Direção da Petrobrás precisa ter lado na defesa do pré-sal
A dois dias da greve, coordenador da Federação dos Petroleiros ressalta que governo precisa assumir papel estratégico da estatal para economia
Escrito por: André Accarini, Isaias Dalle e Luiz Carvalho • Publicado em: 22/07/2015 – 13:38 • Última modificação: 22/07/2015 – 15:07

Federação Única dos Petroleiros Petroleiros em todo o país vão cruzar os braços nesta sexta (24)
Nada de aumento salarial, participação nos lucros ou aumento de benefícios. A 5ª Plenária Nacional da Federação Única dos Petroleiros (FUP), que define a pauta de reivindicações da categoria, tirou como eixo central a defesa da Petrobras e deixou de laudo a pauta meramente corporativa.
A decisão incomum demonstra o compromisso com os trabalhadores e o quanto a federação confia no poder de recuperação da estatal que exerce papel fundamental para a economia brasileira.
Porém, conforme destaca o Coordenador da FUP, José Maria Rangel, a estatal precisa também acreditar nisso. “O cara tem que ter firmeza, tem que chegar lá e dizer que a Petrobrás está preparada e tem competência para isso”, disse, referindo-se à postura dos diretores da empresa. Como diz a máxima popular, ajude-me a te ajudar.
Rangel destaca que essa postura é fundamental para combater o projeto do senador José Serra (PSDB-SP), que propõe a retirada da companhia como operadora única do pré-sal, e motivará uma greve de 24 horas que os petroleiros realizam nesta sexta-feira (24).
Em entrevista ao Portal da CUT, Rangel defende ainda a retomada dos investimentos pela empresa, ameaçados pelo plano de ajustes do governo federal, e explica como essa manutenção pode representar ao Brasil um papel de protagonista político.
Os petroleiros decidiram neste ano não brigar por uma pauta trabalhista e definiu propostas econômicas para fortalecer a Petrobras e defender a empresa dos efeitos negativos da investigação da Lava-Jato. Por quê?
José Maria Rangel – Tivemos a clareza de entender que no momento pelo qual passa nossa empresa, com milhares de trabalhadores e prestadores de serviço perdendo seus empregos, não seria justo da nossa parte travar a disputa olhando para o nosso umbigo e deixar de olhar para esses companheiros que também contribuem para fazer a grandeza da Petrobras. Partimos para a discussão de uma pauta política que visa, basicamente, a retomada dos investimentos na Petrobras contrapondo o recente plano de negócios que ela apresentou.
Isso significa que os trabalhadores vão abrir mão do aumento e das reivindicações neste ano ou esse é só o ponto de partida?
Rangel – É o ponto de partida. Colocamos essa pauta política como prioritária para a Petrobras na última quarta-feira (15 de agosto) e vamos retomar no início do mês de agosto a pauta corporativa. Todas as conquistas e avanços que tivemos nos últimos 12 anos, oito anos de governo Lula e quatro anos de governo Dilma, foram fruto de uma Petrobras pujante, que gerava emprego, gerava renda, investia R$ 300 milhões no país por dia, caminhava para ser uma das maiores empresas de energia do mundo. A gente tem muito claro isso. Para voltar a ter nossas conquistas e vantagens, temos que retomar essa caminhada da Petrobras e, obviamente, também obriga a olhar para companheiro ao lado, o companheiro terceirizado e dizer para ele que terá um emprego e terá como chegar ao final do mês e dar o sustento para sua família.
É incomum uma categoria como os petroleiros se preocuparem mais com os efeitos sobre toda a população do que propriamente com seus salários. Alguns diriam que é fraqueza, outros diriam que é solidariedade. Como você definiria a postura dos petroleiros?
Rangel – Eu não teria coragem de olhar para meu companheiro terceirizado e ver no semblante dele a preocupação em ser demitido e eu ficar brigando por salário e vantagens. Não teria coragem de encarar esse companheiro, isso seria tudo, menos solidariedade de classe. Isso foi o que norteou nossos debates na nossa 5ª Plenária. Temos uma máxima que diz, somos todos petroleiros, e esperamos que o resultado das assembleias que fazemos em todo o país têm nos respaldado para isso, e aprovado nossos indicativos e encaminhamentos que a FUP fez.
A pauta é ousada, mas que, nesse momento, é a melhor atitude para sair dessa dificuldade que enfrentamentos. Estamos dispostos a sermos ousados para reverter esse quadro que se apresenta em nosso país, em queda de investimento, dos abutres querendo abocanhar a Petrobras. Agora, é necessário também que a Petrobras também tenha vontade para isso. Tenho participado de debates na Câmara dos Deputados e no Senado e os representantes da Petrobras que vão lá para falar sobre a Lei da Partilha ficam igual chuchu. Se você coloca camarão, o chuchu pega gosto de camarão, se você bota carne, pega gosto de carne. O cara tem que ter firmeza, tem que chegar lá e dizer que a Petrobras está preparada e tem competência para isso. Não ficar dizendo que vai cumprir a lei que for aprovada. Claro que terá de cumprir a lei, mas tem de assumir postura de empresa que alcançou destaque mundial não por acaso no segmento do petróleo.
A FUP apresentou ao governo uma pauta de reivindicações e vocês estão pedindo para que o Comperj (Complexo Petrolífero do Rio de Janeiro) seja concluído, o mesmo em relação à refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e que o governo também não parem as obras da indústria de fertilizantes para manter empregos. Qual a expectativa de vocês? Vão conseguir falar com a presidência da Petrobras e reverter essa decisão de cortar investimentos?
Rangel – Seguindo até a máxima da nossa Central, a gente vai mobilizar e negociar. Já estamos em um processo de mobilização nas bases da Federação Única dos Petroleiros, no próximo dia 24 faremos uma paralisação de 24 horas em todo o país contra plano de negócio da Petrobras. Fazendo um debate não só com os petroleiros, mas com a sociedade como um todo sobre quão pernicioso é o projeto do senador José Serra. Outra coisa é chegar até o governo. Já enviamos documentos para o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Já conversamos com o ministro Miguel Rossetto (Secretário-Geral da Presidência da República) para sermos recebidos pela e apresentarmos nossas propostas.
Temos propostas, queremos retomar as obras do Comperj sim, concluir Abreu e Lima, porque o Brasil vai continuar sendo importador de derivados se não concluir essas obras. Por mais que hoje o preço do derivado esteja baixo, o mercado de petróleo é uma coisa de maluco. Não é porque hoje está baixo que continuará o tempo todo. A Petrobras tem que concluir as obras também porque o custo de manutenção para que os equipamentos não se deteriorem é muito grande. Tem que concluir a obra da fábrica de fertilizantes que está 80% pronta no Mato Grosso do Sul. Tem que retomar obras nos estaleiros para construir plataformas para o pré-sal, navios para nossa frota de petroleiros. O governo é acionista majoritário na Petrobras, tudo que investir, receberá na frente em forma de dividendos. Tem que ter essa clareza e investir.
Temos propostas para que isso seja feito. Se o governo abre mão da sua parcela que vai para a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), deixaria de receber por ano mais R$ 6 bilhões. Se você falar em quatro anos, que é o tempo de validade do plano de negócios da Petrobras, estamos falando em R$ 24 bilhões. E isso vai ter de volta. Para a Petrobras, neste momento, teria um impacto bastante positivo e seria uma demonstração do governo de que, de fato, quer ajudar a Petrobras o caminho dos investimentos.
Você diz que a Petrobras passa por um momento difícil, mas continua muito forte. O que observamos todos os dias e ouvimos nas rádios, assistimos na TV é a Petrobras associada a denúncias de corrupção. Você acredita que é possível fazer a investigação, punir os corruptos e, ao mesmo tempo, não prejudicar a empresa?
Rangel – Eu não tenho dúvida que a sociedade brasileira clama pela punição das pessoas que fizeram algum mal feito, desviaram recursos da companhia. Isso é uma coisa. A outra coisa é que a sociedade brasileira também clama que a empresa não pare. Se você for analisar hoje, quem está pagando o preço por todas essas denúncias na companhia são os trabalhadores, que estão perdendo o emprego. Não tenho dúvidas em afirmar que tudo isso é uma estratégia muito bem montada para enfraquecer a empresa. Não é por acaso, por exemplo, que passado o período eleitoral, os senadores e deputados já entraram com um projeto para modificar a lei da partilha. E o ponto central é a fragilidade econômica da Petrobras, na visão deles. A mídia bombardeia a imagem da Petrobras e isso traz dificuldade em conseguir crédito. E na outra ponta você tem aqueles que sempre foram inimigos da empresa tentando mudar a lei da partilha, que possibilita à empresa operar o pré-sal e ter, no mínimo, 30% de cada campo.
“Se passa o projeto do Serra, a saúde e a educação vão perder recursos, porque metade dos royalties será destinada a esses dois setores, sendo 75% desse montante para a educação e 25% para a saúde. Todo o Plano Nacional de Educação está alicerçado em cima do dinheiro dos royalties.”
José Maria Rangel
Projeto de lei de partilha que é do senador José Serra (PSDB-SP), né, Zé Maria?
Rangel – O projeto do Serra foi o que caminhou mais rápido. Entrou com regime de urgência para ser votado, esse pedido foi aprovado pelos senadores, nós entramos em campo com a CUT e os movimentos sociais. Conseguimos reverter esse processo e hoje o projeto vai para uma comissão discutir, o que para nós é positivo, porque teremos a oportunidade de mostrar quem está por trás disso, sem afogadilho, com tempo para fazer o debate. Mas tem projetos do Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), do Jutahy Magalhães (PSDB-RJ) ainda piores.
Todos esses projetos têm por objetivo fazer com que a Shell e Esso tenham maior participação na exploração do pré-sal. Por que mexer nessa lei vai prejudicar o trabalhador comum, a dona de casa, o professor e o aluno?
Rangel – Até a década de 1970, as empresas que ditavam o ritmo da produção e o preço do barril de petróleo eram as chamadas sete irmãs (Royal Dutch Shell, APOC, Esso, Socony, Texaco, Chevron e Gulf Oil). Chegou à década de 1980, as empresas estatais tomaram à frente nesse processo, capitaneadas pela empresa estatal saudita, passaram a ditar ritmo de produção e preço do barril. E com a descoberta do pré-sal, se a Petrobras mantiver o ritmo de exploração, chega em 2020 como uma das empresas que estará também ritmo e preço. Uma empresa brasileira, num país que as empresas insistem em chamar de terceiro mundo.
Vai influenciar nas decisões políticas e internacionais.
Rangel – Exatamente. Isso para os entreguistas da nação é a morte. Daí que o mercado internacional, aliado aos entreguistas de plantão, liderados pelos tucanos, têm tanto ódio da Petrobras e querem destruir a empresa. Segundo ponto, quando você fala sobre a Lei da Partilha, se passa o projeto do Serra, a saúde e a educação vão perder recursos, porque metade dos royalties será destinada a esses dois setores, sendo 75% desse montante para a educação e 25% para a saúde. Todo o Plano Nacional de Educação está alicerçado em cima do dinheiro dos royalties. A Lei da Partilha diz que o bloco do pré-sal é ofertado, vai a leilão e a empresa que oferece ao governo, que é o dono do petróleo, o maior retorno de óleo ganha o leilão. Obviamente que para oferecer ao governo o retorno de alguma coisa, extrai os custos de produzir o petróleo. A Petrobrás produz petróleo a US$ 9, só perde para empresa saudita, que produz a US$ 6. Toda outra empresa que vier explorar não o fará por menos de US$ 20. O que vai ser ofertado ao governo depois de abatidos os custos de extração serão recursos muito menores. O que o governo, o trabalhador e o Brasil vão perder será algo monstruoso e por isso os profissionais da educação e os estudantes estão conosco nessa cruzada para derrubar o projeto do senador José Serra.
Saiba Mais
Você que tem 30 anos de experiência na Petrobras pode falar um pouco sobre o processo de revitalização da Petrobras nesses últimos 12 anos. O que mudou?
Rangel – Eu entrei na Petrobras em 1985 e era início do mandato do Tancredo Neves, que faleceu, e o Sarney assumiu o governo. Passamos pelo governo Fernando Collor de Mello, que começou a sucatear a companhia, pelo governo Fernando Henrique Cardoso e chegamos a 2002 com a empresa completamente pronta para ser vendida. Naquele momento, representava 2% do PIB nacional, tínhamos uma indústria naval completamente destruída, perdemos a expertise em construir navios e plataformas, investir em pesquisa e desenvolvimento. Ai o Lula ganhou a eleição e, no primeiro programa de televisão durante a campanha, fez no estaleiro de Angra dos Reis, entregue às moscas. Disse se ganhasse iria revitalizar a indústria naval.
E a diferença foi da água para o vinho. Ele deu uma guinada na nossa empresa e transformou numa das maiores de energia do mundo. Saltou para 13% do PIB, passou a investir R$ 300 milhões por dia no país, a indústria naval saiu de dois mil para 90 mil empregados, somos hoje a empresa de capital aberto que mais produz petróleo no mundo e levou sete anos para produzir 800 mil barris no pré-sal. Coisa que outras empresas levam 15 anos. Isso incomoda.
São quantos empregos atrelados à Petrobras hoje?
Rangel – Toda a esteira da Petrobras envolve hoje cerca de 1,5 milhão de empregos. E mais do que isso, é importante ressaltar que uma das questões colocada na Lei da Partilha é o conteúdo nacional. É você exigir na construção de um navio, na construção de uma plataforma dentro dessa instalação o mínimo de 60% dos equipamentos construídos no nosso país. Isso gera emprego e conhecimento para o nosso povo e o país foge da doença holandesa.
A Holanda produzia e vendia o petróleo, um dia acabou e ela ficou sem nada. Porque ela não conseguiu desenvolver sua indústria em torno do petróleo. O chororô da oposição é porque aqui é mais caro produzir navio do que em Cingapura. Claro, levamos mais de 20 anos sem produzir nada e perdemos o conhecimento. Mas isso é uma questão temporária, na medida em que formos desenvolvendo nossa pesquisa e tecnologia nos tornaremos menos dependentes do capital estrangeiro. E o melhor de tudo você vai empregando nosso povo.
Por isso, a Petrobras e o governo Dilma precisam entender que a empresa não pode aplicar esse plano de negócio que divulgou, uma redução de 40% nos investimentos, atrelada à venda de ativos. Esse é um receituário antigo e que nós já conhecemos. Na crise você corta salário, investimento, desemprega. Queremos ver o outro lado da moeda. Em 2009, amortecemos a grande crise do capital, com o presidente Lula que apontou o potencial enorme que tem o país no mercado intero. Aumentou o salário, continuou investindo em bancos públicos, Caixa Econômica, Banco do Brasil, BNDES. Investiu pesado nos projetos da Petrobras e aí a gente conseguiu passar por aquele pior momento empregando nosso povo, desenvolvendo nosso país e gerando emprego e renda.
É para isso que estamos chamando a atenção, buscando uma reunião com a presidenta Dilma para levar nossas proposições de reverem o plano de negócios proposto pela Petrobras.
Você acha que uma das contrapartidas na pauta da FUP pode ser ampliar a participação dos trabalhadores nos espaços de decisão da Petrobrás?
Rangel – Nós já manifestamos essa nossa insatisfação com a ausência de participação há algum tempo, temos apenas um representante no Conselho de Administração da empresa e, apesar de entender que foi um passo significativo, um dos últimos do governo Lula, em 2010, á não é mais suficiente. Queremos estar presentes, se não na área de decisão da companhia, onde se discutem aspectos econômicos, que achamos ter competência para contribuir, em setores como saúde e segurança. Este ano estamos com 13 mortes, duas por mês. Essa é uma área central em que podemos contribuir. Além do mais, ninguém conhece mais a Petrobras que os trabalhadores. Os executivos enxergam somente números, não veem que uma decisão deles de cortar investimentos vai prejudicar e muito o social e é isso que queremos conversar com o governo. Da mesma forma que o governo editou agora o PPE (Programa de Proteção ao Emprego), que foi muito bem recebido pelos metalúrgicos, que se faça algo no mesmo sentido de preservação dos empregos no setor do petróleo.
Notícia colhida no sítio http://www.cut.org.br/noticias/direcao-da-petrobras-precisa-ter-lado-na-guerra-pelo-pre-sal-78a3/
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O domínio estratégico do petróleo é das estatais: algumas lições da experiência internacional
- Escrito por Marcelo Zero
Qual é a maior empresa de petróleo do mundo? A Exxon? A Shell? A Chevron? A BP? Nenhuma delas. As maiores empresas de petróleo e gás do mundo são estatais – as chamadas national oil companies (NOCs). Entre elas, estão a Saudi Aramco (Arábia Saudita), a NIOC (Irã), a KPC (Kuwait), a ADNOC (Abu Dhabi), a Gazprom (Rússia), a CNPC (China), a PDVSA (Venezuela), a Statoil (Noruega), a Petronas (Malásia), a NNPC (Nigéria), a Sonangol (Angola), a Pemex (México) e a Petrobras.
Numa estimativa conservadora, feita em 2008, antes do pré-sal ser bem conhecido, as NOCs já dominavam 73% das reservas provadas de petróleo do mundo e respondiam por 61% da produção de óleo. Segundo a Agência Internacional de Energia, a tendência é a de que as NOCs sejam responsáveis por 80% da produção adicional de petróleo e gás até 2030, pois elas dominam as reservas.
Nem sempre foi assim. Até 1970, as chamadas international oil companies (IOCs), as grandes multinacionais, as Sete Irmãs, dominavam inteiramente 85% das reservas mundiais de petróleo. Outros 14% das jazidas eram dominados por empresas privadas menores e as NOCs tinham acesso a apenas 1% das reservas. As estatais que existiam na época, como a YPF (Argentina) a Pemex (México), a Petrobras e a PDVSA, não tinham a menor influência real nesse mercado.

As IOCs faziam o que bem entendiam. Ditavam a produção e o preço do petróleo e derivados no mundo, sempre com a perspectiva de curto prazo de obter o maior lucro possível e remunerar acionistas. Fortemente verticalizadas, as Sete Irmãs se encarregavam da pesquisa, da prospecção, da produção, do refino e da distribuição. Conteúdo nacional? Só o suor de trabalhadores locais de baixa qualificação. Tudo isso começou a mudar ao final da década de 1960.
O nacionalismo árabe, de inspiração nasserista, incitou uma onda de nacionalização do petróleo, que se iniciou na Argélia, em 1967, e na Líbia de Khadafi (o ódio do Ocidente a Khadafi não era gratuito), em 1969 e 1970. Tal onda nacionalizante se estendeu rapidamente por todo o Oriente Médio, no início da década de 1970. Governos nacionalizaram jazidas e expropriaram ativos das multinacionais para criar as suas próprias companhias de petróleo.
Em 1972, Arábia Saudita, Qatar, Kuwait e Iraque, onde estavam as principais reservas mundiais, já tinham iniciado esses processos. Isso mudou inteiramente o mercado do petróleo.
Os governos passaram a se apropriar de uma renda muito maior da cadeia do óleo, até mesmo porque descobriram que as IOCs escondiam deles os reais custos de produção, reduzindo artificialmente a remuneração devida aos países. E os Estados, não as Sete Irmãs, começaram a ditar o ritmo da produção e da comercialização do petróleo, não mais com a perspectiva de obter o máximo de dividendos no curto prazo, mas com o objetivo estratégico de maximizar o uso de um recurso natural finito e não renovável.
No âmbito internacional, esse novo domínio estatal permitiu que os países produtores, reunidos na OPEP, passassem a influenciar efetivamente o preço do petróleo, que se transformou numa commodity mundial.
Em 1973, após a Guerra do Yom Kippur entre árabes e israelenses, os países árabes impuseram um embargo aos EUA, à Europa e ao Japão, que apoiaram Israel, o qual fez disparar os preços do óleo no mundo. Foi o primeiro choque do petróleo, o qual teria sido impossível de realizar num mercado governado apenas pelos interesses das grandes multinacionais. Ao longo da década de 70, o domínio estratégico dos Estados sobre o petróleo cresceu com a ampliação e a sedimentação dos processos de nacionalização das reservas, a criação de grandes companhias estatais e o fortalecimento das já existentes.
Significativamente, a onda privatizante que verificou no mundo todo nos anos 80 e 90, sob o paradigma do neoliberalismo, não afetou, de modo substancial, o domínio estatal sobre a cadeia do petróleo.
Houve alguns episódios de privatizações totais ou parciais, especialmente na América Latina e no Leste europeu. Na Argentina, por exemplo, ocorreu a privatização da YPF, a segunda estatal do petróleo a ser criada, em 1928. No Brasil, a Petrobras teve o seu capital aberto na Bolsa de Nova Iorque. Na Rússia, alguns setores da indústria de hidrocarbonetos foram também privatizados.
Contudo, o aumento dos preços do petróleo ocorrido a partir do início deste século provocou nova onda de nacionalizações e de criação de estatais. Na Rússia, Putin reverteu as privatizações, conformando uma poderosíssima Gazprom. O mesmo ocorreu em países da Ásia Central, como o Azerbaijão e o Uzbequistão. Na Bolívia, o governo Morales nacionalizou as jazidas de hidrocarbonetos. Na Argentina, o governo Kirchner desapropriou a Repsol, que havia se apossado dos despojos da YPF.
Essa tendência praticamente mundial ao controle estatal do petróleo não ocorre por acaso. No estudo de mais de mil páginas intitulado Oil and Governance: State-owned Enterprises and the World Energy Supply, publicado em 2012 pela Cambridge Press e que analisa a experiência de 15 grandes NOCs (inclusive a Petrobras), os organizadores mencionam algumas fortes razões para o surgimento e a persistência dessa tendência. Há, é óbvio, motivos políticos, como o apelo do nacionalismo e a conveniência de obter ganhos geopolíticos com o controle efetivo e direto de bens sensíveis e estratégicos como os hidrocarbonetos, como faz a Rússia, por exemplo.
Mas há também razões vinculadas estritamente à racionalidade econômica de longo prazo. O controle direto das jazidas e da produção do petróleo permitiria, com maior facilidade:
1) Influenciar o preço dos hidrocarbonetos no mercado interno, conferindo, se necessário, subsídios em energia ao setor produtivo.
2) Instaurar políticas de conteúdo nacional, que se aproveitem das oportunidades e sinergias criadas pela produção de hidrocarbonetos para criar uma longa cadeia nacional do petróleo, estimulando indústrias e o setor de serviços.
3) Ditar o ritmo de exploração das reservas e de comercialização do óleo, conforme o interesse nacional e dentro de uma visão estratégica de aproveitar ao máximo a existência de um recurso natural finito e não renovável.
4) Gerar e obter informações detalhadas sobre as jazidas de óleo e gás, seu potencial e seus custos de exploração.
5) Desenvolver tecnologia própria relativa à cadeia dos hidrocarbonetos.
Alguns podem argumentar que pelo menos parte desses objetivos poderia ser alcançada sem a participação necessária de uma NOC. Em tese, um bom modelo regulador tornaria possível a consecução desses objetivos estratégicos e de longo prazo sem a participação direta de uma estatal como grande operadora das jazidas.
A experiência internacional demonstra, contudo, que isso é muito difícil. No estudo mencionado, entre as 15 grandes NOCs analisadas, somente 2 não são grandes operadoras: a NNPC, da Nigéria, e a Sonangol, de Angola. Essas grandes companhias africanas desempenham funções básicas de regulação e não têm capacidade técnica de operar na prospecção e na produção dos hidrocarbonetos.
No caso da Nigéria, a análise mostra que o país não consegue controlar a contento seu setor petrolífero, base da economia nigeriana. As grandes companhias multinacionais que lá atuam dominam inteiramente a produção e a prospecção e remuneram o Estado com base em suas próprias informações sobre custos e volume produzido.
A NNPC, por não ser operadora, não tem condições técnicas reais de avaliá-los. Também não há política efetiva de criação de uma cadeia de petróleo na Nigéria. Soma-se a isso, uma péssima gestão da estatal e sua submissão a um sistema político fortemente fisiológico. A NNPC não consegue ser nem operadora competente, nem reguladora efetiva do setor, apresentando um desempenho muito pobre. Desse modo, a Nigéria não tem a gestão estratégica de seu recurso natural mais valioso.
No que tange à Sonangol, embora o capítulo a ela dedicado a destaque como uma reguladora eficiente e estável, que não atrapalha as operações das multinacionais lá instaladas, as informações que chegam diretamente de Angola conformam um quadro muito ruim.
Conforme Francisco de Lemos Maria, que assumiu a presidência da empresa em 2012, o atual modelo operacional caracteriza-se pela crescente dependência da Sonangol, quer da contribuição de terceiros para a geração de resultados, quer de outsourcing de serviços, do básico ao especializado.
Segundo esse novo presidente, o sistema de hidrocarbonetos em Angola é “insustentável”. Com efeito, a prometida “angolonização” dos insumos e dos serviços da cadeia do petróleo não funcionou e, agora, a nova presidência vem envidando esforços para transformar a Sonangol também numa operadora eficiente e robusta.
Parece haver, portanto, uma correlação positiva, entre ter capacidade de gestão estratégica dos hidrocarbonetos e contar com uma NOC que tenha efetiva capacidade de operar as jazidas. É evidente que as NOCs não são uma panaceia em si e podem, inclusive, ser instrumento de distorções e ineficiências, especialmente em países com ralos controles democráticos da gestão estatal. Mas a sua existência facilita muito, sem dúvida, a gestão estratégica dos recursos do petróleo por parte dos Estados nacionais. Mesmo o tão elogiado modelo norueguês de gestão dos hidrocarbonetos, que contém elementos liberalizantes, se assenta, no fundamental, na Statoil, que opera, com muita eficiência, cerca de 80% das reservas de petróleo da Noruega.
Deve-se ter em mente que as grandes nacionalizações do petróleo na década de 1970 foram suscitadas essencialmente pela necessidade que os Estados detectaram de ter acesso a informações fidedignas sobre as jazidas e os custos de produção e operacionalização das atividades da cadeia do petróleo. De um modo geral, as grandes multinacionais da época ocultavam essas informações dos governos, os quais, por não contarem com operadoras próprias, não tinham como aferir ou contestar os dados apresentados pelas empresas.
Por isso, a grande maioria dos governos não se limitou a mudar o modelo de regulação, mas também se preocupou em criar NOCs, como grandes operadoras, para dar sustentáculo prático e técnico aos novos parâmetros de gestão estratégica dos hidrocarbonetos. Afinal, informação é poder.
No caso da Petrobras, sua utilidade para o Brasil e sua competitividade única no mundo reside justamente nas informações e na tecnologia que ela detém. A Petrobras é a única, entre todas as grandes NOCs, que foi criada antes de haver a constatação da existência de reservas provadas de petróleo em seu território de atuação. Todas as outras foram geradas num ambiente de certeza de reservas provadas e/ou de fácil nacionalização de ativos pré-existentes.
Desse modo, a Petrobras teve de investir pesadamente, desde o início, em prospecção e desenvolvimento próprio de tecnologia, principalmente de tecnologia de exploração em águas profundas e ultraprofundas, o que já lhe valeu merecidos grandes prêmios internacionais.
Por conseguinte, o grande diferencial da Petrobras, no concorrido mercado dos hidrocarbonetos, reside na sua tecnologia de vanguarda e no domínio das informações estratégicas sobre as jazidas, particularmente as do pré-sal. Esse diferencial permitiu à Petrobras manter-se como a grande operadora do petróleo no Brasil, mesmo após os famosos contratos de risco da década de 1970 e da adoção do modelo de concessão, na década de 1990. Pois bem, retirar da Petrobras a condição de operadora única do pré-sal pode subtrair da empresa esse diferencial único, e, do Brasil, a capacidade de gerir estrategicamente os fantásticos, mas finitos recursos do pré-sal.
De fato, a depender do ritmo dos leilões do pré-sal, a Petrobras não conseguiria participar da maioria, o que poderia resultar em seu alijamento da maior parte do pré-sal. Deve-se ter em mente que, num ambiente de crise e de estrangulamento das receitas, a tentação de acelerar, numa perspectiva de curto prazo, os leilões do pré-sal pode eclipsar as considerações estratégicas de longo prazo.
Para a empresa, tal alijamento resultaria num célere enfraquecimento e, provavelmente, numa dificuldade em honrar sua dívida contraída justamente para ter condições de explorar o pré-sal. Todo o seu capital tecnológico e informacional poderia ser vendido ou perdido e ela acabaria se transformando, em um cenário mais pessimista e no longo prazo, numa grande NNPC ou Sonangol, dedicada a atuar secundariamente como reguladora. Para o país, o quadro de alijamento da Petrobras da maior parte do pré-sal ou mesmo de parte significativa dele, provavelmente resultaria numa grande dificuldade para gerir estrategicamente os seus recursos oriundos dos hidrocarbonetos.
Encontraríamos, nesse cenário, obstáculos consideráveis para controlar o ritmo da produção, amealhar os royalties efetivamente devidos e implantar a política de conteúdo nacional.
Nesse sentido, retirar da Petrobras a condição de operadora única do pré-sal pode ser o início de seu fim e o começo sub-reptício de uma Petrobax. Pode ser também, num sentido maior, o início do fim de um Brasil desenvolvido, soberano e justo.
Por Marcelo Zero, que é sociólogo, especialista em Relações Internacionais e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI).
Artigo colhido no sítio http://www.fup.org.br/ultimas-noticias/opiniao/item/17814-o-dominio-estrategico-do-petroleo-e-das-estatais-algumas-licoes-da-experiencia-internacional
