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Ajustes para o desenvolvimento?

Afinal, qual é o tom do ajuste macroeconômico necessário para nos tornarmos efetivamente um país mais desenvolvido e equitativo?

Não consigo perceber grandes divergências na necessidade de ajustes em nosso país. A questão costuma dividir mais as opiniões quando se discute publicamente os seus possíveis tons. O ajuste macroeconômico contracionista em curso é conservador e objetivou apenas a retomada de uma “normalidade perdida”. Ele estava fadado a fracassar porque a demanda externa não nos resgataria no curto prazo desta vez.

Alguns analistas têm apontado que a China já poderia estar crescendo 3.2% anualizado, sendo que a queda dos preços internacionais das commodities desde 2014 impactou na América Latina e vem pressionando a inflação na região por conta do repasse da desvalorização cambial. Para se ter uma rápida ideia da fragilidade do modelo que priorizou a inserção internacional através da exportação de commodities, essa queda mencionada dos preços internacionais das commodities pode estar retirando algo próximo de 2% do crescimento brasileiro neste ano e, segundo as estimativas de mercado, o nosso PIB potencial seria de 1%. Não há, portanto, perspectiva de recuperação no horizonte próximo.

Do ponto de vista das exportações brasileiras, já é um fato bem conhecido que a sua base perdeu complexidade econômica nos últimos trinta anos. A sobrevalorização cambial crônica do real e a desindustrialização prematura integram esse processo regressivo de inserção internacional. Segundo recomenda a literatura sobre desenvolvimento, leis de Engel e Thirwall, por exemplo, o Brasil deveria ter trabalhado efetivamente para elevar a elasticidade-renda da demanda das suas exportações. Reduzir as restrições no balanço de pagamentos é crucial para o crescimento sustentado de um país em desenvolvimento.

Uma grande parte dos debates atuais tem girado ao redor da rigidez da política fiscal brasileira. Tal rigidez existe efetivamente, ela não é nova e a mesma deriva de um paradoxo. O fenômeno da desconfiança generalizada nas instituições não é novo entre nós, diriam o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda e as medições conhecidas de confiança social nas instituições. Para que se evite ficar sob o domínio das preferências dos governantes eleitos, alguns grupos sociais bem articulados pressionam por vinculações orçamentárias e indexações das despesas obrigatórias, apesar da desconfiança nas instituições. Desde a redemocratização brasileira, a legítima pressão social por redistribuição também tem a sua cota nas dificuldades da gestão das contas públicas em um país muito desigual.

Existem ainda problemas de outras ordens impactando na questão fiscal. De acordo com as estimativas publicadas na imprensa recentemente, os recursos não declarados de brasileiros no estrangeiro somam US$ 400 bilhões e o “Sonegômetro” (disponível online) aponta perdas fiscais de R$ 1.4 bilhão por dia neste ano. A carga tributária regressiva é injusta e a propensão marginal ao ato de poupar ou consumir não é a mesma para classes sociais distintas de renda. Tal fato se traduz, entre nós, em um problema crônico de preferência pela liquidez da parte de uma minoria endinheirada, algo próximo ao que Keynes descreveu e que é capaz de afetar a nossa taxa de poupança através do investimento produtivo (em “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, 1936).

Afinal, qual é o tom do ajuste macroeconômico necessário para nos tornarmos efetivamente um país mais desenvolvido e equitativo? Um ajuste conservador e equivocado apenas busca conservar o que já não é bom o suficiente para a maioria dos cidadãos brasileiros. O Fundo Monetário Internacional (FMI), liderado pelo seu economista-chefe, Olivier Blanchard, vem produzindo, após setembro de 2008, uma interessante literatura sobre consolidação fiscal e multiplicadores fiscais. Em síntese, ajustes macroeconômicos contracionistas acelerados em tempos de queda da economia tendem a subestimar os multiplicadores fiscais e a agravar a crise. Nos tempos das vacas magras, os ajustes devem buscar garantir espaço fiscal para a execução de investimentos públicos que gerem efeitos multiplicadores na economia. Uma parte relevante da evolução recente no âmbito da ortodoxia parece não ter chegado ao Brasil ainda.

Segundo Blanchard, em artigos que podem ser consultados no blog “iMFdirect”, o crescimento potencial dos países avançados já estava declinando antes da eclosão crise de 2008 porque o envelhecimento da população e a redução da produtividade total estavam presentes. A queda da produtividade é mais acentuada nos mercado emergentes, apontou o economista, onde envelhecimento populacional, baixa acumulação de capital e baixa produtividade se combinam para reduzir o crescimento potencial nessas sociedades. Nesse sentido, investir em infraestrutura para remover os pontos de estrangulamento se mostra proveitoso quando as reformas estruturais não conseguem operar os milagres do crescimento rapidamente.

Análise feita por “The Economist”, em agosto de 2013, trouxe informações interessantes sobre os multiplicadores fiscais. Para o longo prazo, os multiplicadores de gastos em infraestrutura são estimados em 1.6 do PIB para os países em desenvolvimento. O investimento público é capaz de construir base produtiva e contribuir para o crescimento sustentado. Esses países se beneficiam mais do gasto governamental em infraestrutura quando comparado ao consumo da máquina pública, um multiplicador de 1.6 contra um declínio de 0.63 do PIB. Tal resultado adverso de subtração pode ser explicado pela volatilidade do gasto público nesses países, algo que se correlaciona com a baixa complexidade econômica da sua pauta exportadora.

Há ainda no âmbito da “nova” ortodoxia uma relevante discussão sobre a qualidade do gasto público. Destaco o documento “Making Public Investment More Efficient” (06/2015), do FMI. Consta no mesmo a sugestão oportuna de que há considerável escopo para se avançar na eficiência do investimento público em diversos países, incluindo o nosso Brasil dos conhecidos gargalos em infraestrutura. O Fundo aponta a perda do potencial de ganhos de 30% a partir de ineficiências nos processos de investimentos públicos. Tal perda afeta a produtividade e o crescimento econômico dos países.

Em tempos de contração dos gastos familiares, redução dos investimentos privados, elevação do desemprego e baixa dos preços das commodities, há quem pergunte ainda o que deve ser feito no curto prazo. Keynes (1936) afirmou de forma irônica que “a construção de pirâmides, os terremotos e até as guerras podem contribuir para aumentar a riqueza, se a educação dos nossos estadistas nos princípios da economia clássica for um empecilho a uma solução maior”. Existem, felizmente, algumas boas oportunidades para os investimentos públicos, as concessões ou parcerias público-privadas gerarem efeitos multiplicadores na economia. A operação Lava Jato e os seus desdobramentos semanais não devem paralisar os necessários avanços no Brasil.

Por Rodrigo Medeiros, que é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes).

Artigo colhido no sítio http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Ajustes-para-o-desenvolvimento-/7/34238

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