Uma operação de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo (SRTE-SP) resgatou 12 haitianos e dois bolivianos que trabalhavam em uma confecção no Pari, zona norte da capital paulista, em condições análogas à escravidão. Segundo a superintendência, esta foi a primeira vez que haitianos foram resgatados neste tipo de operação em São Paulo.
A oficina de costura onde eles foram encontrados prestava serviços para a marca As Marias. Segundo a auditora fiscal Elisabete Sasse, os imigrantes eram submetidos a jornadas exaustivas de trabalho, entre 11 e 15 horas por dia. No local, os fiscais observaram também que a oficina e o alojamento ficavam no mesmo ambiente e e as condições eram degradantes. “As instalações elétricas eram precárias, com fiação exposta”, disse a auditora, o que representava um grande risco para o local. Os alojamentos, segundo ela, eram precários: sujos, com ventilação insuficiente, com restos de comida e botijões de gás espalhados pelos quartos e mofo nas paredes.
De acordo com a auditora, os imigrantes recebiam como pagamento somente alimentação e moradia. Entre os dias 5 de junho e 5 de agosto [quando eles foram resgatados], os trabalhadores receberam apenas R$ 100 de pagamento, que foi pago no dia 1º de agosto após reclamação dos trabalhadores. “No dia 1º, eles [imigrantes] receberam esse valor e paralisaram as atividades. A oficinista então cortou a alimentação”, disse a auditora. A oficina foi interditada.
Para evitar que situações como essa continuem a acontecer, Renato Bignami, coordenador das Ações contra Trabalho Escravo da SRTE-SP, disse que o ministério coletou com a Missão da Paz uma lista de 130 empresas que já contrataram imigrantes e, a partir disso, eles pretendem orientá-las e monitorá-las para combater o trabalho escravo.
Em entrevista à Agência Brasil, Mirian Prado, uma das proprietárias da marca, disse nunca “ter imaginado” que a confecção terceirizada que contratou para produzir as peças da marca fazia uso de trabalho escravo. “Sou uma empresa pequena, minha produção é pequena. Meus funcionários são todos contratados. Nunca imaginei isso. Não tinha conhecimento [que a oficina terceirizada empregava trabalho escravo]”, disse.
Mirian disse ser “totalmente contra o trabalho escravo” e que, a partir de agora, vai alugar um imóvel e montar sua própria linha de produção.A proprietária da marca também disse ter pago todas as indenizações trabalhistas, além de ter dado cestas básicas aos haitianos e bolivianos que foram resgatados da confecção, informação que foi confirmada pela superintendência do Ministério do Trabalho e Emprego.
O MTE comunicou hoje (22) que fez outra operação de fiscalização que também constatou trabalho escravo em uma confecção localizada na Casa Verde, zona norte da capital, e que produz peças de moda feminina para a marca Seiki. Segundo a superintendência, na oficina foram encontrados 17 trabalhadores em condições análogas à escravidão, sendo oito homens e nove mulheres, entre elas, uma adolescente grávida, de 15 anos, todos bolivianos.
No local, os trabalhadores eram submetidos a jornadas exaustivas de trabalho [eles trabalhavam entre 13 ou 14 horas por dia], tiveram suas carteiras de trabalho retidas e sofriam desconto no seu pagamento referentes à alimentação e à moradia. Os trabalhadores, de acordo com o auditor fiscal Luiz Alexandre de Faria, recebiam cerca de R$ 500 ou R$ 600 por mês. “Isso representa, aproximadamente, 40% apenas do valor que seria devido à convenção coletiva das costureiras, remuneração bastante indigna”, falou.
Os alojamentos onde eles dormiam eram degradantes, com instalações sanitárias “deploráveis”, sem limpeza, cobertos de mofo, com botijões de gás espalhados e potencializando a possibilidade de acidentes, além de não receberem alimentação suficiente e água potável. A oficina, segundo o auditor fiscal, foi interditada.
Em entrevista à Agência Brasil, o advogado da Seiki, Horácio Conte, disse que a empresa foi surpreendida com a notícia de que uma das cerca de 30 confecções que ela utiliza utilizaria trabalho escravo. Segundo ele, esse tipo de problema nunca tinha ocorrido com a Seiki, empresa que atua há mais de 40 anos no mercado.
De acordo com o advogado, a Seiki monitorava a confecção por meio de holerites de seis empregados e recolhimentos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e da previdência, além de cópia do livro dos empregados, mas que desconhecia as irregularidades que foram constatadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e a quantidade bem superior de trabalhadores que a oficina empregava. A Seiki pagou todas as indenizações trabalhistas (cerca de R$ 294 mil), o que foi confirmado pela superintendência, e informou que, a partir de agora, a empresa vai aprimorar a sua fiscalização sobre as empresas terceirizadas.
Para o superintendente regional do Trabalho e emprego, Luiz Antônio Medeiros, “trabalho escravo é uma vergonha nacional”. Para combater o problema em São Paulo, Medeiros assinou hoje uma portaria que regulamenta a Lei Estadual nº 14.946, de 28 de janeiro de 2013, que dispõe sobre a cassação da inscrição no cadastro de contribuintes do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal de Comunicação (ICMS) de qualquer empresa que faça uso direto ou indireto de trabalho escravo ou em condições análogas à escravidão. “As empresas que praticam trabalho escravo estão sujeitas a perder o registro do ICMS. Essa portaria regulamenta esta lei estadual”, disse.
Uma das diretoras do Sindicato das Costureiras de São Paulo, Maria Susicleia Assis, disse à Agência Brasil que o trabalho escravo no setor têxtil tem gerado uma grande preocupação no sindicato. “Está aumentando tanto que agora está agregando também os haitianos. Isso é uma preocupação muito grande porque o nosso setor está se deteriorando. Estamos tirando o emprego formal e fazendo esse trabalho escravo e degradante com os estrangeiros”, disse. De acordo com a diretora, o sindicato tem recebido denúncias diariamente sobre trabalho escravo em confecções. “O que está faltando mesmo é a responsabilidade do empresário em saber para onde ele está mandando o seu trabalho”.
Fiscalização resgata haitianos escravizados em oficina de costura em São Paulo
Quatorze pessoas passavam fome e eram obrigadas a viver em condições degradantes. Resgate é o primeiro envolvendo haitianos no Estado de São Paulo
Por Stefano Wrobleski | Categoria(s): Notícias
Doze haitianos e dois bolivianos foram resgatados de condições análogas às de escravos em uma oficina têxtil na região central de São Paulo. O resgate ocorreu no início deste mês após fiscalização de auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e uma procuradora do Ministério Público Trabalho (MPT). As vítimas trabalhavam no local há dois meses produzindo peças para a confecção As Marias, mas nunca receberam salários e passavam fome. O caso é inédito. Apesar de imigrantes haitianos já terem sido resgatados da escravidão no Brasil, até então, nenhum havia sido libertado nem no Estado de São Paulo, nem no setor têxtil.
Segundo a fiscalização, antes de serem aliciados, os haitianos estavam sendo abrigados pela pastoral Missão Paz, mantida pela paróquia Nossa Senhora da Paz para acolher migrantes de outros países que chegam a São Paulo. Além de alojar os migrantes, a pastoral promove palestras a empresários sobre a cultura e os direitos dos estrangeiros, onde os interessados em contratar os recém-chegados preenchem fichas com informações que são usadas para verificar a situação trabalhista das empresas na Justiça e monitorar as contratações.
De acordo com o padre Paolo Parise, que coordena a missão desde 2010, o interesse dos empresários pela Missão Paz diminui quando eles são informados de que os migrantes têm os mesmos direitos dos demais trabalhadores no Brasil. O padre diz que, de janeiro a julho deste ano, 587 empresas contrataram 1710 migrantes através da pastoral. O número de empresas, porém, equivale a apenas um terço do total de interessados que assistem à palestra inicial.
MTE assina protocolo contra escravidãoEm coletiva de imprensa, o superintendente regional de São Paulo do MTE, Luiz Antônio de Medeiros Neto assinou portaria que regulamenta o envio direto de ofício com informações sobre empresas flagradas com trabalho escravo no Estado de São Paulo para a Secretaria da Fazenda do Estado, e para a Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae-SP). A medida visa garantir a efetividade da lei nº 14.946/2013, que prevê a cassação do registro do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de empresas flagradas com trabalho escravo e seu banimento do estado por dez anos. Clique aqui para ler a minuta da portaria. |
A dona da oficina onde as 14 vítimas de trabalho escravo foram resgatadas faz parte dos dois terços de empresários desistentes. “Em maio, ela e seu esposo vieram, participaram da palestra e, depois, sumiram sem contratar ninguém”, disse Paolo. Antes de ser aliciado, Daniel*, um dos haitianos, já tinha emprego fixo em um shopping da capital e retornava todas as semanas à pastoral para dar, voluntariamente, aulas de português aos colegas conterrâneos.
Daniel aprendera o idioma pela internet antes de vir para o Brasil e vem aprimorando seus conhecimentos desde 2012, quando chegou ao país pelo Acre. A maior parte dos seus colegas, no entanto, havia chegado fazia menos de um mês ao Brasil e o crioulo (junto com o francês, uma das línguas oficiais do país) era o único idioma que sabiam falar.
Ante a promessa de receber um salário menor, mas com benefícios como alimentação e alojamento garantidos pelo empregador, ele aceitou a oferta da dona da oficina: “O maior problema no Brasil são os custos de vida, como aluguel e outras coisas”, disse à reportagem. Daniel, então, deixou o emprego no shopping e chamou alguns colegas para quem dava aulas na Missão Paz. Para o trabalho, a dona da oficina havia dito a ele que não era necessário saber costurar: eles seriam contratados como aprendizes e teriam contato com o ofício trabalhando na confecção para As Marias. No Haiti, eles tinham ocupações diversas. Daniel era vendedor autônomo, enquanto outra das vítimas estudava para ser enfermeiro.
Condições degradantes
Na oficina, as vítimas começaram a trabalhar em junho. No local também ficavam os quartos onde os doze haitianos, um casal de bolivianos e seu filho de quatro anos dormiriam. Com colchões em mal estado no chão, mofo, infiltrações e péssimas condições de higiene, a auditora fiscal Elisabete Cristina Gallo Sasse, que participou da operação, disse à Repórter Brasil que os cômodos eram tão pequenos que “nós [a equipe] não conseguíamos nem ficar dentro deles”.
De segunda a sábado, submetidos a uma jornada que podia chegar a até 15 horas por dia, os bolivianos teriam a função de ensinar às demais vítimas a costurar. Assim, os haitianos tiveram suas carteiras de trabalho assinadas na função de “aprendiz de costureiro”. A fiscalização apurou que a maioria dos trabalhadores tinha mais do que a idade máxima, de 24 anos, para exercer a função de aprendiz e não havia qualquer instituição acompanhando o aprendizado. O artifício tinha a função de permitir o registro em carteira com salário de R$724, o mínimo brasileiro e inferior ao piso, de R$1017, da categoria dos costureiros para a região.
O que mais me chocou foi ver a crueldade do ser humano de deixar trabalhadores passando fome, de ter o alimento e não fornecer |
Fome
Apesar de baixo, o salário nunca veio. A alimentação, outra promessa inicial, era de baixa qualidade e não havia refeitório no local. Quando, quase dois meses depois do início do trabalho, as vítimas reclamaram que queriam ser pagas, receberam da dona da oficina um vale de R$100. Em contrapartida, deixaram de receber comida.
Ao chegar ao local, a fiscalização encontrou os trabalhadores almoçando pães franceses que eles mesmos haviam comprado. Os fiscais também descobriram uma cozinha de uso exclusivo da dona da oficina e em melhores condições do que a disponibilizada aos costureiros. Dentro dela, os alimentos eram escondidos no interior de um sofá. “O que mais me chocou foi ver a crueldade do ser humano de deixar trabalhadores passando fome, de ter o alimento e não fornecer, deixando-os em situação de penúria”, lamentou Elisabete.
Antes de deixar a oficina, a equipe interditou o imóvel e as máquinas de costura pelo “grave e iminente risco de incêndio”, conforme os fiscais escreveram no relatório da operação, por conta de instalações elétricas irregulares, da falta de extintores dentro do prazo de validade e da não existência de proteção das partes móveis das máquinas de costura.
A confecção As Marias foi responsabilizada pelas infrações aos direitos dos trabalhadores com base na súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A empresa pagou todas as verbas rescisórias e os salários atrasados dos funcionários e firmou Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho para fornecer cestas básicas e hospedagem às vítimas.
À Repórter Brasil, a estilista e dona da empresa, Mirian Prado, disse que não tinha conhecimento das condições de trabalho na oficina e que só terceirizava o trabalho: “A gente estava na hora errada, no lugar errado e fazendo a coisa errada sem saber”, disse. Depois da autuação, Mirian informou que a empresa passou a fiscalizar outros fornecedores e que pretende deixar de terceirizar o serviço em breve para ter melhor controle sobre sua produção.
Já Daniel, que passara por outros empregos no Acre, Rio Grande do Sul e São Paulo antes de ser escravizado, disse pensar em voltar para seu país natal: “No Brasil tem muitos empregadores que falam para a gente [haitianos] que vão pagar uma coisa e, quando a gente chega lá, acabam pagando menos, não pagam hora extra… Muitos empresários pagam direito, mas eu tive muitos problemas”, explicou.
Em outra ação, adolescente grávida é resgatadaTambém em São Paulo, uma equipe do MTE resgatou 17 bolivianos submetidos a trabalho escravo em outra oficina têxtil, produzindo para a empresa Seiki. Dentre as vítimas estava uma adolescente de 15 anos grávida de sete meses. As jornadas chegavam a 12 horas por dia e os documentos dos trabalhadores haviam sido retidos, o que caracterizou restrição de liberdade: “Todos os aspectos de suas vidas privadas eram controlados”, concluiu a fiscalização no relatório da operação. Os alojamentos ficavam junto dos locais de trabalho. Além dos trabalhadores, quatro crianças de seis meses a sete anos de idade moravam no local, considerado em condições degradantes. Por mês as vítimas recebiam R$700 cada, um valor menor que o salário mínimo e de cerca de 40% do piso para a categoria. Os funcionários mais antigos trabalhavam no local desde novembro de 2013. A terceirização foi considerada ilegal e a Seiki pagou todas as verbas rescisórias, responsabilizando-se solidariamente pelos trabalhadores, conforme determina a legislação vigente. Horácio Conde, advogado da empresa, disse à reportagem que a empresa desconhecia as infrações e não sabia do número total de contratados, já que somente três tinham carteira de trabalho assinada. Horácio afirmou ainda que, após o flagrante, a Seiki deve “aprimorar determinadas práticas de fiscalização”. |
* O nome foi alterado para preservar a identidade da vítima
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Notícia colhida no sítio http://reporterbrasil.org.br/2014/08/fiscalizacao-resgata-haitianos-escravizados-em-oficina-de-costura-em-sao-paulo/