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Brasil 2013: anatomia de um modelo e inventário de suas (des)ilusões

O Brasil opera na antípoda da China e dos demais países asiáticos que expandem de forma sustentada suas capacidades de produção e de inovação científico-tecnológica. Esses países possuem uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo, enquanto aqui temos tão somente uma configuração estrutural e macroeconômica voltada para a otimização das carteiras de ativos dos setores financeiro e exportador de commodities. Por Miguel Bruno

Miguel Bruno

O debate acerca do atual modelo econômico brasileiro, de suas características estruturais e consequências para o desenvolvimento do país está politicamente esvaziado. Liderada pelas forças conservadoras, a oposição não pode criticá-lo em essência, apenas, de modo pontual e superficial, no que concerne a aspectos meramente formais ou acessórios, pois foi através dela que esse modelo se instituiu nos períodos Collor e FHC. Esses aspectos remetem-se a pequenas mudanças na, mas não da, política econômica ou propostas de aprofundamento de algumas de suas especificidades institucionais (mais liberalização financeira; conversibilidade plena do Real; mais flexibilidade das relações de trabalho e maiores reduções de custos para o grande capital nacional e estrangeiro; mais restrições aos gastos públicos, notadamente, da seguridade social, etc.).

Os governos do PT e seus partidos coligados que atualmente controlam grande parte do aparelho de Estado brasileiro não somente herdaram esse modelo neoliberal-dependente, mas também a hegemonia econômica e política dos setores que contribuíram para sua implantação e que, portanto, mais se beneficiam com a sua permanência: o setor bancário-financeiro e seus parceiros de finanças globais ávidos de lucros de curto prazo em ativos líquidos e de baixo risco e os setores produtores de commodities energéticas, metálicas e agrícolas. Para esses setores, as características desse modelo são as melhores para o país, restando apenas aperfeiçoá-las mediante várias reformas, destacando-se as reformas fiscal, trabalhista e previdenciária. Todas elas deveriam ser implementadas segundo formatação “mais adequada” ao desenvolvimento socioeconômico brasileiro, quer dizer, sob os critérios e demandas imediatas desses setores.

Pondo-se de lado esses argumentos falaciosos, porquanto ideológicos, difundidos na grande mídia pelos setores ganhadores e pelas propagandas oficiais pouco realistas que buscam legitimá-lo perante à sociedade, a pesquisa científica em Economia não pode furtar-se na busca das verdadeiras condições pelas quais o Brasil efetivamente lograria o tão desejado status de país desenvolvido.

A anatomia do modelo econômico que emergiu das transformações estruturais da economia brasileira desde os anos 1990 pode ser viabilizada considerando-se cinco grandes áreas ou componentes de sua institucionalidade: a) o padrão de inserção internacional; b) o regime monetário-financeiro; c) as formas da concorrência; d) o tipo de Estado e suas relações com a economia; e e) a configuração da relação salarial, enquanto forma institucionalizada dos vínculos entre capital e trabalho assalariado. De acordo com a abordagem regulacionista (nota 1), essas grandes áreas, quando combinadas, seguem uma determinada hierarquia e complementaridade e corresponderão às bases institucionais sobre as quais a natureza e lógica de um modelo econômico são reproduzidas. Como as configurações de cada uma dessas áreas e sua hierarquia e complementaridade resultam tanto das ações deliberadas do Estado nacional quanto das reações dos demais setores econômicos e das contingências da própria evolução da economia e sociedade, elas frequentemente desencadeiam efeitos imprevistos ou até mesmo indesejados, seja para setores específicos, seja para o conjunto da economia.

Nesse contexto, a política econômica é um instrumento estatal inteiramente dependente, em termos de formatação e eficiência, dessa arquitetura institucional forjada pelas lutas sociais e políticas, sob o peso decisivo dos setores econômicos dominantes. Por isso é muito mais fácil implementar mudanças na, mas não da política econômica, já que esta última deve responder às necessidades objetivas derivadas das bases institucionais do modelo vigente, reflexo dos interesses econômico-financeiros dos setores hegemônicos. Uma nova política econômica requer nova arquitetura institucional de base para um outro modelo. Uma vez institucionalizado, o modelo econômico dá nascimento a um regime de crescimento que responderá pela performance macroeconômica do país, avaliada quanto à evolução do PIB, do desemprego, da inflação, da situação externa e das finanças públicas.

Na economia brasileira atual, o padrão de inserção internacional, o regime monetário-financeiro e a concorrência oligopolista são as componentes-chave, pois hierarquicamente superiores, na arquitetura institucional em que se baseia o regime de crescimento. Hierarquicamente superiores significa que câmbio flutuante com viés de apreciação real, sistema de metas de inflação sob as mais altas taxas reais de juros do planeta e busca permanente de superávits primários que limitam as políticas pró-crescimento do Estado são peças necessárias, pois compatíveis com essa arquitetura formatada pelos e para os interesses dos setores beneficiários diretos do modelo econômico vigente. Em outros termos, o padrão de inserção internacional dá a tônica dominante, isto é, é dele que emanam as restrições estruturais para que as outras quatro grandes áreas, o Estado, o regime monetário-financeiro, a concorrência e a relação salarial se reconfigurem e se adequem a uma forma de liberalização comercial e financeira muito desconectada das necessidades dos setores diretamente produtivos, particularmente, da indústria brasileira. No plano político-ideológico, a vulgata difundida pela mídia convencional ostensivamente tenta convencer a todos que se trata de uma configuração vantajosa para o conjunto da indústria e da sociedade, já que promoveria o desenvolvimento socioeconômico. Será? Vamos olhar mais de perto.

O Quadro 1 reúne as principais características de cada uma das cinco componentes da arquitetura institucional de base do modelo econômico neoliberal-dependente do Brasil. Essas componentes se articulam sob determinada hierarquia institucional, além do requisito de guardarem entre si relações de complementaridade macroeconômica.

Diferentemente dos países asiáticos, também inseridos na economia global, o padrão de inserção internacional do Brasil prioriza a acumulação financeira em detrimento do investimento produtivo e do potencial exportador do país. O Estado torna-se o fiador dos compromissos institucionalizados entre as finanças domésticas e os mercados globais, de maneira a garantir a continuidade da acumulação financeira com proeminência da renda de juros que ele mesmo é forçado a pagar. Apesar da zeragem da dívida pública externa, o endividamento público interno permanece em níveis muito elevados. Como principal eixo de um processo de financeirização muito diferente do observado em países com taxas de juros baixas, a dívida interna do Estado brasileiro torna-se um entrave para a expansão do investimento público e para a ampliação das políticas sociais que o governo ainda pode exibir como trunfo.

Quadro 1 – Brasil 2013: componentes institucionais do modelo econômico em ordem hierárquica de dominância estrutural

Uma das razões básicas é que a liberalização financeira com mercado de derivativos profundo e sob taxas de juros reais muito acima da média internacional mina a eficiência de qualquer política industrial. Este fato foi inclusive reconhecido pelos formuladores do Plano Brasil Maior. Como a tendência ao desequilíbrio externo ronda esse tipo de economia, e é preciso manter em bom estado as estruturas patrimoniais básicas para a acumulação financeira, o banco central brasileiro mantém elevadas as taxas de juros. No discurso oficial e midiático, os aumentos de juros seriam necessários para conter as pressões inflacionárias, supondo-se, retoricamente, a existência de excesso de demanda. Entretanto, uma das principais motivações para a recente subida dos juros é o aprofundamento do déficit no balanço de pagamento em transações correntes que atingiu a cifra de 55 bilhões de dólares no final de 2012, com uma previsão de crescimento para mais de 70 bilhões de dólares em 2013. O encadeamento causal pode ser descrito como segue: 1) a liberalização financeira num ambiente marcado por taxas de juros demasiadamente elevadas intensifica o fluxo de entrada de capitais voláteis ou especulativos; 2) o Real se valoriza tendencialmente, contribuindo para aliviar as pressões inflacionárias, mas com efeitos perversos sobra a dinâmica da indústria e sobre as contas externas; 3) as importações se expandem mais rapidamente do que o potencial exportador do país, atualmente centrado na produção de commodities, que já representam mais de 70% da pauta de exportações brasileiras; 4) a indústria produtora de bens de maior valor adicionado ou conteúdo científico-tecnológico encolhe ou tende a desaparecer, levando a um processo de especialização regressiva; 5) a perda de competitividade sistêmica provocada pelo próprio ambiente macroeconômico de alta taxa de juros e câmbio apreciado deteriora mais ainda o saldo comercial, contribuindo para a permanência do déficit em transações correntes; 6) a forte saída de capitais é impulsionada pela crescente internacionalização das plantas empresariais brasileiras, já que as remessas de lucros se intensificam e são facilitadas pela apreciação cambial; 7) o banco central é forçado a empreender nova escalada de aumentos da SELIC. O investimento produtivo (não as aplicações financeiras) declina e mantém-se muito abaixo do montante necessário à aceleração do crescimento econômico e à sua sustentabilidade macrodinâmica. A preços constantes, a taxa de investimento brasileira não ultrapassa os 18% do PIB e, juntamente com as taxas de crescimento econômico, são as mais baixas entre os países em desenvolvimento. O processo então se reinicia, conforme descrito em 1), numa circularidade persistente e perniciosa ao desenvolvimento econômico sustentável do país.

O Brasil opera na antípoda da China e dos demais países asiáticos que expandem de forma sustentada suas capacidades de produção e de inovação científico-tecnológica. Esses países efetivamente possuem uma estratégia consistente de desenvolvimento de longo prazo, enquanto aqui temos tão somente uma configuração estrutural e macroeconômica voltada prioritariamente para a otimização das carteiras de ativos do setor financeiro e do setor exportador de commodities. Dado o enorme peso econômico e político desses setores, as decisões governamentais perdem autonomia e consolidam a complementaridade de nossa pauta “commoditizada” de exportações com a dos asiáticos, focada, sabiamente, em produtos de muito maior valor agregado. Trata-se do caminho politicamente mais fácil para garantir, no curto prazo, a governabilidade e adiar para um eterno longo prazo, o futuro como país desenvolvido. Praticando políticas de efeitos opostos àquelas das economias que mais crescem no mundo, será, contudo, surpreendente se formos igualmente capazes de chegar ao mesmo lugar. Mas, se tal for o caso, teremos que repensar mais e melhor todas as teorias econômicas e voltar a acreditar nas vantagens comparativas estáticas do economista britânico, David Ricardo, esquecendo o destino de Portugal, comparativamente ao da Inglaterra.

Nota

Macroanálise histórica e institucionalista desenvolvida por pesquisadores franceses que se dedicam às problemáticas do crescimento e do desenvolvimento econômicos.

*Miguel Bruno é economista pela UERJ, Mestre em Economia pela UFF e Doutor em Economia das Instituições pela École des Hautes Études en Sciences Sociales – EHESS-Paris, França e também Doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-IE-UFRJ. É pesquisador e professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas-ENCE do IBGE; professor adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e da Universidade Mackenzie-Rio.

Artigo colhido no sítio http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22585

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Roteiro da década petista

‘Dez anos que abalaram o Brasil – E o futuro?’ (Geração Editorial, R$ 24,90), assinado pelo economista João Sicsú, professor na UFRJ e ex-diretor do Ipea, discute as diretrizes econômicas e sociais das administrações petistas. Apesar de otimista com a “constituição de um enorme mercado de consumo”, ele se volta contra o excessivo rigor fiscal, que resultou em cinco elevações seguidas das taxas de juros, em 2011.

Marcel Gomes

São Paulo – Acaba de sair um livro curto e refinado sobre as diretrizes econômicas e sociais das administrações petistas. O título é ‘Dez anos que abalaram o Brasil – E o futuro?’, de João Sicsú (Geração Editorial, R$ 24,90).

Seu conteúdo é apoiado em indicadores, tabelas e gráficos, sem ser prisioneiro de planilhas indecifráveis. Como diz Maria Inês Nassif, no prefácio, “Os números são avassaladoramente favoráveis aos governos de Lula e de Dilma e desfavoráveis aos governos anteriores, de cunho neoliberal”.

João Sicsú, professor de Economia na UFRJ e ex-diretor do Ipea, já produziu vários livros e artigos acadêmicos sobre juros, câmbio, moeda e desenvolvimento. Em todos, demonstra notável erudição e conhecimento da teoria keynesiana. Além de tudo, apresenta uma competência rara entre acadêmicos. Escreve fácil sobre temas difíceis.

Rota ascendente
O economista não faz obra de campanha, mas não esconde seu otimismo com as diretrizes dos últimos anos. Para ele, “Em termos econômicos e sociais, a mais importante mudança estrutural do Brasil (…) foi a constituição de um enorme mercado de consumo”.

E aponta que, entre 2003 e 2011, ingressou no mercado brasileiro o equivalente a toda a população da Argentina (mais de 40 milhões de pessoas).

As razões são várias. Entre elas está a queda do desemprego (de 12% em 2002 para 5,5% dez anos depois) e a redução das desigualdades. Isso é evidenciado pela curva ascendente da participação dos salários na composição da riqueza nacional. Um gráfico mostra que ela passou de 46% há dez anos para 51,4 em 2009.

Tais fatores – aliados ao aumento da formalização do trabalho e à elevação real do salário mínimo – impulsionaram a demanda e o desenvolvimento.

Gasto social
O gasto social do Estado por habitante se elevou em 70% ao longo da década. E o investimento em educação também se expandiu. Até 2002 havia 43 universidades federais espalhadas pelo país, criadas desde que, em 1909, foi formada a primeira delas, Universidade do Amazonas (hoje UFAM). Até 2011, mais 16 foram criadas, totalizando 59 instituições.

Ele celebra os resultados, mas aponta cuidados a serem tomados. “Embora o mercado doméstico tenha crescido, os empresários e o governo perceberam que as importações de bens industrializados cresceram muito mais. (…) Em 2002, o país importava US$ 40,4 bilhões (…) e em 2012 importou US$ 193,9 bilhões”.

É um problema a ser resolvido por ajustes no câmbio e na teia de tributos cobrados da indústria.

Correções de rota
Apesar das melhoras, o autor não acha que atingimos o céu na terra. “Os cidadãos desejam e necessitam mais que empregos, renda e consumo”, avalia ele. “A vida dentro de casa já melhorou no Brasil. A exigência é que a vida também tenha melhor qualidade fora de casa”. Isso demandaria “um projeto de desenvolvimento nacional” que ultrapasse iniciativas no varejo e “aponte claramente para onde se deseja levar a sociedade”.

Sicsú examina outros problemas a serem corrigidos. Volta-se contra o excessivo rigor fiscal, que resultou em cinco elevações seguidas das taxas de juros, em 2011. A meta era desacelerar a economia, diante do possível risco de disparada inflacionária.

O crescimento do PIB de 7,5% em 2010 foi derrubado para 2,7% no ano seguinte e para 0,9% em 2012. “A economia saiu de um ritmo muito bom de crescimento para um desempenho modesto. Foi uma queda muito acentuada”, alerta. A queda das expectativas do setor empresarial pode comprometer o quadro, numa situação de contração da economia mundial.

Mudar a comunicação
Outra crítica do economista diz respeito a área de comunicação. “O PT e seus aliados não foram capazes ainda de construir instrumentos capazes de disputar a hegemonia de idéias na sociedade”. Segundo ele, o governo favorece a concentração da mídia “nas mãos dos barões ao fazer a sua publicidade e das estatais orientadas unicamente pela audiência dos veículos de comunicação”. Com isso, “A Globo recebeu, em 2012, praticamente 50% dos valores de publicidade pública”.

Vale uma ressalva. Boa parte da base aliada – especialmente o PMDB e a bancada evangélica – possui concessões de rádio e TV e é beneficiária do modelo vigente. Talvez o PT não queira causar maiores fissuras numa articulação política repleta de instabilidades.

Base aliada
A última parte da obra intitula-se “Conversando com a base aliada”. Há entrevistas com líderes do PCdoB, do PDT e do PSB. É a parte menos substancial do livro, por não abranger a agremiação principal, o PT, e a segunda legenda mais importante da base, o PMDB.

O arco de sustentação da gestão Dilma é composto por 22 partidos, entre os quais o PSC, do pastor Marco Feliciano, e o PRB, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus. Se não todos, valeria a pena saber o que têm a dizer sobre economia as principais organizações partidárias que apoiam o governo.

No entanto, esse não é o centro do trabalho. ‘Dez anos que abalaram o Brasil‘ é um volume enxuto e abrangente. O título é obviamente inspirado no clássico ‘Dez dias que abalaram o mundo’, de John Reed, sobre a Revolução Russa. Ao longo de 132 páginas repletas de informações faz um levantamento objetivo dos principais avanços e insuficiências da política econômica da última década. E não esconde seu otimismo, apesar dos obstáculos a serem superados.

Notícia colhida no sítio http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22588

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