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Por 10:36 Opinião de trabalhador, Recentes, Regional PACTU

Com 33 milhões de famintos, o Brasil vive um retrocesso inédito no mundo

Queda na qualidade dos alimentos disponíveis para consumo, aumento no preço dos alimentos, redução de salários ou perda de fonte de renda, aumento da pobreza e desabastecimento por questões climáticas. Esses são alguns problemas que têm assustado milhões de pessoas em todo o mundo, mas principalmente no Brasil. Nos últimos anos, os novos dados sobre a insegurança alimentar no país são assustadores.

A mais recente pesquisa sobre a fome no Brasil foi realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), com execução do Instituto Vox Populi e em parceria com Oxfam Brasil, Ação da Cidadania, ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert Brasil, Ibirapitanga e Sesc. Ela indicou, em dezembro de 2021, que 19,1 milhões de brasileiros não tinham o que comer. O estudo foi realizado em 2.180 domicílios das cinco regiões do Brasil, tanto em áreas urbanas como rurais. A entidade também concluiu que de cerca de 116,8 milhões de pessoas estão em algum grau de insegurança alimentar. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) classifica como insegurança alimentar o fenômeno que ocorre quando um indivíduo não possui acesso físico, econômico e social a alimentos de forma a satisfazer as suas necessidades. Essa insegurança é classificada nas formas crônica ou apenas temporária, e se divide em três tipos ou níveis: leve, moderada ou grave.

A ONG Ação da Cidadania revela outros números: que 33 milhões de pessoas passam fome no país, que o número de famintos cresceu 14 milhões em um ano, que 6 em cada 10 domicílios liderados por mulheres enfrentam algum grau de insegurança alimentar e que apenas 4 a cada 10 famílias têm acesso pleno à alimentação. A ONG Ação da Cidadania foi criada pelo sociólogo Herbert de Sousa, conhecido como Betinho (1935-1997), que foi um dos ícones do combate à fome no Brasil. As estatísticas apresentadas pela Ação da Cidadania levam em conta os levantamentos feitos pelos comitês que a entidade possui em todos os estados, que organizam milhares de comunidades na luta por direitos sociais, começando pelo direito à alimentação. Já o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) e o Banco Mundial afirmam que um quarto da população brasileira, 52,7 milhões de pessoas, vive em situação de pobreza ou pobreza extrema. Hoje, o único programa de transferência de renda para a população mais pobre é o Auxílio Brasil, no valor de R$ 600 mensais, apenas até dezembro de 2022. Mesmo assim, o programa só atende 20,3 milhões de famílias.

A situação já foi melhor

Dados mais recentes, também divulgados pela rede Penssan, mostram que a situação piorou muito desde a publicação dos primeiros dados, em 2021. As razões são conhecidas: aprofundamento da crise econômica, segundo ano da pandemia de covid-19 e a continuidade do desmonte de políticas públicas que promoviam a redução das desigualdades sociais da população.

Durante vários anos, o Brasil não ouviu falar em fome, miséria ou pobreza. Um dos responsáveis por isso foi o Programa Fome Zero, criado pelo governo federal em 2003, na gestão do ex-presidente Lula. Era um projeto suprapartidário, desenhado originalmente como um programa de distribuição de cupons para troca por alimentos, substituído depois pelo Bolsa Família, cujo nome passou a designar uma estratégia de segurança alimentar. As iniciativas pavimentaram a saída do Brasil do Mapa da Fome da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação da Agricultura) em 2014. O cenário mudou a partir de 2015, com a escalada inflacionária, a ausência de recomposição do valor de benefícios sociais e um desmonte das políticas de proteção social.

Um dos criadores do Fome Zero e um dos principais pesquisadores em segurança alimentar no Brasil, Walter Belik, professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp, afirma que o Brasil está numa situação de retrocesso inédito no mundo. “Somos o único país do mundo a sair do mapa da fome e depois entrar de novo”, e conclui que, se o país já provou que o problema da fome tem solução, mas voltou a vivenciar uma situação de negação e ausência de medidas efetivas de proteção social, o motivo está nas escolhas políticas.

* Joel Guedes é jornalista e editor do jornal Pactu

Fonte: Pactu

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