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‘Governo do Paraná é negócio de poucas famílias’, diz professor

Mais de 150 mil servidores públicos do PR devem parar nesta terça-feira (19). Para professor da UFPR, Beto Richa (PSDB) tem como agenda política dimensão do neoliberalismo, da exclusão social

Professores PR

JOKA MADRUGA/FUTURA PRESS/FOLHAPRESS

Desde a repressão violenta aos professores, governador Beto Richa (PSDB) tem sido alvo constante de protestos

Curitiba – Mais de 150 mil servidores públicos do Estado do Paraná preparam-se para iniciar nesta terça-feira (19) uma greve geral, por tempo indeterminado, em reação às medidas adotadas nos últimos meses pelo governador tucano Beto Richa e que atingem em cheio uma série de conquistas do funcionalismo nos últimos anos. Servidores da saúde, agentes penitenciários, bombeiros, funcionários da Justiça e diversas outras categorias se unirão aos professores da escolas públicas e universidades estaduais, que protagonizam já a segunda paralisação este ano.

Enquanto servidores, professores, pais e alunos preparavam-se para uma marcha que deve reunir dezenas de milhares de pessoas no Centro Cívico de Curitiba, o governador desistiu de enviar hoje (18) à Assembleia Legislativa do Paraná o projeto de lei com proposta de reajuste salarial de 5%, bem abaixo da inflação de 8,17% em 12 meses, até abril, medida pelo IPCA-IBGE.

Representantes da APP Sindicato (entidade dos trabalhadores na educação) e do Fórum dos Servidores manifestaram nesta segunda-feira a expectativa em que o governo opte pela reabertura do diálogo, já que o projeto não foi enviado à Assembleia. Mas o Palácio Iguaçu, sede do governo estadual, passou os últimos dias às voltas com novas denúncias de irregularidades, desta vez em relação aos recursos arrecadados pela campanha de Beto Richa à reeleição para governador, no ano passado.

Enquanto a oposição a Richa no Legislativo relançava a coleta de assinaturas para a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito para apurar um esquema de corrupção na Receita estadual, do qual emergiu a denúncia de fraude na arrecadação de recursos de campanha de Richa, o cientista político e professor Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), concedia esta entrevista, na qual analisa as práticas do governo tucano. Autor de Na Teia do Nepotismo – Sociologia política das relações de parentesco e poder político no Paraná e no Brasil, Oliveira expôs seu conceito de nepotismo estrutural e explicou como ele vem sendo aplicado pelo PSDB paranaense de modo a viabilizar uma agenda conservadora e partidária. “O nepotismo é a forma de organização social da política dentro do PSDB em quase todos os estados do Brasil. Ele tem como agenda política exatamente essa dimensão da exclusão social, do neoliberalismo, das privatizações e do que eles chamam de Estado mínimo, para quem é pobre, e Estado máximo na repressão” aos movimentos sociais.

Confira a íntegra da entrevista.

Como é possível colocar a atual crise dentro de um contexto histórico?

É a racionalidade da maneira pela qual as famílias dominantes do Paraná vêm atuando na política. O que acontece é aquilo que eu conceituo em meus livros como nepotismo estrutural na política paranaense.

E isso vem de quando?

Isso vem desde o período colonial, desde a criação da província do Paraná, em 1853. Quer dizer: é um longo e contínuo processo histórico. Poucas famílias dominam as instituições políticas do Paraná. Está na gênese da sociedade regional. E o que também chama a atenção é que os novos atores, quando ingressam na política, continuam essa tradição familiar.

O ‘familismo’ passa para as novas famílias imigrantes. É exatamente a situação atual, a conjuntura com a família Richa. Afinal, o José Richa, que foi o pai do Beto Richa, significava uma renovação na conjuntura da ditadura militar. Ele foi eleito (governador do Paraná) em 1982, pelo PMDB, com uma promessa de renovação e cidadania, enfrentando o grupo político do Ney Braga (PDS).

O que nós observamos 30 anos depois? Que a oposição também se converteu em uma nova e poderosa oligarquia familiar, a família Richa. E aí nós temos sempre que analisar as estruturas de parentesco e também as relações matrimoniais. No caso do Beto Richa, ele casa com uma das herdeiras da família Andrade Vieira, a Fernanda Vieira Richa, ligada ao grupo do antigo Bamerindus.

E hoje uma análise do que é o governo do Paraná é na verdade um negócio de poucas famílias. Temos o governador Beto Richa, a esposa, Fernanda, é secretária de governo e cuida de toda a área social. O irmão do governador, José Richa Filho, atua em toda a área de infraestrutura e logística. Também atua o primo Marcos Traad, que está no Detran. Outro primo, Luiz Abi Antoun, acompanha o Beto Richa praticamente desde o início de sua carreira política. Ele chegou a ser assessor quando o Beto Richa era deputado estadual.

Essa situação de manutenção de apoio político ao Beto Richa em um momento de grave crise no Paraná também pode ser atribuído ao nepotismo estrutural?

Sim, trata-se de mais uma manifestação do familismo, do nepotismo, que é também uma prática autoritária, uma vez que a Assembleia Legislativa é dominada por poucas famílias. A gente ainda vê que os grandes chefes políticos da Assembleia também pertencem, em sua maioria, a essas estruturas de parentesco, transmitidas ao longo de várias gerações. Com isso, a resposta às demandas do movimento social, do movimento popular, no caso dos educadores, foi a violência, a truculência e o autoritarismo. É uma maneira de exclusão.

Ao mesmo tempo que o governador Beto Richa cooptou e construiu uma aliança com setores elitistas no governo não apenas com a Assembleia Legislativa, mas também com o Poder Judiciário. O auxílio-moradia (dos juízes), por exemplo, é de R$ 4.300, e foi pago de maneira retroativa. Também um outro aparelho que sempre está vinculado a esse nepotismo é o Tribunal de Contas do Estado.

Com esse comportamento, nós observamos também que houve uma série de ações familiares e veio o início da crise, quando uma das instituições em que prevalece o profissionalismo, no caso o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), começou a investigar o esquema da Receita estadual em Londrina e de alguns comissionados.

Os comissionados também representam um componente central no esquema do nepotismo estrutural, porque é a maneira que se tem de cooptar quadros políticos, cabos eleitorais, como atores do Estado. Foi a ação do Gaeco que conseguiu fiscalizar e inclusive prender, por exemplo, esse primo, Luiz Abi Antoun. Ele montou um esquema organizado de fraudes na Receita estadual em Londrina, junto com quadros próximos do governador. A investigação também descobriu casos de pedofilia.

Nesse caso, por exemplo, um assessor chamado Marcelo Caramori ficou bastante conhecido por ter uma tatuagem em código de barras na qual estava escrito “100% Beto Richa”. Isso vai mostrando que um sistema que tem um núcleo duro de nepotismo no governo do estado organiza tentáculos em praticamente todas as principais secretarias e na estrutura da Receita estadual, o que está sendo agora levantado. Em resumo, existe uma grande rede de famílias no controle do poder Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Os poderes, em vez de se fiscalizarem, atuam numa rede de cumplicidade, nepotismo e mútuo apoio nas vantagens e privilégios.

Isso é um sistema exclusivamente nepotista ou também embute uma agenda conservadora e partidária?

A agenda é conservadora e partidária e ela é viabilizada pelo nepotismo. O fato é que o PSDB, isso pensando em termos nacionais, transformou-se em um grande partido de família políticas. Pode ver estado por estado. O candidato à Presidência que perdeu as eleições, o Aécio Neves, ele também é um quadro familiar das oligarquias mineiras.

O fato de ele ter sido neto do Tancredo Neves, o pai ter sido deputado federal, que apoiou a Arena, ele ter obtido os primeiros empregos pelo nepotismo na Caixa Econômica e sempre ter tido uma trajetória dentro da política estatal. Em São Paulo, também a gente observa o caso da família Covas. Também a família Jereissati no Ceará.

Isso mostra que a atual geração no comando, na renovação do PSDB, os principais deputados federais eleitos no ano passado têm vínculos com famílias políticas antigas, o que mostra que com a transição para a democracia essas famílias adquiriram grandes capitais políticos e também defendem uma agenda  conservadora neoliberal para o Brasil, que pode ser resumida na ação do próprio Beto Richa: menos Estado para o social.

O governo do PSDB não investe na educação, não investe na saúde, não investe na cidadania, privatiza o que pode, terceiriza o que consegue e para quem é pobre, para o movimento social, é o mais Estado na forma do autoritarismo, da violência e da truculência.

É a transferência dos recursos do Estado para as elites…

Exato, empresariais. É o que está acontecendo agora no escândalo da Receita Estadual em Londrina. Mais de 50 foram processados, presos e agora estão aparecendo as delações premiadas com denúncias de que parte desses recursos seriam destinados para a campanha eleitoral do Beto Richa, do PSDB, no ano passado.

Isso mostra que o nepotismo é a forma de organização social da política dentro do PSDB em quase todos os Estados do Brasil, e que ele tem como agenda política exatamente essa dimensão da exclusão social, do neoliberalismo, das privatizações e do que eles chamam de Estado mínimo, para quem é pobre, e Estado máximo na repressão, na agressão da polícia, como vimos aqui em Curitiba no dia 29 de abril.

Casos como as mudanças na previdência dos servidores mostram que essa política vem obtendo sucesso apesar da resistência popular. É correto dizer que os conservadores estão enxergando no Paraná uma espécie de laboratório que, se der certo, poderia ser aplicado em outros lugares do Brasil?

O Paraná sempre teve esse papel de modelo no Brasil em várias outras áreas, no planejamento urbano, por exemplo. Na política, um dos principais atores é o atual secretário da Fazenda do Paraná, Mauro Ricardo Costa. Ele não é paranaense. Ele é um quadro nacional do PSDB que funciona como um “gafanhoto” dos orçamentos públicos. Ele já atuou na Bahia e em São Paulo antes e agora veio ao Paraná operar uma intervenção política e administrativa.

Ou seja: trata-se de um quadro administrativo para implementar a política do PSDB no Paraná no sentido do Estado mínimo, no sentido de retirar a função social, a função coletiva do Estado, para beneficiar elites empresariais, para beneficiar a própria política do nepotismo no Executivo, no Legislativo, no Judiciário, e com isso retirar também direitos sociais e econômicos da maioria da população e dos servidores.

O que acontece no Paraná é o modelo do que os tucanos gostariam de ter implementado em Brasília se o Aécio Neves tivesse ganhado as eleições. Ele tem a mesma origem do Beto Richa. É alguém que vem do nepotismo, alguém que teve uma trajetória nos privilégios do Estado, alguém que nunca trabalhou no sentido que conhecemos como experiência empresarial ou concurso público, alguém que já nasceu no tapete do poder e tem esse comportamento na vida pessoal e na vida política, ligado a isso que nós denominamos nepotismo estrutural.

Fonte: Rede Brasil Atual

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