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Cidades precisam de bons conselhos

Críticas à mídia no Brasil, quando aparecem, são tachadas de censura e o debate é interditado. Qualquer forma de romper esse cerco deve ser estimulada . Agora, com a posse dos novos prefeitos essa ação pode ser renovada e fortalecida, tendo como meta a implantação dos Conselhos Municipais de Comunicação.

Laurindo Lalo Leal Filho

Artigo publicado originalmente na Revista do Brasil, edição de janeiro/2013

Uma nova oportunidade de discussão da democratização do acesso e da produção de informação surge agora com a posse dos prefeitos eleitos em todo o país. Deles deve ser cobrada a criação de Conselhos Municipais de Comunicação, imprescindíveis para o debate e a implementação de políticas públicas nessa área.

Não é tarefa simples. Basta ver as dificuldades encontradas para a criação de conselhos semelhantes nos níveis federal e estadual. O primeiro, embora previsto na Constituição de 1988, levou três anos para virar lei e só entrou em funcionamento em 2002.

Para tanto foi necessária uma barganha: em troca, os representantes da mídia no Congresso exigiram a entrada do capital estrangeiro nas empresas de comunicação e que sua propriedade pudesse ser entregue a pessoas jurídicas.

Nunca é demais ressaltar que se trata de um conselho apenas consultivo, sem nenhuma força legal de ação. Ainda assim os empresários o temem, tanto é que depois de instalado funcionou até o final de 2006, ficando inativo até meados do ano passado, quando o presidente do Senado, José Sarney, viu-se obrigado a reativá-lo, sob o risco de sofrer uma ação legal.

Com participação restrita da sociedade, a composição do conselho é uma garantia de que pouco fará no sentido de levar adiante propostas voltadas à democratização da comunicação. Não é um bom exemplo para os municípios.

No nível estadual há pequenos avanços.¬ Algumas Constituições estaduais determinam sua existência, mas até agora só um foi instalado, na Bahia. No Rio Grande do Sul, um amplo processo de debates, realizado em várias regiões do estado, fundamenta o projeto de lei prestes a ser enviado à Assembleia Legislativa. No entanto, há estados, como São Paulo, onde não se saiu do zero, apesar do esforço de alguns deputados.

Chegou a hora das prefeituras. Também nas gestões municipais a comunicação não pode ser vista apenas como um processo de mão única, da administração para os contribuintes. Deve haver o retorno dos cidadãos. Aí que entra o papel do conselho, capaz de levar as demandas da sociedade aos governantes, como ocorre, por exemplo, na saúde e na educação.

Seriam conselhos amplos, com a participação do poder público e da sociedade, com o propósito de debater e propor regras para a criação e o funcionamento dos órgãos de comunicação dos municípios – além de participar da discussão em torno da alocação de recursos para campanhas educativas e sociais, muitas vezes restritas às agências de publicidade contratadas pelas prefeituras.

O critério mercadológico por elas usado poderia ser confrontado, no conselho, com critérios de alcance geográfico e social, quando da escolha dos veículos selecionados para divulgar mensagens das prefeituras.

Os conselhos podem ser também importantes fóruns de debate em torno da distribuição de canais de rádio e TV nos municípios. Em Niterói, por exemplo, concessões outorgadas para a cidade são operadas no Rio de Janeiro, do outro lado da Baía de Guanabara. Assim como em São Paulo, onde emissoras autorizadas a operar em municípios da região metropolitana transmitem da Avenida Paulista.

Distorções que reduzem a diversidade dos conteúdos veiculados, com desdobramentos negativos para o mercado de trabalho, especialmente de jornalistas, radialistas e publicitários.

São problemas para serem debatidos na esfera municipal, ainda que algumas das soluções possam se dar apenas nos níveis estadual ou federal. Há três anos, a Conferência Nacional de Comunicação foi construída com ampla participação dos mais diversos movimentos sociais.

Agora, com a posse dos novos prefeitos essa ação pode ser renovada e fortalecida, tendo como meta a implantação dos Conselhos Municipais de Comunicação.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

Artigo colhido no sítio http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5944

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A inquestionável partidarização da imprensa

Livro recém-lançado trata da cobertura política oferecida pelo jornal Folha de S. Paulo e parte da divulgação da falsa ficha “criminal” dos arquivos do Dops da militante da VAR-Palmares Dilma Rousseff, então pré-candidata à Presidência da República, em 4 de abril de 2009.

Venício Lima

Se o leitor (a) ainda precisa de alguma comprovação sobre o comportamento partidário dos jornalões brasileiros, sobretudo nos períodos eleitorais, recomendo a leitura do excelente “A Ditadura Continuada – Fatos, Factoides e Partidarismo da Imprensa na Eleição de Dilma Rousseff”, resultado de uma cuidadosa pesquisa realizada por Jakson Ferreira de Alencar, recentemente publicado pela editora Paulus.

O livro se concentra na cobertura política oferecida pelo jornal Folha de S. Paulo e parte da divulgação da falsa ficha “criminal” dos arquivos do Dops da militante da VAR-Palmares Dilma Rousseff, então pré-candidata à Presidência da República, em 4 de abril de 2009.

Jakson Alencar faz um acompanhamento minucioso de todo o caso, ao longo dos três meses seguintes, registrando a “semirretratação” do jornal, em matéria antológica para o estudo da ética jornalística, na qual se reconhece como erro “tratar como autêntica uma ficha cuja autenticidade, pelas informações hoje disponíveis, não pode ser assegurada – bem como não pode ser descartada” (p. 67).

Chama a atenção no episódio a “condução”, pela repórter da Folha, da entrevista – que mais parece um interrogatório – realizada com Dilma. Há uma indisfarçável tentativa de comprovar a hipótese do jornal de envolvimento da entrevistada não só com o sequestro (não realizado) do então ministro Delfim Netto, mas também com a luta armada. A entrevista de outro militante, Antonio Espinosa, usada como suporte à tese do jornal, jamais foi publicada na íntegra, apesar de os trechos publicados haverem sido reiteradamente desmentidos pelo entrevistado.

Jakson Alencar mostra, com riqueza de detalhes, o comportamento arrogante do jornal, ao tempo em que a própria Dilma tratava de comprovar a falsidade da ficha, além do descumprimento sistemático de seu próprio Manual de Redação. Fica clara a “tese central de toda a reportagem, segundo a qual a resistência à ditadura é criminosa, e não o regime totalitário e violento, implantado de maneira ilegal” (p. 95) e, mais ainda, que essa tese “continuou sendo difundida em muitos veículos da imprensa brasileira durante todo o período da campanha eleitoral de 2010”.

A segunda parte do livro trata do período da campanha eleitoral, de abril a agosto de 2010. Aqui o ponto de partida é o 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, promovido pelo Instituto Millenium, em março. Como se sabe, essa ONG é um dos think tanks da direita conservadora brasileira, financiado, entre outros, pelos principais grupos da grande mídia. Segundo Jakson Alencar, teria surgido nesse fórum a “Operação Tempestade no Cerrado”, que orientaria a cobertura política dos jornalões e teria como objetivo impedir a eleição de Dilma Rousseff (p.105).

Concentrado na Folha de S.Paulo, o livro mostra o esforço cotidiano para ressuscitar escândalos passados e a busca de novos escândalos do governo do PT, além de tropeços e temas negativos relativos a Dilma. Paralelamente, o tratamento leniente e omisso dispensado ao candidato do PSDB.

Na terceira e última parte, o livro aborda a Operação segundo turno e cobre o período que vai de 26 de agosto a 3 de outubro. A partir do momento em que as pesquisas de intenção de voto confirmam a tendência de eleição de Dilma, tem início “uma maciça ação da imprensa contra a candidata às vésperas da eleição e uma chamada ‘bala de prata’, com o intuito de alterar os rumos da campanha” (p. 145).

Destacam-se nesse período “acusações, ilações e insinuações que viraram condenações sumárias” (p. 147), sobretudo o caso do suposto “dossiê” preparado pelo PT sobre dirigentes tucanos, com dados fiscais sigilosos, e o “escândalo” envolvendo a então substituta de Dilma na Casa Civil (registro: o Tribunal Regional Federal da 1ª Região arquivou o processo contra Erenice Guerra por suposto tráfico de influência, depois de acatar recomendação do Ministério Público Federal e por decisão do juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal, em 20 de julho de 2012).

Nas suas conclusões, Jakson Alencar afirma que “a cobertura (da Folha de S. Paulo) (…) misturou frequentemente fatos com opiniões e boatos, somando-se a isso outros elementos, como torcida, manifestação de desejos travestidos de informação, argumentação frágil e com pouca lógica, estratégias óbvias e já desgastadas pelo uso repetitivo em diversas eleições, incapacidade de analisar processos econômico-sociais para construir posicionamentos e críticas com um mínimo de sofisticação; teses e hipóteses furadas; narrativas e entrevistas enviesadas; fontes de baixíssima credibilidade” (p. 252).

Curiosamente (ou não?), na mesma época em que a Paulus publicava o livro de Jakson Alencar, a PubliFolha lançava na Coleção “Folha Explica” o livro sobre a própria Folha, escrito por Ana Estela de Souza Pinto, ela mesma jornalista da casa desde 1988. Neste, o “erro” do episódio da ficha falsa de Dilma no Dops merece registro em função do “fato de a Folha ter voltado sua bateria investigativa para todos os governantes, de diferentes partidos”.

Segue-se um parágrafo que reproduz a “retratação” que a Folha ofereceu, já citada, na qual, apesar de todas as evidências em contrário, se afirma que a autenticidade da ficha do Dops “não pode ser assegurada – bem como não pode ser descartada”. Nem uma única observação sobre a cobertura partidária das eleições de 2010.

O resultado de tudo isso, como se sabe, é que Dilma Rousseff – apesar da grande mídia e do seu partidarismo – foi eleita presidenta da República.

“A Ditadura Continuada – Fatos, Factoides e Partidarismo da Imprensa na Eleição de Dilma Rousseff”, de Jakson Alencar, demonstra e confirma o que já sabemos: os jornalões brasileiros, além de partidarizados, não têm compromisso nem mesmo com seus manuais de redação.

Artigo publicado originalmente na revista Teoria e Debate

(*) Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência Política da UFMG (2012/2013), professor de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentando) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros

Artigo colhido no sítio http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5946

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