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Por uma história que valorize a comunidade negra e a cultura construída na senzala

Não é preciso muito esforço para compreender o que o professor e mestre em história Raul Róis Schefer (último à direita na foto acima) tem a dizer sobre uma nova realidade em relação à cultura dos escravos e sua contribuição com a história do país. Raul propõe uma espécie de volta ao passado da vida de famílias negras no Brasil, mais precisamente no Rio Grande do Sul. Mais uma volta a um passado real. E mais do que isso. Seus trabalhos de pesquisa propõem não apenas que se enxergue a senzala como um local escuro, mal-cheiroso, perigoso, mas como o espaço possível em que imigrantes trazidos à força para trabalhar viviam. E que mesmo em condições péssimas souberam construir família e identidade. Chegou o tempo de contar histórias de heróis lançados ao anonimato por causa da cor negra de suas peles.

Essas poucas linhas acima não conseguem expressar a importância dessa visão, ou melhor, da proposta de mudança de visão acerca do que os negros representaram para o Brasil. Dificilmente as linhas seguintes conseguirão expressar a importância da obra dos negros e a contribuição do professor Raul na palestra que proferiu, na noite da terça-feira, 19/11, no auditório da Casa dos Bancários, em comemoração à Semana da Consciência Negra.

O discurso científico de Raul é complexo e político. Sugere – e exige até – que a academia passe a tratar as comunidades negras exatamente como “comunidades”. Em tempos de pós-colonialismo, quando as colônias europeias do lado de cá do Atlântico e de lá, na África, se libertaram do jugo europeu, o que se demora muito para mudar é exatamente a academia. Raul plantou a semente dessa mudança, seguindo a trilha da busca por historicidade. Mas, diga-se, não aquela historicidade que relega a função do negro na construção da identidade brasileira a segundo plano, ou até mesmo a oculta.

“O trabalho do historiador é também ir desmistificando a senzala. Construiu-se uma imagem de que os escravos eram pessoas sem muita regra e sem alma. E que só existia promiscuidade dentro da senzala. Isso não é verdade. Temos uma comunidade de senzala, imigrantes que construíram a história do país. É claro que a senzala não era um local tranquilo. Tinha violência. O problema é que se contou apenas a história de violência. Temos que contar a história positiva”, ensina Raul.

E o que isso implica? Em mudanças profundas. A começar pela metodologia de pesquisa. De fato, é inegável que há construção ideológica dentro da academia, até por que há em tudo o mais. O grande problema é quando e ideologia afeta a metodologia a ponto de cegar o pesquisador. Raul demonstra, em suas pesquisas, que os negros não são apenas heróis. Mas estão muito longe de serem os bandidos e as pessoas sem alma que a historiografia reproduz.

Vai muito mais além. O professor Raul desenvolve suas pesquisas em um campo muito próximo de Porto Alegre. E o mais interessantes é que seu objeto de pesquisa circunscreve-se numa região de imigração. É entre o Vale dos rios Caí e Sinos, até a subida da Serra, que ele descobriu algo que poderia passar por muito óbvio. Nada mais do que cegueira. Em Portão, cidade de colonização alemã, obviamente, as comunidades negras chegaram antes dos imigrantes alemães. Estabeleceram-se por lá, criaram famílias e eram respeitados pelas habilidades que tinham. Mas quem se dá realmente conta disso?

De fato, os negros, na comparação com os descendentes de alemães e brancos, são também imigrantes e chegaram antes. “O Rio Grande do Sul é o estado dos imigrantes europeus. E os negros são imigrantes também. Mas, ao contrário dos italianos e alemães, por exemplo, são imigrantes que vieram forçados. Imigrantes forçados. Quer dizer, a influência do negro é fundamental e anterior a outros imigrantes”, explica.

Alguns dados corroboram as conclusões de Raul. O Rio Grande do Sul é um estado que tem um dos maiores, se não o maior, volume de casas de religião africanas no Brasil e 48% da população gaúcha é negra ou afrodescendente. O professor trouxe a história de uma família em Portão. Família com patriarca, matriarca e descendentes. Organizados, coesos e, acima de tudo, familiarizados com a própria história. “Eram famílias que são responsáveis por metade da população do Estado. O importante a se perguntar é: como conseguiram chegar onde chegaram sendo imigrantes com supostamente menores possibilidades de conseguir se organizar?”

Por óbvio, esta realidade não coloca os negros e, sobretudo os escravos, fora do sistema escravista que se encarnou na cultura brasileira entre os séculos 16 e 19. Exemplo: havia escravos tão especializados que eram remunerados por seus serviços e conseguiam até mesmo juntar dinheiro para comprar suas alforrias. Houve ex-escravos que também tiveram escravos, migrantes italianos e alemães também tiveram escravos, contrariando o senso comum. Os registros documentais o confirmam. Eram tempos de sistema escravista, explica o professor Raul. A regra, no entanto, eram a injustiça, o castigo e o sofrimento contra escravos: todos negros.

Não por acaso, surge, no século 17, a figura de Zumbi dos Palmares. E não por acaso senhores de escravos, donos do modo de produção que empregavam a mão de obra escrava, passaram a temer reações. E se hoje saudamos a Jornada de Junho e a revolta dos jovens contra a política, os políticos e o alto preço das tarifas de ônibus, isso tem raiz africana. Se hoje sabemos que os sindicatos lutam e conquistam direitos para os trabalhadores que representam, isso começou na senzala.

 

Portanto, é tempo de pensar que o negro, apesar de toda a dificuldade, conseguiu estruturar estratégias que o ajudaram a criar os filhos, constituir família e ainda se rebelar contra o flagelo da escravidão. Tempos de pensar em estratégias de luta e aprender muito com os nossos antepassados. “Não houve submissão e as coisas não foram dadas de graça. Teve muita revolta e conquista. Os senhores de escravos e os donos das empresas que usavam a mão de obra tinham muito medo de rebelião”, conta o professor Raul.

 

 

Fonte: Imprensa SindBancários

Última atualização em Qui, 21 de Novembro de 2013 10:24

Notícia colhida no sítio http://www2.sindbancarios.org.br/site2011/component/content/article/22-comunicacao-destaques/6144-por-uma-historia-que-valorize-a-comunidade-negra-e-a-cultura-construida-na-senzala

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