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Crise nos EUA atualiza debate sobre a regulação dos fluxos de capital

Os problemas no mercado imobiliário dos EUA repõem o tema da regulação dos fluxos de capitais, diz o economista Ricardo Carneiro. Para ele, o que está ocorrendo agora é mais complexo e profundo do que ocorreu em crises anteriores.

PORTO ALEGRE – A nova crise que afetou o sistema financeiro global, detonada por problemas no mercado imobiliário dos Estados Unidos, é diferente de outras crises que ocorreram em um passado recente. Boa parte destas crises eclodiu na periferia do sistema financeiro – no México, na Ásia, na Rússia e na Argentina. As que ocorreram no centro do sistema tiveram um caráter episódico, constituindo-se basicamente em crises de liquidez. A crise atual, além de ocorrer no centro do sistema, é mais profunda, pois coloca em dúvida a qualidade dos créditos do sistema imobiliário dos EUA. A avaliação é de Ricardo Carneiro, economista e professor do Instituto de Economia da Unicamp, que prevê uma mudança no cenário econômico internacional favorável dos últimos anos. Os dias de dinheiro farto e barato muito provavelmente chegaram ao fim, pelo menos nos próximos três ou quatro anos, disse o economista à Carta Maior.

Nas crises passadas, explica Carneiro, não havia dúvida sobre a qualidade dos ativos envolvidos. A crise atual é mais profunda, entre outras razões, porque boa parte dos créditos concedidos a compradores de imóveis revelou-se crédito ruim. Assim, mesmo com a intervenção do Federal Reserve (o Banco Central norte-americano), que deu liquidez aos detentores dos títulos originados destes créditos podres, parte desses créditos seguirá podre e alguém terá que absorver estas perdas.

Trata-se de um problema localizado? Sim e não, responde o economista. É localizado no mercado imobiliário norte-americano que, porém, é enorme e afeta investidores em várias partes do mundo. O problema maior, diz o professor da Unicamp, é o potencial de contaminação dessa crise, uma contaminação que se propaga pelos bancos e que pode afetar diferentes setores da economia mundial.

O cenário otimista quanto aos desdobramentos da crise, acrescenta Carneiro, é aquele onde quem comprou esses títulos conseguirá realizar seu prejuízo e tudo bem. No entanto, ressalta, as coisas podem não acontecer assim. Os bancos podem ficar reticentes e reduzir a oferta de crédito, concretizando, assim, um poder real de contaminação para diversos agentes econômicos. Há a possibilidade de os bancos centrais tentarem deter esse processo, através da injeção de recursos, uma operação que pode funcionar muito pouco na medida em que os bancos absorvam esses recursos e restrinjam a oferta de crédito. O que pode atenuar a crise, prossegue o economista, é os bancos passarem o prejuízo para os bancos centrais, o que não evitará uma redução da oferta de crédito, necessariamente. “O fato é que há um conjunto de ativos de má qualidade que ocasionarão prejuízos para seus detentores”, resume.

Impacto sobre o Brasil

O enunciado dessa crise, enfatiza Ricardo Carneiro, é muito mais grave e complexo e seus desdobramentos dependerão, em larga medida, da reação dos bancos e de escolhas políticas que terão que ser feitas, em especial pelo Banco Central dos EUA. Uma das conseqüências prováveis é a redução da oferta de crédito, com impactos negativos sobre a produção e também sobre o preço dos ativos. Quanto aos impactos sobre a economia brasileira, tudo dependerá, diz o economista, da extensão do processo da crise. “Se houver uma crise mais forte, ela vai afetar o Brasil, um país periférico, de moeda fraca. Se os investidores resolverem fugir, o país será afetado”, prevê. E mesmo que a crise não tenha grande intensidade, o Brasil pode ser afetado de outros modos, em função da mudança do cenário econômico internacional.

“Pelo menos em um horizonte previsível, de 3 ou 4 anos, não teremos mais dinheiro forte e barato, como vinha ocorrendo desde 2003. Só isso já é um fator de prejuízo para a nossa economia”, diz Carneiro. Mas os impactos sobre o Brasil também dependerão, destaca, de como o Banco Central reagirá à crise. Uma alta do dólar a níveis em torno de R$ 2,50, com a perspectiva de pressões inflacionárias pode levar o BC brasileiro a elevar a taxa de juros, o que afetaria a retomada do crescimento da economia.

Esse comportamento dependerá também dos desdobramentos da crise. “As informações sobre o mercado imobiliário dos EUA não são boas. O Banco Central está recomprando títulos podres que estavam na mão do sistema financeiro, mas há um limite no que pode absorver. Se fizer compras muito generosas pode haver questionamentos sobre o próprio papel central do dólar”, adverte Carneiro.

Uma pesquisa divulgada nesta segunda-feira pela Associação Nacional de Economistas de Empresas (Nabe), dos EUA, indica que esse cenário pessimista é motivo de grande preocupação naquele país. Segundo o levantamento, a inadimplência dos chamados créditos de risco o excesso de endividamento de empresas e consumidores norte-americanos representam, combinados, uma ameaça maior ao cenário econômico de curto prazo do que aquela representada pelo medo de um novo ataque terrorista. O risco econômico representado pela soma da inadimplência com endividamento foi apontado por 35% dos economistas entrevistados como o maior risco para a economia dos EUA no curto prazo, contra 20% que mencionaram a ameaça de um novo atentado terrorista. A Nabe procurou minimizar o resultado da pesquisa, dizendo que o cenário para os próximos cinco anos ainda é otimista.

Socialismo para capitalistas

Seja qual for o desdobramento da crise, ela deixa uma lição, conclui Ricardo Carneiro. “Os economistas de mercado gostam de criticar os gastos públicos, mas na hora em que o mercado precisa ser socorrido por recursos públicos, não falam sobre isso. Essa crise repõe o tema da regulação dos fluxos de capitais e do sistema financeiro”, resume. O economista acredita que só vale a pena salvar, via recursos públicos, os mercados atingidos pela crise se for para fazer uma regulação do sistema. E lembra as palavras do economista Martin Wolf que, em artigo publicado no Financial Times, criticou a decisão de Bancos Centrais injetarem dinheiro para aumentar a liquidez nos mercados por passar a mensagem de que os investidores sempre poderão evitar perdas.

“Então o capitalismo é para os pobres, e o socialismo é para os capitalistas. Esta visão é não somente ofensiva. Ela é catastrófica”, resumiu Wolf.

Por Marco Aurélio Weissheimer – Carta Maior.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.cartamaior.com.br.

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