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Governo acumula forças para enfrentar debate sobre a mídia

Secretário de Comunicação do Partido dos Trabalhadores diz que os meios de comunicação, a revista Veja em especial, não podem ser poupados das investigações da CPI do Cachoeira. “Se um deputado ou senador tem que responder por associação com o crime organizado, uma empresa de comunicação social também deve”, afirma, em entrevista à Carta Maior, o deputado André Vargas. Para ele, a presidenta Dilma Rousseff enfrentará o tema da concentração dos meios de comunicação.

Maria Inês Nassif, Najla Passos e Vinicius Mansur

Em entrevista à Carta Maior, o secretário de Comunicação do Partido dos Trabalhadores, deputado André Vargas (PR), admite que há um descompasso entre as bandeiras históricas do PT para a comunicação e a política praticada pelo governo. Mas afirma que a presidenta Dilma Rousseff enfrentará o problema da alta concentração dos meios de comunicação no Brasil, a exemplo do que vem fazendo com os juros bancários, porque possui mais condições efetivas de fazê-lo do que o seu antecessor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Avalia que a CPMI do Cachoeira ajudará a deslanchar o debate. “A dinâmica dos fatos estabelece uma ligação a ser esclarecida entre a ‘fábrica de crises’ que a grande imprensa utiliza sistematicamente, principalmente no período em que o PT está no poder”, avalia.

Qual é o projeto do PT para a área de comunicações? O PT recuou do programa apresentado nas eleições?

O PT vem sistematicamente, nos seus documentos, retomando um debate que não é só das eleições, mas da história dos 32 anos do partido. A questão da democratização das comunicações está na nossa plataforma. A agenda política permanece não só a mesma, como vem se aprimorando, buscando um foco. O PT continua com suas bandeiras, mas tem a contingência de ser o partido do governo. E a condução do governo tem outro ritmo.

Então existe um descompasso entre o que o PT pensa para a Comunicação e a forma como o governo age?

É natural que haja algum descompasso. Este é um governo de coalizão. Na nossa visão, o marco regulatório já deveria estar em discussão, mas o governo administra sua coalizão, sua governabilidade. O PT ajuda o governo nessa governabilidade, mas discorda e deixa isso bem claro em todos os seus documentos. Nós lutamos por um marco regulatório que, de fato, enfrente questões como o monopólio da mídia, a desconcentração, a propriedade cruzada, a questão do conteúdo regional, que rediscuta os contratos entre as afiliadas, o crescimento da internet etc.

E como se dá a pressão do PT nesse governo de coalizão? Qual o peso dela?

O partido dialoga de forma respeitosa com a presidente e este é tema
recorrente. Nos seus documentos, o PT nunca deixou de manifestar sua opinião, sem deixar de entender que o governo tem o tempo dele e nós temos o nosso. Os grandes veículos exercem também sua pressão sobre o governo.

Nós vivemos em um ambiente democrático. Mas a mídia [tradicional], em especial a Veja, não esconde que tem quase uma fixação pelo PT, que deve ser avaliada no campo da psiquiatria, da psicologia. Agora, a CPI do Cachoeira mostrará mais um pouco disso. Muita coisa que a gente suspeitava pode ser verdade. Os veículos de comunicação bateram também no PSDB, mas no nosso caso há um superdimensionamento.

O sr. está dizendo que a grande mídia usou desses expedientes especialmente nos governos do PT?

Isso ficou claro nos fatos que levaram à CPI do Cachoeira. É a primeira vez que a mídia não apoia uma CPI no seu nascimento. É simbólico isso. E só passou a apoiar forçando uma mudança de foco: elegeram a Delta [construtora responsável por obras do PAC] , e se esqueceram do Demóstenes [Torres, senador por Goiás] e do [Marconi] Perillo [governador de Goiás]. Mas a gente fala mídia como se fosse um ente absoluto. Não é assim.

Não é mais porque a Globo falou que se torna verdade. Isso está muito relativizado. Não existe mais um jornal nacional no país. Jornal impresso, muito menos. Há jornal em São Paulo que pretende ser nacional e não chega no ABC paulista. O governo tem feito alguns movimentos, ainda que não do jeito que a gente gostaria. A questão da regionalização que a Secom [Secretaria de Comunicação da Presidência] faz. Eu gostaria que fizesse muito mais, mas já há mais investimentos na mídia da internet. Antes eram 500 veículos que recebiam publicidade oficial. Hoje já são mais de 8 mil. Já é alguma coisa.

No debate sobre a mídia, a militância reclama que essa questão andou apenas no final do governo Lula e foi relegada a segundo plano no governo Dilma.
Em toda transição entre governos existe uma reacomodação. E o primeiro ano de todo governo é atípico mesmo. Mas eu acredito que o governo Dilma irá fazer muito neste campo, porque as condições de efetivamente fazer estarão melhores do que as condições de efetivamente fazer que o Lula teve.

E, neste aspecto, a CPMI do Cachoeira ajuda?

Ajuda. Não fomos nós que criamos a CPI; não fomos nós que delegamos a um senador moralista ser sócio do crime organizado. Nosso governo investiga mais criminosos, a Polícia Federal tem melhores condições de investigação. Mas não fomos nós que criamos os fatos da CPI. O que nós entendemos é que a dinâmica dos fatos estabelece uma ligação a ser esclarecida entre a fábrica de crises que a grande imprensa se utiliza sistematicamente e o crime, principalmente no período em que o PT está no poder.

Aliás, tem gente que estabelece semelhanças da capas da Veja de agora com as feitas no governo Collor, antes do impeachment. A revista nem foi criativa. Achou que havia escândalo suficiente para derrubar um governo e seguiu o roteiro. Se isso foi feito de forma criminosa, como fez o [Rudolf] Murdoch [o magnata das comunicações, controlador do jornal britânico News of the World, fechado por envolvimento em interceptação de conversas telefônicas de celebridades], esse é um debate legítimo ao qual a sociedade deve ter acesso. Isso será um subproduto da chamada CPI do Cachoeira. Vai estar presente nas investigações.

O que nos move é esclarecer os fatos. Se as gravações obtidas[pela Veja] para construir as matérias foram feitas de forma ilegal, nós queremos apurar. Queremos saber que relações esse jornalista [Policarpo Júnior] tinha com Cachoeira. Se um deputado ou senador tem que responder por associação com o crime organizado, uma empresa de comunicação social também deve, pois não é uma empresa neutra. É uma empresa que influencia opinião. Por que este seguimento não pode ter uma avaliação? Porque não podem se subordinar a uma conferência nacional? Ouvir o povo? No caso da TV Globo, ela é concessão pública.

Como enfrentar esses interesses, num ambiente de mídia concentrada e sem critério de regulação?

A democracia é o melhor dos ambientes. Esse novo Brasil não está sendo construído só pelo PT, pelos partidos, mas também pelo povo. Quanto mais nós conseguimos empoderar essa multiplicidade de comunicações, redes e tudo, maior será o avanço. Nós temos hoje um processo de acesso à informação multiplicado, mas um processo de produção de informação ainda muito concentrado. Eu acredito que o governo está armazenando as condições para encarar esse problema de frente, como fez com os bancos. Nós estamos em uma fase de acúmulo de forças para fazer este debate. Que não é um debate simples de fazer.

Acumulando forças como? E a maioria legislativa do governo?

Nós não temos muita alternativa. Quando nos pronunciamos a favor da regulação e o PSB, do neto do Miguel Arraes [Eduardo Campos, governador de Pernambuco] falou contra o documento do PT [que propõe o novo marco regulatório, democratização da comunicação etc], deu para perceber que não seria fácil . E tudo isso passará pelo Congresso Nacional. Para falar muito claramente sobre a correlação de forças: a Emenda 3, a famigerada, perdemos. O Código Florestal, nós arregimentamos forças e contamos 180 votos. Mas quando foi a voto não chegamos a 120 votos. Esses são os aliados que temos.

E como mudar essa correlação de forças?

Onde é que o povo se manifesta nessa questão? Essa discussão não vai provocar uma passeata com 50 mil pessoas. Há poucas manifestações sobre isso no campo das redes e esse é um debate que a população ainda não assumiu. São importantes estratégias como a do FNDC [Fórum Nacional de Democratização da Comunicação], de fazer uma campanha de popularização do marco regulatório da comunicação. Mas o PT não pode fazer essa mobilização sozinho, inclusive porque o tema fica estigmatizado como sendo algo do PT. Este é um trabalho para o conjunto de partidos, entidades, grupos e movimentos envolvidos nesse debate. Aliás, muito me impressiona entidades do nível da OAB e a CNBB não entrarem nesta agenda, pois isso interessa também a esses seguimentos.

Essa resistência não teria a ver com essa interpretação de que a regulação cerceará a liberdade de expressão?

Por isso é que nossa visão é que a nossa campanha seja pela liberdade de expressão. Por que é isso o que nós defendemos: uma liberdade de ir e vir, de receber, mas também de oferecer, de interagir. E a convergência digital oferecer essa possibilidade.

Por que o senhor assegura que o governo Dilma tem melhores condições de fazer esse debate que o governo anterior?

O governo vai ter que enfrentar este tema, e ninguém do governo disse que não vai enfrentar. O governo tem um desafio histórico de dar conta dessa demanda, que é uma demanda estrutural da sociedade brasileira. Não é uma demanda utópica, uma questão qualquer. É uma questão de fundo. O governo, dentro do processo de governabilidade, está acumulando energia e força. Nós não temos dúvida de que o governo tem este compromisso. Mas o PT vai continuar dizendo e tensionando. Não nos compete avaliar perfil de ministros, mas compete reforçar uma posição que a presidente tem colocado: a de que é favorável à liberdade de imprensa – aliás, isso nunca foi uma dicotomia para nós.

Nós somos favoráveis e somos frutos da liberdade de imprensa. A esquerda, o Lula, a Dilma, tudo isso é fruto da liberdade de imprensa. Mas também sofremos e padecemos da concentração da mídia que, muitas vezes, impõe uma visão que limita o desenvolvimento da sociedade. Nós não queremos que o PT se perpetue no poder, mas que a sociedade brasileira seja cada vez mais civilizada, aberta, sem preconceitos, onde todos tenham direito a comer, beber, vestir, emprego, universidade, lazer, esporte, enfim, a comunicar, a se ver, a ter identidade. Nós não cogitamos a hipótese de que isso não seja por uma via democrática. E a via democrática é o Congresso Nacional. Isso não quer dizer que não vamos debater os temas que não têm apoio da maioria do Congresso. Vamos debater, mas vai chegar a hora de votar. Mas existem passos que não demandam mudança de legislação. É importante, por exemplo, cobrar a instalação do Conselho de Comunicação, que está na Constituição.

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Liberdade de expressão: Vestígios do Brasil de Vieira

Um instigante desafio para os interessados nas dificuldades ainda hoje existentes na compreensão e na prática dos conceitos de liberdade de expressão e liberdade da imprensa no Brasil é colocar em perspectiva histórica comparada a realidade do Brasil e da Inglaterra, a partir do século 17.

Venício Lima

(*) Publicado originalmente no Observatório da Imprensa

As informações muitas vezes são desencontradas, mas com uma boa dose de paciência e de persistência, quem visitar Salvador hoje ainda poderá conhecer algumas preciosidades.

Exemplos:

** As fundações originais do Colégio dos Jesuítas (1553), depois Hospital Real Militar da Cidade do Salvador,localizado no Largo do Terreiro de Jesus. O prédio, onde ainda hoje funciona a Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, foi construído sobre essas fundações seculares que lá permanecem, quase 500 anos depois.

Foi aí que o menino Antonio Vieira, nascido em Lisboa, mas logo transferido para a Bahia – onde seu pai, Cristóvão Vieira Ravasco, era escrivão do Tribunal da Relação – se transformou no padre jesuíta que marcou o século 17 como destemido defensor dos povos nativos e dos “cristãos novos”, conselheiro de reis, diplomata e “imperador da língua portuguesa” (Fernando Pessoa).

** Alguns locais onde Vieira fez seus mais importantes sermões, parcialmente preservados. É o caso da capela restaurada da Santa Casa de Misericórdia (1549-1552) e do púlpito da antiga Igreja de Nossa Senhora da Ajuda – construída em 1549, reformada em 1579, demolida em 1912 e reconstruída em 1923.

** Vestígios da antiga Quinta do Tanque ou Quinta dos Padres, hoje conhecida como Quinta dos Lázaros, na Baixa de Quintas, onde funciona o Arquivo Público da Bahia. Aí Vieira passou os últimos 16 anos de sua vida preparando seus sermões para publicação.

** A cela onde teria falecido e o local onde teria sido enterrado Vieira na Catedral Basílica Primacial de São Salvador, antiga capela do Colégio dos Jesuítas(1566/1656), no Largo do Terreiro de Jesus.

Antonio Vieira x John Milton

Esse retorno ao passado se justifica.

Um instigante desafio para os interessados nas dificuldades ainda hoje existentes na compreensão e na prática dos conceitos de liberdade de expressão e liberdade da imprensa no Brasil é colocar em perspectiva histórica comparada a realidade do Brasil e da Inglaterra, a partir do século 17. Foi na terra e na época de Hobbes, Milton e Locke que teve início a defesa moderna da liberdade de expressão e da liberdade de imprimir “sem licença prévia”.

Um bom começo para explorar esse desafio seria estudar as circunstâncias da vida e da obra de dois ilustres representantes do pensamento seiscentista: o padre Antonio Vieira (1608-1697), no Brasil, e John Milton (1608-1674), na Inglaterra.

Existe pelo menos um estudo que compara Vieira e Milton, mas se refere apenas às características proféticas e utópicas do pensamento de ambos (Nuno M. D. P. Ribeiro, The second coming: prophecy and utopian thought in John Milton and Antonio Vieira; disponível aqui).

Estudar comparativamente Vieira e Milton é ainda apenas um projeto. Por hora, registro que as “circunstâncias” de boa parte da vida de Vieira podem ser encontradas na Bahia seiscentista, mesmo século do advogado e poeta Gregório de Matos (de quem Vieira tornou-se amigo no retorno ao Brasil, em 1681). O jesuíta viveu na Bahia por mais de 41 anos, na sua infância, juventude e início da maturidade (1614-1641), e, depois, na sua velhice (1681-1697). Na Bahia ele pronunciou alguns dos seus mais importantes sermões.

Referências iniciais seriam (1) o sermão da Visitação de Nossa Senhora, proferido por Vieira na Santa Casa de Misericórdia, em julho de 1640; e (2) o discurso ao parlamento inglês de Milton, conhecido como Areopagitica, escrito em novembro de 1644 e publicado em português pela primeira vez no Correio Braziliense de Hipólito da Costa, em 1810.

São textos separados por apenas quatro anos que, todavia, sinalizam um enorme abismo civilizatório.

Vieira, fazendo um balanço geral da situação em que se encontrava a colônia, afirmava, na presença do recém nomeado vice-rei, o marquês de Montalvão, que o Brasil estava na mesma condição do infante, isto é, aquele que não fala e que “a maior ocasião de seus males” era exatamente “tolher-se-lhe a fala”.

Milton, por outro lado, dirigia-se ao Parlamento Britânico defendendo a plena liberdade individual de expressão e de imprimir sem licença prévia, em nome da razão e da liberdade, condições para que cada cidadão pudesse exercer seu livre arbítrio.

No Brasil colônia do início do século 17 não havia qualquer possibilidade de se imprimir. Como se sabe, a primeira tipografia (imprensa) só chegou aqui com o príncipe regente dom João, em 1808. Por outro lado, na Inglaterra do século 17, confirmavam-se valores e direitos do humanismo cívico republicano que iriam se consolidar ao longo dos séculos como conquistas humanas fundamentais.

Lições da história

O desafio fica apenas identificado.

Um mergulho no passado, a comparação com o que ocorria em outros países e a constatação de nosso atraso relativo ajudarão a entender as imensas dificuldades de superação do gap histórico existente desde a nossa colonização. Na verdade, esse gap parece ainda condicionar muito das resistências que interditam o debate e impedem que avancemos no sentido de dar voz àqueles que têm tido sua voz tolhida, como afirmou Vieira, desde o século 17.

Apesar de quatrocentos anos, muito mudou, mas muito ainda permanece semelhante.

Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.

NOTÍCIA E ARTIGO COLHIDOS NO SÍTIO www.cartamaior.com.br

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