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Enquanto estiver vivo, Lula desempenha um papel importante

Assista à entrevista de Aline Piva, exclusiva para o Nocaute, com o economista Mark Weisbrot, que ontem escreveu um artigo no NYT criticando a condenação do ex-presidente

25/01/2018 12:57

Reprodução

O economista norte-americano Mark Weisbrot vem captando as atenções da mídia no Brasil. Um artigo de sua autoria, recém-publicado pelo jornal The New York Times, traz uma análise bastante desalentadora sobre as consequências do julgamento de Lula, caso os juízes do TRF-4 decidam pela confirmação da sentença contra o ex-presidente Lula. Para Weisbrot, “o Brasil terá que ser reconstituído como uma forma de democracia eleitoral muito mais limitada, na qual um judiciário politizado pode excluir um líder político popular de concorrer a um cargo público. Isso seria uma calamidade para os brasileiros, para a região, e para o mundo”.

Em entrevista exclusiva para o Nocaute, Weisbrot comenta as prováveis consequências de uma condenação de Lula, o possível papel dos Estados Unidos no golpe parlamentar contra Dilma Rousseff, e como o ativismo político do judiciário brasileiro vem contribuindo para a deterioração do Estado de Direito no Brasil.

Parte 1

Mark Weisbrot: Eu acredito que o primeiro problema é a evidência. Há um documento de 230 páginas da sentença do juiz Sérgio Moro e não se pode realmente encontrar nenhuma evidência documental de que o presidente Lula ou sua esposa aceitaram suborno de nenhum tipo. E claro, as acusações de lavagem de dinheiro são uma extensão disso. Então, sem propina, também não há lavagem de dinheiro. Então todo o caso, sem nenhuma prova que corrobore, sem nenhuma prova documental, outras testemunhas, gira em torno do testemunho de Pinheiro, que era um executivo da construtora OEA, e ele teve mais de 80% da sua pena de 16 anos reduzida pelo seu testemunho contra Lula. E é ainda pior que isso: Folha de S.Paulo publicou que o acordo de delação premiada foi suspenso por um tempo, porque primeiro ele deu a mesma versão de Lula sobre esse apartamento, que é supostamente o suborno. Então eles cortaram seus acordos de delação até que ele mudasse sua história e desse a eles uma história que implicasse Lula em um crime. Mas isso não é suficiente para condenar Lula. Quer dizer, uma testemunha, nenhuma outra testemunha. Quero dizer, é um apartamento. Ele é supostamente o proprietário. Deveria haver alguma evidência de que ele era o proprietário. E eles não têm isso. Então isso é a primeira coisa. Ele não tinha um caso para condenar alguém. E você sabe, é interessante, quando eu escrevi esse artigo, no final, os editores do [New York] Times decidiram que eles queriam links em inglês, e não em português – o que faz sentido, já que é uma publicação em inglês. E eu pensei: “ok, isso deve ser fácil”. Sabe, a maioria desses fatos que eu acabei de te dizer, eu não conseguia acha-los em nenhum lugar em inglês. Então eu tenho certeza que eles também não estavam em todas as partes na imprensa brasileira, mas pelo menos você poderia encontra-los. E aqui eu não conseguia encontrar alguns dos fatos mais importantes sobre o caso. Então isso te fala muito sobre o tipo de trabalho que a imprensa internacional fez sobre isso. Agora, a outra coisa sobre isso, claro, é a parcialidade já demonstrada do juiz Moro, em primeiro lugar, que fez um número de coisas para mostrar que ele era contra Lula – uma delas foi organizar aquela batida policial na sua casa, quando Lula já tinha se voluntariado a responder seu interrogatório, estava disposto a se submeter a ainda mais interrogatórios, e ele enviou a polícia para sua casa e o leva à força, o mantem detido, e avisa a mídia com antecedência, para que eles pudessem gravar todo o espetáculo. Então aquilo foi muito ruim, e então ele ilegalmente vazou para a imprensa – ele teve que se desculpar para a Suprema Corte por isso – ele vazou essas conversas entre Lula e seu advogado, Lula e Dilma, e outras conversas privadas. Então isso é suficiente, quero dizer, nos Estados Unidos, um juiz como esse seria, para dizer o mínimo, afastado do julgamento. E aí está ele, sendo pintado como um herói, e ele é pintado como um herói nos Estados Unidos. De fato, ele veio para os Estados Unidos. Ele tinha uma bolsa de pesquisa do Departamento de Estado aqui nos Estados Unidos, e ele veio para cá várias vezes. Então ele parece ser muito bem conectado, como o establishment de política externa aqui e isso também levantou muitas suspeitas quanto às suas motivações.

Parte 2

Mark Weisbrot: Bem, isso faz do Brasil um tipo de democracia diferente, não o mesmo tipo de democracia. Como no Irã, por exemplo, onde os líderes políticos decidem quem pode concorrer para cargos públicos. Agora, eles ainda têm algumas eleições limpas, mas eles não têm o mesmo tipo de escolhas. Então é isso que eu acho que está acontecendo aqui. É isso que as pessoas que as pessoas acreditam. Eu vi essa pesquisa no Brasil, de um centro de pesquisa respeitável, que mostrou que 42.7% dos brasileiros acreditavam que Lula estava sendo perseguido pela mídia e pelo sistema judiciário. E claro, depois do que aconteceu com Dilma, que foi, claro, um golpe parlamentar, como vocês sabem, eu acho que vocês terminaram com um governo que uma legitimidade questionável. E isso é o que acaba de acontecer em Honduras, por exemplo. E ainda há muita instabilidade, muita repressão lá, porque aquele governo parece que realmente roubou aquelas eleições. Eu tenho certeza que você sabe essa história, eu não vou entrar em detalhes, mas como qualquer pessoa pode defender isso? Então esse é o tipo de governo que você acaba tendo, se a direita ganhar depois de excluir Lula. E na verdade, eu não sei se eles ainda podem ganhar. Eu acho que eles estão em um dilema, porque se eles o colocam na cadeia, ele se torna algo como um mártir; se eles o deixam solto ele poderá fazer campanha pelo candidato do PT, como ele fez com Dilma em 2010. Então não é claro que vai acontecer. Contudo, se eles terminam ganhando depois de o terem excluído da corrida [eleitoral], esse será um governo de legitimidade questionável, o que leva a uma situação de instabilidade política.

Parte 3

Mark Weisbrot: Eu acho que os Estados Unidos sempre estiveram envolvidos no Brasil, assim como no resto da América Latina. Qualquer lugar onde há um governo de esquerda, os Estados Unidos estão envolvidos. Agora, nesse caso, você podia ver o envolvimento de Washington. Foi um pouco mais sutil do que em outros países, mas, por exemplo, quando Dilma foi removida pela Câmara dos Deputados do Brasil, na última primavera, dentro de dois ou três dias, o presidente do comitê de Relações Exteriores do Senado, Aloysio Nunes, veio aos Estados Unidos e se encontrou com o número 3 do Departamento de Estado, Tom Shannon, que esteve envolvido em todo tipo de coisas terríveis na América Latina. Além disso, ele era basicamente o encarregado das relações com a América Latina para a administração Obama, e porque eles têm esse encontro? Quero dizer, ele não precisava fazer isso. Isso realmente mandou um forte sinal. A mídia ignorou isso, mas qualquer pessoa que realmente sabe o que está acontecendo sabia que essa era a maneira de expressar o apoio dos Estados Unidos para o golpe. Agora, eles poderiam ter expressado seu apoio de maneira privada, para indivíduos, mas essa foi a maneira de colocar isso para uma audiência mais ampla, para dizer “nós realmente apoiamos o que está acontecendo”. E John Kerry, então secretário de Estado, ele foi para o Brasil em 15 de agosto. Dilma ainda não tinha sido removida formalmente, e então ele fez uma coletiva de imprensa com o então Ministro de Relações Exteriores de facto, José Serra, e Kerry afirmou que estava ansioso por melhores relações com o Brasil – outra expressão de apoio não só ao impeachment, mas também à votação que ainda estava pendente para o Senado removê-la do cargo. Foi tipo uma luz verde. Então eu acho que isso é uma influência muito poderosa. E eu tenho certeza de que há muito mais que eles fizeram que nós não vamos saber até que alguém vaze mais documentos.

Parte 4

Mark Weisbrot: Eu não acho que isso seja o fim. Enquanto Lula estiver vivo, ele vai ser capaz de desempenhar um papel muito importante. Quer dizer, veja o que ele fez em sua presidência. Em primeiro lugar, não houve praticamente nenhum crescimento econômico per capita por quase 33 anos antes do Lula ser eleito. Então você tem essa década, desde 2003 até 2014, onde você teve conquistas reais. A taxa de pobreza foi reduzida em 55%, pobreza extrema em 65%. Ele até conseguiu ter alguma redução na desigualdade, 75% de aumento real no salário mínimo. Então essas coisas foram avanços reais, e foram um avanço para a democracia. E eu digo mais: algo que é realmente importante é que nesses anos, isso foi de 2003 até o impeachment, em 2016, certo? O Partido dos Trabalhadores nunca prejudicou a democracia. Não só nunca fez nada como o que estamos vendo agora, eles nunca fizeram isso. Nem mesmo quando Dilma estava lutando pela sua sobrevivência contra um impeachment inconstitucional, eles sempre se mantiveram dentro dos limites da lei. Eles não pressionaram a mídia, eles não tentaram tomar medidas para se agarrar ao poder ilegalmente ou abusaram do poder. Então seja lá o que você queira dizer sobre o Partido dos Trabalhares e qualquer erro que eles possam ter cometido, ou corrupção (algo que você tem em todos os partidos do Brasil), eles nunca prejudicaram – ou nesse caso, destruíram -, o Estado de Direito ou a independência do Judiciário. De fato, eles aumentaram a independência do judiciário e foi assim que eles acabaram nessa confusão em primeiro lugar, porque o Judiciário se tornou um ator político. Então isso é algo realmente importante, e eu penso que isso demonstra algo muito pouco lisonjeiro sobre a mídia internacional, e claro, sobre a mídia brasileira. Que eles não respeitam isso, que eles não respeitam aquele governo por isso, e que eles não veem o contraste entre aquele governo e o que vocês têm agora.

Créditos da foto: Reprodução
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