo de maneira muito violenta”, explicou.

O professor Fabiano Guilherme Santos, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), corrobora o entendimento que, em eleições municipais, as questões paroquiais são determinantes. “Pesquisas apontam que o ex-presidente Lula simplesmente possui 60% das intenções de voto para a eleição presidencial de 2014. O potencial dele de transferir votos é muito grande, mas a referência fundamental para o eleitor, agora, é a avaliação da gestão de cada prefeitura. Se a gestão é positiva, o candidato terá grandes chances de se reeleger ou eleger um sucessor. Se a avaliação da gestão não é boa, o eleitor procurará o candidato que melhor se identificar como oposição”, explica.

Para ele, os candidatos do PT vão mal onde o partido já administra o município, mas possui avaliação negativa, como é o caso de Recife (PE), ou onde as prefeituras da oposição também são mal avaliadas, mas o partido não consegue apresentar um candidato identificado como a melhor oposição, caso de São Paulo.

Esta última, inclusive, é a única das capitais brasileiras em que ele acredita que o julgamento do “mensalão” poderá causar algum impacto. “O eleitor considera a corrupção um tema importante, mas não o utiliza para diferenciar um partido do outro porque, neste aspecto, considera todos iguais”, esclarece. O professor avalia que São Paulo só é exceção porque o candidato da situação, o tucano José Serra, tem explorado a associação do candidato petista, Fernando Haddad, com o “mensalão” de forma muito agressiva, o que não tem ocorrido nas demais. “Esta estratégia do PSDB de investir em campanha negativa contra o adversário é considerada de alto risco porque tende a aumentar a rejeição do candidato que a utiliza. Por isso, só é usada em último caso, em caso de desespero mesmo”, esclarece.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20957

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Uma ética social ameaçada por uma moral individualista

Os setores dominantes e a mídia a seu serviço tratam, pelas denúncias moralistas, de evitar que resultados eleitorais revejam a representatividade da força hegemônica do capital. O teste eleitoral próximo poderia servir para ver se o teatro montado em torno ao mensalão será ou não levado em conta por uma parte importante da população.

Luiz Alberto Gómez de Sousa

Há uma enorme polissemia quando se trata de definir ética e política, variando dos gregos ao pensamento medieval, de Espinosa e Kant aos existencialistas; também nas diferentes crenças ao largo da história têm leituras próprias. Por isso, por rigor argumentativo, é preciso começar por explicitar o que se entende por cada uma delas. Constroem-se definições operacionais práticas, que não impedem outras definições possíveis.
Por moral, entendo aqui as normas que regulam o comportamento dos seres humanos em sociedade. Ela sempre existiu, de diferentes maneiras, nas diversas culturas pelo mundo afora e normalmente expressa, nem sempre coerentemente, um imperativo de procurar fazer o bem e evitar o mal. Tem uma forte conotação individual.

Por ética, temos o conjunto de valores (ou contravalores) que orienta, numa determinada realidade, o comportamento social em relação à vida em sociedade, para a manutenção ou para a transformação desta. Ela vai moldar a presença na polis. Por isso a ética está intimamente ligada à política, como foi indicado desde os gregos. Num texto de 1992, Betinho escreveu: “política e ética andam sempre juntas. A questão sempre é de saber para onde e para o bem de quem”. Traz uma direção teleológica, isto é, orientada aos fins.

Sendo a política o exercício visando a coletividade – repito, para mantê-la ou transformá-la –, ela concretiza os valores (ou contravalores) da ética num processo histórico e espacial determinado. Se a ética não se encarnasse numa política, permaneceria como princípios abstratos socialmente irrelevantes. Ora, a política é a arte de gerir a sociedade num processo normalmente longo, complexo e contraditório. Então, a ética vive essa contradição e essa imersão no real, na tensão existencialmente dramática entre o possível e o desejável. Rompendo-se a tensão numa decisão unilateral que opta pelo possível, temos a redução conservadora da direita (ou de um certo pós-modernismo), onde a ética se dissolve. Do outro lado, expressar apenas o desejável, fora do processo contingente, seria cair num mundo dos ideais sem corpo.

Há uma esquerda radical que, em nome de um projeto ideal, nega valor ao processo político concreto, inevitavelmente complexo e contraditório, refugiando-se numa proposta ético-política sem raízes. Mesmo dizendo-se muitas vezes marxista, não segue as lições do mestre, que indicava a necessidade de subir do abstrato das intenções para o concreto das opções e das ações. Esses dois extremos da cadeia simplificadora se tocam, uns petrificados num real avesso às mudanças, outros refugiados num idealismo que não consegue questionar a realidade contingente.

A ética, num comportamento social, deveria estar dirigida para o que o tradicional pensamento social cristão chama de bem comum que, no dizer de Jacques Maritain, não é uma simples coleção ou somatória justaposta de bens individuais, porém tem uma consistência essencialmente societária. Mas frequentemente esta ideia de bem comum, quando desligada dos mecanismos reais de dominação e de desigualdade das estruturas, na verdade se encolhe num bem parcial de uns poucos privilegiados. A única maneira de universalizar de fato o chamado bem comum será de colocá-lo no embate concreto na sociedade onde, para usar expressões de Gramsci, as necessidades dos setores subalternos se contrapõem aos privilégios dos setores dominantes. E aí a ética terá muito a dizer, para desocultar, denunciar e propor.

A moral, tal como definida acima, vai julgar os comportamentos individuais neles mesmos. Ela se aproxima da ética social reduzida ao possível e com ela pode se confundir. Nem uma nem outra questionam a sociedade em sua heterogeneidade estrutural das desigualdades. Um bom exemplo disso é a luta contra a corrupção. Não se nega sua importância – nem da chamada lei da ficha limpa – desde que integrada num contexto ético de opções políticas. Isolada, pode ser um sutil álibi para evitar entrar no debate político da crítica à realidade tal qual existe. Bastaria penalizar alguns corruptores, ativos ou passivos, e muitos setores ficariam em paz com sua consciência, sem questionar os fundamentos básicos da sociedade em que vivem. Temos aí o moralismo, que é a redução da ação política a essa moral individualista, que mascara e oculta a trama desigual da realidade social.

Vejamos como o moralismo foi se manifestando no Brasil, expressado basicamente pelos mesmos setores em diferentes momentos da história contemporânea. No começo dos anos 50, governo Vargas, num processo de construção da nação (do qual o “nosso petróleo é nosso” foi um símbolo), Carlos Lacerda e a chamada banda-de-música da UDN (constituída por parlamentares bacharéis de boa oratória), destilavam sua raiva azeda. Denunciavam desde um empréstimo menor do Banco do Brasil ao periódico Última Hora (que cometera o crime de não se alinhar com a mídia dominante), passando pelo balcão de favores miúdos de humildes e obtusos seguranças do presidente, para chegar à denúncia estrepitosa de “um mar de lama” nos porões do regime. Tudo isso encaminharia lideranças militares a propor o afastamento de Vargas, levando este ao gesto último de um suicídio denunciador. Lembremos como isso abalou os setores populares do país, levando Lacerda, apodado de “o corvo do Lavradio”, a esconder-se para fugir da ira popular.

Depois tivemos o histriônico Jânio, com sua vassoura, eleito presidente com o apoio dos mesmos setores lacerdistas, mais interessado numa moral caricata de proibir os biquínis e as rinhas de galos do que de enfrentar os problemas éticos reais do país. Nesse caso, um provável estado etílico o levou a renunciar. Anos depois, tivemos o apoio desses mesmos setores ao golpe militar de 64, insistindo no tema da corrupção, agora somado ao da subversão, para evitar projetos de “reformas de base”, ameaçadores de privilégios fundiários ou exigindo acesso ao trabalho e uma tributação menos injusta. Mais tarde veio o Collor da luta contra os marajás, os quais não eram vistos como um setor dominante, mas como pessoas que se enriqueciam indevidamente. Descoberto ele mesmo como sendo um deles, desta vez veio o impeachment. Boa parte do eleitorado que apoiou esses políticos e apoiou o golpe, era constituída por setores das classes médias urbanas pouco sensíveis às injustiças estruturais, guiada pela grande imprensa sua aliada e mentora.

Vamos descobrindo assim uma opção de priorizar a denúncia dos deslizes morais individuais, a fim de ocultar o grande escândalo ético de um país das desigualdades. Uma elite atrasada e voraz, com seus meios de comunicação, envolve esses setores médios – transformando-se em seu “intelectual orgânico” -, para evitar a indignação diante dos crimes dirigidos contra os pobres, marginalizados do bem comum. Ao tocar nesse último ponto vem logo, por parte de seus teóricos, a denúncia de populismo de quem os assinala, Getúlio, Jango, Brizola, Lula e agora Dilma.

No caso concreto do Brasil, soma-se a isso um preconceito dos que não conseguem suportar a liderança de um operário que não surgiu dos círculos habituais do poder. Como disse Luís Fernando Veríssimo, um simples da Silva ocupou o lugar destinado aos Bragança.

Chegando aos dias de hoje, há uma coincidência pelo menos suspeita entre os prazos do julgamento do chamado mensalão e o final do período eleitoral. Merval Pereira, epígono menor do velho lacerdismo, já abriu o jogo e assinalou com avidez incontida, a simultaneidade da possível condenação de políticos do PT, com os dias que antecederão às eleições. As punições, para ele, deveriam ter um impacto imediato nos resultados eleitorais. Mais do que isso, a sociedade seria levada a crer que, resolvendo essas tensões morais individuais, esqueceria e passava ao largo das exigências de uma ética social já aplicada nas políticas sociais do governo, hoje integrando milhões de brasileiros à produção, ao consumo e à participação cidadã. A mídia, deformando o processo no STF, foi desenhando a caricatura teatral do que seria para ela “o maior acontecimento da história do país”! E vai se fazendo de um relator- aliás nomeado por Lula, como vários outros ministros, com critérios jurídicos e não de clientela -, uma espécie de anjo exterminador, ainda que provavelmente não seja essa sua intencionalidade pessoal. Mas, já com um futuro político garantido, o elevam como herói da classe media moralista e, de forma bastante compreensível, também de uma ultra-esquerda principista. Duas vertentes que, no Rio, se unem no apoio a Freixo do PSOL, embaçando um itinerário pessoal anterior de coragem moral e de denúncia ética.

Não podemos esquecer que o chamado valerioduto foi construído a partir de 1998 com o PSDB de Minas Gerais, na campanha de Eduardo Azeredo, assim como antes tivéramos a privataria escandalosa dos tempos de FHC. Mas as denúncias de agora, com a revista Veja à frente de um cartel na mídia, são seletivas e tantas vezes irresponsáveis e falsas. Elas mais escondem do que desocultam. Como lembrou numa brilhante intervenção no parlamento o senador Jorge Viana, os dois últimos governos deram um crédito de confiança à Polícia Federal como órgão investigador e colaboraram para que o Supremo e o STJ ficassem cada vez mais independentes. Se hoje aparecem à luz do dia os malfeitos, é porque o aparelho do estado tem mais liberdade e independência, o que fortalece o processo democrático. Mas o mesmo senador alerta que, como anos atrás, também num momento pré-eleitoral das primeiras denúncias, há no ar uma intenção anti-democrática oculta de sonhar com um golpe branco, para sustar o processo de avanços sociais e para destruir um Lula intolerável por sua grande aceitação popular.

Em 2005, no começo da apresentação em conta-gotas dos escândalos pela mídia, numa tática de desgaste gradual, o PT não soube reconhecer com coragem seus erros e deformações internas. Foi quando seu presidente interino, Tarso Genro, lançou a ideia certeira e lúcida de “refundar o partido” e rever a fundo costumes e ações. Não se elegeu como presidente nas eleições internas seguintes. O PT perdeu ali uma grande oportunidade histórica, pela resistência de um núcleo duro que fora entrando na lógica costumeira dos outros partidos. Não esqueçamos que membros do PT resvalaram para velhos hábitos das forças políticas, alguns como aprendizes amadores mirins, como o secretário-geral acusado de receber um mísero Land Rover. Outros possivelmente não se desvencilharam de um passado aparelhista, de uma velha esquerda que quer permanecer no poder a todo custo.

Porém as velhas raposas, profissionais nessa área, chamem-se Sarney ou ontem ACM, faziam pior mas não deixavam rastos. Já Maluf, com total cinismo, nem se dá o trabalho de ocultar seus atos. Há uma indicação inquietante que vem do Maranhão. Jackson Lago, que conquistou o título de melhor prefeito do país, foi eleito governador em 2006, numa virada surpreendente, terminando com quarenta anos de coronelismo dos Sarney.

Com apenas cinco meses de governo, foi acusado de corrupção envolvendo familiares. Em 2009, o TSE anulou os votos de Jackson, o que permitiu a posse de Roseana Sarney, segunda colocada, que sempre conseguiu habilmente esquivar-se de acusações que pairavam sobre ela, a não ser no momento de um vale-tudo dentro da própria oposição, na luta por uma candidatura à presidência que poderia fechar o caminho para Serra.

Isso leva à necessidade de rever as políticas de alianças aéticas e esdrúxulas que, em nome de uma possível governabilidade e a alto preço, apenas servem para reforçar o clamor moralista. Melhor seria o governo dirigir-se às forças vivas do tecido social, especialmente movimentos sociais, como verdadeiros aliados e grupos de pressão da sociedade.

Aqui vemos, como em tantos países, a crise de legitimidade de boa parte dos partidos, que não se pode confundir com crise da democracia. Saindo de vinte anos de governo militar temos de ser muito cautelosos a respeito.

Há que apelar para a sociedade, como sujeito primeiro da participação política. Com ela se poderia superar a pouca confiabilidade de uma representação nas mãos de bancadas conservadoras, como a dos ruralistas, que se elegem pelo poder do dinheiro. Ainda que pareça difícil, as eleições vindouras deveriam ser o momento de uma profilaxia da política. Por isso, os setores dominantes e a mídia a seu serviço tratam, pelas denúncias moralistas, de evitar que resultados eleitorais revejam a representatividade da força hegemônica do capital. O teste eleitoral próximo poderia servir para ver se o teatro montado em torno ao mensalão será ou não levado em conta por uma parte importante da população. Esta sente claramente no seu cotidiano um processo de mudanças, talvez não com a celeridade desejável, mas que vem enfrentando, aos poucos, os marcos estruturais da dominação secular das elites. Aqui a política, a partir de uma ética social transformadora, poderia superar as resistências poderosas de uma moral individualista e farisaica dos donos do poder real na sociedade.

Luiz Alberto Gómez de Sousa, sociólogo e ex-funcionário das Nações Unidas, é diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Cândido Mendes.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=5784

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