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A nossa responsabilidade em 2010

Quais os acontecimentos mais importantes de 2009?

E da primeira década do século XXI?

Mais além das visões impressionistas e deformadas da grande mídia, que se aproveita do recesso do noticiário nesta época do ano para supostamente fazer grandes balanços, é necessário tentar captar, para além das árvores, as grandes transformações do ano que termina e desta primeira década do novo século e milênio.

Na década, certamente a reação norteamericana aos atentados de 2001, que orientaram a política do governo Bush, com suas guerras infinitas, que levaram, entre outras conseqüências, à invasão do Afeganistão e do Iraque, foi um dos elementos de maior peso. A militarização dos conflitos, buscando soluções bélicas aos conflitos foi a linha predominante da potência que mais influência tem no mundo contemporâneo.

A confirmação da impressionante ascensão da economia chinesa, a força das potências intermediárias ascendentes, entre elas o Brasil e a Índia, ajudaram a mudar o cenário internacional.

Neste ano, a crise do capitalismo internacional certamente foi o elemento dominante. Deflagrada no ano passado, estendeu seus efeitos por todo este ano. A maior novidade é que países do sul do mundo – a começar pela China, que nem sequer entrou em crise – saíram da crise, sem que os países do centro do capitalismo tivessem superado sua recessão. Já há uma dinâmica econômica multilateral do sul do mundo, que possibilita esse fenômeno novo na história.

A multiplicação simultânea de governos progressistas na América Latina foi outro fenômeno típico desta década, em contraposição à predominância absoluta do neoliberalismo na década anterior. (Fenômenos que analiso no meu livro “A nova toupeira – Os caminhos da esquerda latinoamericana”, publicado este ano pela Boitempo.)

Muitos outros fenômenos e fatos podem ser mencionados, tanto no ano que terminam, quanto nesta primeira década do século XXI – um século que se anuncia como de profunda crise hegemônica, de disputa hegemônica, com a decadência mas persistência da dominação norteamericana, mas com o surgimento de novas forças, que apontam para um mundo multipolar.

A década e o ano confirmam que a história está aberta, seus horizontes futuros dependerão da luta econômica, social, política e cultural, protagonizada pelo velho mundo, esgotado e decadente, e o mundo novo, que apenas começa a esboçar sua fisionomia.

Discutamos o que foi mais marcante em 2009 e na década que se termina. E suas projeções para a segunda década do século XXI.

Por Emir Sader.

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A década da América Latina

A década de 1990 foi das piores que a América Latina já viveu. A crise da dívida – com suas conseqüências: FMI, cartas de intenção, ajustes fiscais, etc. – e as ditaduras militares abriram o caminho para que se impusessem governos neoliberais em praticamente todo o continente. Passamos a ser a região do mundo com a maior quantidade de governos neoliberais e com suas modalidades mais radicais.

A capacidade de reação da América Latina se revelou na sua capacidade de reverter radicalmente esse quadro: passamos a ser a região que concentra aos governos eleitos pela rejeição do neoliberalismo, que abriga processos de integração regional independentemente dos EUA, que promove formas inovadoras de integração fora da lógica mercantil.

Lideres latinoamericanos como Lula, Hugo Chavez, Evo Morales, Rafael Correa, entre outros, se projetaram internacionalmente, por sua capacidade de encarnar as necessidades dos seus povos. A Bolívia, o Equador e a Venezuela se somaram a Cuba, com os países que – conforme a Unesco – , terminaram com o analfabetismo.

Os países que optaram pela integração regional e não por Tratados de Livre Comércio, expandiram suas economias, distribuíram renda, avançaram nos direitos sociais da sua população, extenderam notavelmente o mercado interno de consumo popular, diversificaram seu comércio exterior, aumentaram significativamente o comércio entre eles.

Na década anterior, a América Latina havia sido reduzida à intranscendência. Governantes subalternos – Menem, Fujimori, FHC, Carlos Andrés Perez, Carlos Salinas de Gortari – tinham aplicado mecanicamente o mesmo modelo neoliberal, enfraquecido o Estado, a soberania, as economias nacionais. Os governos dos países que assumiram os programas neoliberais não incomodavam ninguém, havia reduzido nossos Estados a subseqüentes perdedores da globalização, que a aplaudiam, às custas da deteriorização ainda maior da situação dos povos dos nossos países.

A primeira década do novo século apresenta uma nova América Latina, com a maior quantidade de governos progressistas que o continente jamais teve. Com processos de integração regional fortalecidos – do Mercosul à Alba, do Banco do Sul à Unasul, do Conselho Sulamericano de Segurança ao Parlamento do Mercosul, entre outras iniciativas. Desenvolveu-se a Operação Milagre, que já permitiu recuperar a visão a mais de 2 milhões de pessoas, que de outra maneira não teriam possibilidade de recuperar a vista. Formaram-se novas gerações de médicos pobres na melhor medicina social do mundo – a cubana – nas Escolas Latinoamericanas de Medicina.

As crises econômicas da década anterior, típicas do neoliberalismo, que debilitaram a capacidade de defesa dos Estados nacionais diante do capital especulativo, que promoveu, entre tantas outras crises, as do México de 1994, do Brasil de 1999 e da Argentina de 2001-02, devastaram as economias desses países. O Brasil de FHC deixou um país em recessão prolongada e profunda para Lula, a quem coube superar a crise com políticas de desenvolvimento econômico.

Na década que termina, os países latinoamericanos que participam dos processos de integração regional – com destaque para o Brasil, a Bolívia, o Uruguai, o Equador – superaram a crise, desatada pelos países centrais do capitalismo, que ainda estão em recessão, que deverá se prolongar ainda por um bom tempo. Revelou a capacidade desses países de diversificar seu comércio exterior, de intensificar o comercio intraregional e de seguir expandindo o mercado interno de consumo popular.

A América Latina mostra hoje ao mundo a cara – imposta pela predominância de governos progressistas – de um continente em expansão econômica, afirmando sua soberania – em questões econômicas, políticas e de segurança regional -, melhorando a situação social do povo, consolidando políticas internacionais que intervêm na decisão dos grandes temas mundiais. Foi, sem dúvida, esta primeira década do novo século, a década da América Latina, que se projeta para a segunda década como um dos exemplos de luta na superação do neoliberalismo e de construção de sociedades mais justas e solidárias.

Por Emir Sader.

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Brasil 2009-2010

O ano, no Brasil, foi marcado pelas conseqüências da crise que chegou até nós na segunda metade do ano passado, e pela recuperação da economia, diante da forte ação do Estado, que induziu o consumo interno, dando continuidade às políticas de redistribuição de renda, com fortes efeitos sobre a demanda interna, e pela continuidade da demanda de importações chinesa.

Duas grandes novidades foram trazidas pela crise e a forma de sua superação: pela primeira vez nossa economia supera uma crise internacional, sem que a economia do centro do capitalismo – EUA, UE, Japão – tenha se recuperado, revelando a força dos intercâmbios do sul do mundo e o grau de diversificação do comércio exterior brasileiro. Em segundo, pela primeira vez, também, os pobres não arcaram com o ônus mais duro da crise: houve manutenção das políticas redistributivas, elevação real dos salários, continuidade da expansão do emprego formal, das políticas sociais.

Isso fez com que a popularidade do governo Lula tivesse uma pequena oscilação no transcurso da crise, mas se recuperasse espetacularmente de forma muito rápida depois e se consolidasse. É uma das referências políticas centrais, dado que logo depois das eleições municipais de fim de 2008, praticamente se abriu a conjuntura política das eleições gerais de 2010.

Praticamente tudo o que aconteceu no país foi sobredeterminado pela polarização governo-oposição, com as respectivas candidaturas ou pré-candidaturas. A oposição passa apenas com a candidatura do Serra, com continuidade de apoio nas pesquisas – mas já agora abaixo dos 40% -, um índice alto, embora com tendência declinante.

A desistência de Aécio e o programa do PT fizeram com que a campanha, já no fim de 2009, se anuncie como uma campanha plebiscitária em torno do governo Lula. Aécio é quem dizia que “não seria o candidato anti-Lula, mas pós-Lula”, indicando o incômodo de se enfrentar ao governo. Serra diz que vai enfrentar a Dilma e não a Lula – considerando que fosse possível fazer essa dissociação -, com quem trataria de se medir como trajetória política – considerando que a sua poderia aparecer como melhor do que a de Dilma.

A saída de Aécio confirma também a polarização partidária, que anunciava que poderia romper, ganhando a setores a base governista. O jogo do PMDB foi e continua sendo o de valorizar seu passe, tentar sentir se Dilma aponta para ultrapasar a Serra, mas confiante que a indicação do vice lhe garante o lugar de sempre na base governista.

O resto do campo eleitoral não deve ganhar relevância a ponto de evitar a bipolaridade. Se esgotou o impulso de crítica ao PT que a candidatura de HH explorou, a falta de entendimento com Marina impede somar forças, fazendo com esta e Plínio provavelmente sejam candidatos, tirando força de ambos. Marina já mostrou os limites do seu impulso, aceitando um lugar intranscendente e confirmando os limites do discurso verde, seja para polarizar apoios, seja para constituir, a partir dele, um discurso que seja suficientemente abrangente para disputar apoio mais alem de camadas médias urbanas, mostrando-se impotente diante do extenso voto popular que sustenta o apoio a Lula.

A oposição conta com campanha despolitizada, de marketing, em que as imagens dos candidatos predominem. O governo, com a retomada da polarização do segundo turno de 2006. 2010 será assim não apenas uma disputa eleitoral, mas de dois projetos de país: o de que Serra tenta esconder – sem revelar, por exemplo, sua equipe econômica, de política exterior e de políticas sociais, três temas de ruptura do governo Lula em relação ao de FHC -, e o de aprofundamento das transformações em curso, que Dilma deve encarar. Quem considera que o governo FHC e Lula foram iguais, não entende nada do quadro político atual do país, preferindo olhar da janela a banda passar, quando a fisionomia do Brasil na primeira metade do século estará em jogo em 2010.

Por Emir Sader.

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O pósanticontra muitoantespelocontrário-Lula

Uma das chaves da propaganda anti-Dilma é a de que o cavaleiro conservador que entrar na liça não será um “anti-Lula”, mas sim um “pós-Lula”. Olhando-se para esse comportamento da nossa direita na frente externa, vê-se logo que isso é um fraseado sem pé nem cabeça.

Para a direita brasileira o fim de ano não podia ser pior, apesar de Serra se manter na frente, nas pesquisas para o Planalto. Só deu presidente Lula: prêmio Houphouët-Boigny da Unesco, título de doutor honoris causa na Universidade de Hamburgo (depois da de Lyon), personalidade do ano para o jornal El País, elogiadíssimo pelo premiê Zapatero, sucesso em Copenhague (apesar do fracasso da conferência) e para culminar, personalidade do ano para o jornal Le Monde. De quebra, o chanceler Celso Amorim foi elogiadíassimo como profissional da área por seu colega espanhol, que também não regateou apalusos à política externa brasileira.

E por onde o nome de Lula ou o próprio passa, não faltam aplausos: assim foi perante a platéia de empresários em Hamburgo, em Portugal, na Grã-Bretanha, e em jornais conservadores (e sérios, do ponto de vista jornalístico), como The Economist, Financial Times, Frankfurter Allgemeine, ou progressistas, como o Süddeutschezeitung, ou até mesmo a revista Der Spiegel, conhecida por não dar moleza a políticos, seja de que lado forem. Para Lula, só elogios. Agora, neste final de fim de ano, o Financial Times nomeou Lula como uma das 50 personalidades que “moldaram a última década”. Segundo o FT, Lula é o político mais popular da história do Brasil, e seu governo implementou “programas de transferência de renda baratos, mas eficientes”. E nem falamos da Ópera Olímpica do Rio de Janeiro. Se Lula acabar ganhando algum Nobel da Paz, a nossa direita vai roer as unhas até os cotovelos. Mas certamente não dará o braço a torcer: vai continuar ressentida contra esse presidente que não só “não fala português direito”, como não fala “sequer uma única língua estrangeira”. Que vergonha! (para a nossa direita, é claro, por se prender a essas mesquinharias de segunda mão, já que lhe falta assunto).

Mas houve mais: perplexa, a direita brasileira viu evaporar-se seu plano de impedir a entrada da Venezuela no Mercosul; assistiu de cadeirinha à consagração de Evo Morales nas urnas de seu país, a de José Pepe Mujica, ex-tupamaro, no Uruguai. Ainda teve de encarar o fato de que a Bolívia está entre os países da América do Sul que mais crescem economicamente, o sucesso de suas políticas sociais, as do Equador, do Paraguai e as do próprio Brasil.

Restaram-lhe alguns prêmios de consolação, mas tão complicados quando reveladores do seu próprio caráter, por osmose ou metonímia (perdoem-me os palavrões; poderia dizer por contaminação ou proximidade). Um foi a enredada tibieza da política externa do governo Obama em relação à América Latina, que serviu de moeda de negociação com os republicanos em troca da liberação de nomeações diplomáticas para a região. Outro, pior ainda, foi o golpe de estado em Honduras e a leniência, para não dizer conivência ou cumplicidade, que ela apregoou em relação a ele. Outro ainda, ao apagar das luzes de 2009, foi a vitória de Piñera, o herdeiro do pinochetismo, no primeiro turno das eleições chilenas, que, ela espera, terá continuidade no segundo turno. Quer dizer: de aberto, tudo o que a nossa direita teve a exibir são compromissos com o passado de subserviência global e de práticas ditatoriais no nosso continente.

Para essa visão comprometida com o que nosso continente sempre teve de mais reacionário e oligárquico, durante o governo Lula a nossa política externa rompeu com a tradição de “pragmatismo” e enveredou por uma perigosa “politização”, embalada por compromissos ideológicos ou por “sonhos megalomaníacos”, como o de conquistar a qualquer preço uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU (esquecendo que essa é uma reivindicação brasileira desde a fundação desse organismo internacional). Para o pensamento da nossa direita, “pragmatismo” é reconhecer o golpe em Honduras, mas não as eleições (que sempre houve) na Venezuela, na Bolívia, no Paraguai, no Uruguai e por aí afora.

Ainda para essa visão: ao acolher Zelaya e ao posicionar-se frontalmente contra o golpe em Tegucigalpa, o Brasil ficou “isolado” na cena internacional. Quer dizer, para esse pensamento, o fato de a maioria esmagadora dos países da América Latina e do Caribe não terem reconhecido o golpe nada conta: só conta o fato de que o Brasil teve uma rusga (e não muito séria) com a claudicante política de Clinton/Obama para a região.

Essas questões ajudam a elucidar um aspecto do confronto eleitoral que se prepara em 2010. Uma das chaves da propaganda (já) anti-Dilma é a de que o cavaleiro conservador que entrar na liça não será um “anti-Lula”, mas sim um “pós-Lula”. Olhando-se para esse comportamento da nossa direita na frente externa e suas expectativas, vê-se logo que isso é um fraseado sem pé nem cabeça. Trata-se sim de virar a mesa no sentido anti-horário, quer dizer, anti-Lula, provocando uma regressão histórica de grande monta, assim como a assertiva de FHC de que seu governo poria fim “à era Vargas” não apontava para o futuro, como queria o ex-presidente, mas para o passado, restaurando cacoetes e o viés anti-social da República Velha ou dos Coronéis.

O mundo imaginário e sentimental em que grande parte da nossa direita vive é anacrônico, pautado por um liberalismo brasileiro à antiga, aquele liberalismo que não se liberou jamais de proteger sua condição de casta superior; que sempre preferiu entregar os dedos, as mãos inteiras, os pés e todo o corpo da nação a perder o privilégio dos seus anéis. E que vive embalada por um sonho da carochinha onde prima uma confusão dos Estados Unidos com Disneyworld e da Europa com o mundo de Sissi (que me perdoe a Romy Schneider, uma grande atriz). E por um pesadelo, para eles, chamado Brasil, povoado agora por um povão que vem se revelando difícil de manter nos antigos apriscos excludentes e currais eleitorais.

Uma última observação, quase um desvio de assunto, mas ainda assim seria “a digressão pertinente”. No elogio de Lula nas páginas do Le Monde (24/12/2009, 11h32), o jornalista Eric Fottorino, escreveu: “Desde sua criação, Le Monde, marcado pelo espírito de análise de seu fundados, Hubert Beuve-Méry, quer ser um jornal de (re)construção, também de esperança; ele veicula, à sua maneira, uma parte do positivismo de Auguste Comte, tomando como causa sua os homens de boa vontade e suas proposições”.

Quer dizer, quase 153 anos depois de sua morte (1798 – 1857), Isidore-Auguste-Marie-François-Xavier Comte, um dos avós paternos da nossa bandeira republicana, continua a ditar parte do baralho da nossa canastra política. Que a nossa direita anseia em (re)transformar no pôquer de cartas marcadas onde só os caubóis ganham. Mas isso de Auguste Comte e o Brasil do século XXI é tema para outro artigo, que virá logo. Até 2010, e deixo aqui o lema que me encanta até hoje, como saudação de fim/novo ano às leitoras e leitores que me (e nos) acompanharam até aqui: “Um por todos, todos por um”.

Por Flávio Aguiar, que é correspondente internacional da Carta Maior.

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A direita e o suplício de Papai Noel

O título de “Homem do Ano em 2009″, concedido a Lula pelo Le Monde, representou ” o suplício de Papai Noel” para um jornalismo que se esmerou, com textos de contornos cada vez mais nítidos, em servir como porta-voz das forças mais reacionárias da sociedade brasileira.

O ano se encerrou com interessantes contrapontos. As várias distinções honoríficas, prestadas ao presidente brasileiro pela imprensa internacional, fizeram desmoronar, como castelos de areia, a enxurrada de ritos sumários com que, a cada edição diária, a mídia nativa tentou desconstruir as realizações do governo petista e o capital simbólico acumulado pelo campo democrático-popular. O título de “Homem do Ano em 2009″, concedido a Lula pelo Le Monde, o mais conceituado jornal da terra de Lévi-Strauss, representou ” o suplício de Papai Noel” (*) para um jornalismo que se esmerou, com textos de contornos cada vez mais nítidos, em servir como porta-voz das forças mais reacionárias da sociedade brasileira

Mas não nos iludamos. Entre a ingenuidade de alguns e a esperteza de outros, a orientação geral é descarregar cargas de fait divers sobre as premiações, ocultando seu real significado. Não se está enaltecendo a habilidade política de um homem, seu carisma ou simpatia. O que está sendo reconhecido é algo de magnitude bem mais ampla: a pedagogia de fatos que, por sua evidência, ensinou à Nação que só passando a limpo suas instituições econômicas, políticas e culturais não corremos o risco de perder a nossa hora e a nossa vez.

O que está sendo objeto de elogios é um governo que não está perdendo a oportunidade de fazer as mudanças sociais há muito reclamadas. Contrariando as transições por alto que tanto marcaram a nossa história, Lula personifica a ruptura com acumulação de farsas que chega, hoje, ao seu ponto de ruptura definitiva. O que conquistamos não foi o aplauso fácil de um país que se verga a antigas estruturas coloniais, mas o respeito de quem assume o papel de sujeito da própria história.

A opção pelo aprofundamento da democracia, pelo crescimento com distribuição de renda, pela economia baseada no consumo interno e na redução de renda per capita é o que marca a mudança de rumo desde as eleições de 2002. Some-se a isso a afirmação de uma política externa independente, com práticas assertivas na afirmação de alguns princípios de relações internacionais, apontando para a busca de uma ativa coordenação soberana com atores relevantes da cenário mundial, e veremos que as diferenças conceituais com o antigo bloco de poder neoliberal são expressivas demais para não contrariar interesses arraigados na subalternidade, na soberania rarefeita.

Encerrado um ano exitoso, o que cabe às lideranças partidárias e à militância? Não confundindo realidade com desejo, buscar uma política de alianças que assegure maioria para a vitória de Dilma Rousseff nas próximas eleições. Dessa vez, há partidos políticos e quadros suficientemente qualificados para manter um projeto que se distingue pela coerência e nitidez de sua vocação transformadora. Mas não será um embate fácil. A direita dispõe de considerável capilaridade e do apoio logístico da mídia corporativa.

Diante deste quadro, as esperanças não repousam apenas em arranjos regionais. Para além das máquinas partidárias- e de elaborações teórico-metodológicas que precisam ser desenvolvidas- a capacidade de mobilizar a juventude, fazer com que ela se alie ao mundo do trabalho e a todos os setores até então oprimidos é fundamental. Estão nas forças sadias, detentoras de mecanismos precisos de clivagem, as chances que temos de evitar a perda de uma oportunidade única que a história está oferecendo. É preciso dar continuidade ao “suplício do Papai Noel”. Mantê-lo no lado direito do espectro político. Que o povo brasileiro tenha um Feliz 2010!

* “O Suplício do Papai Noel” é um brilhante ensaio antropológico de Claude Lévi-Strauss, publicado no Brasil pela Editora Cosac Naify

Por Gilson Caroni Filho, que é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil.

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