Após décadas de queda, a sindicalização voltou a crescer no Brasil em 2024. A recuperação acompanha a melhora do mercado de trabalho, especialmente o avanço do emprego assalariado com carteira desde 2023. Com isso, a taxa nacional subiu de 8,4% para 8,9% entre 2023 e 2024, interrompendo a trajetória negativa.
Mais de 811 mil trabalhadores passaram a ser sindicalizados, elevando o total de 8.253.983 para 9.065.581. O movimento, segundo a análise, “contrariou a tendência mundial (e mesmo nacional) recente” e está diretamente ligado à retomada do emprego formal.
Os dados foram levantados e analisados pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com passe nas informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), produzida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas).
Os números dialogam diretamente com o levantamento recente feito pelo Vox/Populi, encomendado pela CUT que, entre outros dados, mostra que a maioria dos trabalhadores (68%) consideram os sindicatos importantes para defender direitos, mediar conflitos e melhorar salários.
Sindicalização na história
A história da sindicalização no Brasil começa após 1930, quando se consolidou o modelo de “cidadania regulada”, com forte controle estatal sobre o movimento sindical. O auge veio entre as décadas de 1970 e 1980, impulsionado pela industrialização e pelas lutas contra a carestia, mesmo sob a repressão do regime militar. Esse crescimento estava diretamente apoiado na expansão do emprego assalariado urbano industrial, que dava estrutura ao mercado de trabalho e às bases sindicais.
A partir dos anos 1990, porém, inicia-se um processo de lento e contínuo declínio. O país passa por desindustrialização, perda de postos formais e aumento da precarização e da informalidade — tendência observada também internacionalmente. Ao mesmo tempo, ocorre uma fragmentação organizativa, com mais entidades e menor densidade de filiação.
Esse cenário levanta questões centrais: a queda da sindicalização decorre sobretudo da transformação na composição do emprego — menos assalariamento formal — ou também de fatores ideológicos e disputas sobre o próprio papel dos sindicatos?
Em números, a taxa de sindicalização caiu de uma média de 17,8% (1990–2014) para 13,3% (2014–2019).
Já em 2022, o índice recuou para 9,2% e, em 2023, atingiu 8,4%, o menor percentual da série histórica. Esse declínio foi agravado pela explosão de relações laborais que escapam da proteção coletiva e dos espaços de negociação formal.
(infográfico)
Entre os fatores estruturais do enfraquecimento, a Reforma Trabalhista de 2017 teve papel central.
“A Reforma Trabalhista de 2017 resultou, no Brasil, em perda de capacidade de mobilização, com aceleração e generalização da queda da sindicalização, precarização, terceirizações e ‘pejotizações’ e desestímulo à negociação coletiva com a flexibilização da legislação trabalhista”, diz Leandro Horie, técnico do Dieese
Ele explica ainda que a expansão do trabalho por conta própria e do microempreendedor individual aprofundara o problema estrutural da representação sindical.
“Os MEIs passaram de 4 milhões em 2015 para mais de 15 milhões em 2024. No total dos ocupados, 25,16% eram conta própria, enquanto o emprego formal privado correspondia a 37,41%, e os trabalhadores sem carteira chegavam a 13,74%”, diz, complementando que “o atual modelo de representação permanece “baseado no assalariamento formal”, o que exclui amplas parcelas da força de trabalho.
Virada em 2024: formalização e grandes empregadores impulsionaram recuperação
A retomada ocorreu especialmente em regiões urbanas do Sul, Sudeste e Centro-Oeste exceto Distrito Federal). São Paulo registrou variação acima da média nacional, com avanço de 8,8% para 10,8% no período de um ano.
“O fato de o peso da geração de postos de trabalho ter ocorrido em grandes empresas também auxiliou o resultado, já que tradicionalmente são tamanhos de estabelecimentos com maior densidade sindical”, explica Leandro Horie,
De acordo com o estudo, a dinâmica do mercado de trabalho entre 2023 e 2024 mostrou:
- Redução da proporção do emprego em micro e pequenas empresas
- Aumento da criação de vagas em empresas de 500 empregados ou mais onde historicamente a densidade sindical é maior
Essa composição diferenciada da recuperação econômica foi decisiva para o saldo positivo.
Perfil de sindicalizados e desigualdades
A sindicalização segue desigual entre categorias profissionais e setores econômicos. Os assalariados do serviço público continuam sendo o núcleo mais organizado. Em 2024, as maiores taxas de filiação por posição na ocupação foram:
| Posição na ocupação | Taxa de sindicalização |
| Empregados do ssetor público com carteira | 16,0% |
| Empregados do setor privado com carteira | 11,2% |
| Trabahadores domésticos com carteira | 2,2% |
Por setor econômico, destacam-se:
- Educação, saúde humana e serviços sociais — 15,6%
- Administração pública, defesa e seguridade social — 15,2%
- Agricultura, pecuária e pesca — 14,8%
Os menores índices estão nos serviços domésticos (2,6%) e na construção civil (3,6%). Por categorias, houve crescimento das taxas entre 2023 e 2024 em:
- Financeiro: 16,3% → 18,9%
- Químico: 10,9% → 13,4%
- Além de Administração Pública, Saúde e Seguridade Social, Urbanitários, Metalúrgicos, Vestuário e Transporte
As únicas quedas ocorreram entre trabalhadores rurais e no ramo da alimentação.
Dimensão demográfica: mais participação de jovens, mas envelhecimento persiste
Houve aumento de sindicalização para homens e mulheres, e entre negros e não negros. A base, porém, segue concentrada na população trabalhadora mais velha:
- Trabalhadores com 40+ anos representam 51,8% dos sindicalizados
Ainda assim, a melhora de 2024 teve destaque nos jovens de 18 a 24 anos, após anos de forte retração nesse grupo.
Desafios permanecem apesar do avanço
A recuperação recente ocorre em um contexto ainda frágil. “O crescimento do emprego com carteira se deu com participação importante de setores econômicos com baixa densidade sindical, à exceção do setor público e indústria”, observa o técnico do Dieese.
Além disso, o desestímulo às negociações coletivas pós-reforma trabalhista continua limitando o alcance da organização sindical.
Foto: Roberto Parizotti
Texto: André Accarini
Fonte: CUT