A ladainha do “rombo da previdência”
Por
Floriano Martins de Sá Neto
O governo divulgou, no início dessa semana, a anual cantilena sobre o “rombo da previdência”. Alega, por meio de seu secretário de previdência, que cada vez mais se faz presente uma reforma para: “quebrar privilégios, para preservar os mais pobres, sob o risco de se ter que cortar benefícios (ou reduzi-los), como foi feito, por exemplo, na Grécia e em Portugal”.
Diante dessas afirmações, algumas considerações são necessárias. Primeiro que a atual proposta de reforma “passa longe” de ser destinada aos mais pobres. Segundo que é um erro unir RGPS e RPPS em um mesmo orçamento, inflando seu déficit. Regime Próprio (RPPS) e Regime Geral (RGPS) são coisas distintas, tanto que se encontram em artigos de Títulos distintos na Constituição Federal (Artigo 40 (Da Organização do Estado), financiamento das aposentadorias e pensões dos servidores públicos; e Artigo 195 (Da Ordem Social), financiamento da Seguridade Social e, obviamente, da previdência do Regime Geral).
Sobre a comparação com os problemas por que passaram Grécia e Portugal, onde se deduz que o tamanho de suas dívidas públicas foi muito influenciado pelas aposentadorias e pensões, é preciso fazer um adendo. De 1995 a 2015 a dívida interna federal brasileira saiu de algo em torno de R$ 86 bilhões para R$ 4 trilhões, mesmo com um superávit primário de R$ 1 trilhão no período. Portanto, não são os gastos sociais que geram a dívida, mas sim, as altíssimas taxas de juros, além de mecanismos financeiros como as operações de swap, mercado aberto, formação de reservas internacionais, empréstimos ao BNDES, dentre outros. Assim como no Brasil, na Grécia também foram tais mecanismos que geraram a dívida.
Um dos objetivos do governo com a reforma e com tudo que se relaciona com o mundo previdenciário é deslocar os gastos com a previdência para o famigerado gasto com juros e amortizações da dívida, que devem consumir metade do orçamento deste ano, conforme a lei orçamentária aprovada no Congresso. Isso deveria ser noticiado. Talvez seja por isso que o aumento do salário mínimo (1,81%), de forma inconstitucional, ficou abaixo do INPC (2,07%)? Foi o menor reajuste em 24 anos de luta por melhorias salariais. Lembrando que 70% das aposentadorias são no valor do salário mínimo.
Segundo o governo o rombo da previdência em 2017 foi de R$ 268,79 bilhões, somatório de R$ 182,45 bilhões vindo do Regime Geral e de R$ 86,34 bilhões do Regime Próprio. A Anfip há anos contesta essa matemática. Além do erro, já mostrado, ao unir Regimes de Previdência distintos, não se considera previdência como parte da Seguridade. Embora a Anfip tenha dados somente do ano de 2016, pode-se fazer um confronto. Em 2016 o dito “rombo”, segundo o governo, foi de R$ 149,73 bilhões. A conta, além de somar RGPS + RPPS, considera, pelo lado do INSS, apenas o que se paga de benefícios com o que se arrecada de urbanos e rurais. Ora, e onde fica o sistema tripartite da Seguridade? Segundo dados da Anfip, considerando as rubricas de receitas e despesas pertencentes a Seguridade, em 2016, houve um déficit de R$ 57 bilhões, valores bem menores que o divulgado pelo governo. Abre-se um parêntesis aqui para enfatizar que esse déficit, o primeiro na história da “Análise da Seguridade Social”, foi devido a uma combinação perversa de políticas macroeconômicas inadequadas, com altíssima taxa de desemprego e baixos investimentos, com renúncias fiscais e desvinculações de receitas da Seguridade, resultando na necessidade de financiamento do sistema.
Esse “déficit” pode não ser tomado como verdadeiro, pois se não houvesse renúncias e desvinculações, o resultado seria superavitário: para se ter noção, somente em 2016 foram R$ 271 bilhões em renúncias, recursos que deveriam ser destinados a políticas sociais, mas que de fato beneficiou, tão somente, o empresariado. E o país cresceu? Empregos foram gerados? Até 2015, o percentual de retirada de recursos da Seguridade via DRU era de 20%. Com a elevação para 30%, aprovada em 2016, a subtração de recursos passou de uma média de R$ 63,4 bilhões ao ano (entre 2013 e 2015) para R$ 99,4 bilhões. São recursos que ao invés de terem destinação especifica vão para o caixa único do Tesouro. A propósito, o governo utiliza esses recursos da maneira correta?
O governo quer, a todo custo, “custe o que custar”, implementar a reforma da previdência, tudo em nome do interesse privado, de uma lógica meramente mercantil que sacrifica as parcelas mais carentes e necessitadas da população.
As políticas de proteção social, nas quais se incluem a saúde, a previdência e a assistência social, são consideradas produto histórico das lutas do trabalho, na medida em que respondem pelo atendimento de necessidades inspiradas em princípios e valores socializados pelos trabalhadores e reconhecidos pelo Estado. Com luta, definitivamente, não será um governo ilegítimo que desmantelará a maior rede de proteção social brasileira.
(*) Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e presidente da ANFIP.
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Artigo colhido no sítio https://www.anfip.org.br/noticia.php?id_noticia=22849
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