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Equador irradia as vozes de luta pela democratização da comunicação para a América Latina

Com a participação da CUT e do FNDC, encontro da Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica (ALER) reafirma em Quito a comunicação como direito humano

Escrito por: Leonardo Wexell Severo, de Quito-Equador

“Mantenham acesa a luz, eu sempre vou voltar”

Guayasamin

Cerimônia de comemoração dos 40 anos da ALER com a tela O Condor e o Touro

Cerimônia de comemoração dos 40 anos da ALER com a tela O Condor e o Touro

Como uma profecia, as palavras do pintor equatoriano Oswaldo Guaysamin reverberaram na Capela do Homem, em Quito, na noite de quarta-feira (19), durante a cerimônia comemorativa dos 40 anos da Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica (AÇER). A entidade é a organizadora do Encontro Latino-Americano de Comunicação Popular e Bem Viver que, com a participação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e da Central Única dos Trabalhadores do Brasil,  acontece na capital do Equador até o próximo sábado.Erguida em 1985, a construção espetacular “rende homenagem ao humano” e resguarda como um museu parte expressiva da obra de Guaysamin, marcada por fortes e fecundas raízes indígenas. Mais do que um grito contra as mazelas provocadas pelo capitalismo e pelo neocolonialismo, as pinturas são um canto de amor à vida e de esperança na Humanidade.

A gigantesca tela “O Condor e o Touro” sintetiza, como metáfora, as opções do Continente em relação aos descaminhos e armadilhas da globalização neoliberal e de seu projeto de dominação. A pintura traduz a luta entre o condor, ave símbolo dos Andes, e o touro, identificado com o colonizador europeu. Conforme a tradição indígena andina, uma vez por ano os dois animais devem ser amarrados e jogados do alto de um precipício. Se o condor conseguir se desprender, será um período de bonança e fartura. Caso contrário, tudo ao revés.

E foi este precisamente o cenário de fundo para a cerimônia que reuniu duas centenas de dirigentes dos movimentos sociais e pela democratização da comunicação da América Latina, autoridades, ministros e ex-ministros da Comunicação de todo o Continente, que elevaram a voz por um novo tempo.

Exortando “a arte como compromisso com a vida” e saudando o “espírito livre que salta destas quatro paredes” por obra do “pintor dos povos, da ternura e da paz”, o representante do governo equatoriano, Juan Meriguet, defendeu o bom combate para “mudar as velhas e caducas estruturas e conquistar a soberania e a dignidade”. Meriguet sublinhou a posição do presidente Rafael Correa de afirmar que “o direito à comunicação é garantia de democracia”, e que portanto se sobrepõe aos interesses de meia dúzia de famílias e seus conglomerados midiáticos. De acordo com Meriguet, “neste momento em que os meios massivos intervêm descaradamente para bloquear qualquer possibilidade para o pleno desenvolvimento dos desejos e aspirações dos nossos países e povos, reafirmamos nosso compromisso com uma comunicação plena e libertadora”.

Gerardo Tapias, da Coordenadora Andina de Organizações Indígenas; Rosane Bertotti (CUT e FNDC); Oswaldo León e Sally Burch, da ALAI

Gerardo Tapias, da Coordenadora Andina de Organizações Indígenas; Rosane Bertotti (CUT e FNDC); Oswaldo León e Sally Burch, da ALAI

O coordenador da ALER, Gerardo Lombardi, ressaltou que este é o espírito do encontro: “potencializar enfoques, olhares e sentidos de uma comunicação libertadora”. “Temos consciência de que este continente luta por novos espaços e caminhos, pois o modelo de desenvolvimento que nos venderam de diferentes maneiras está falido. Portanto, é hora de ressignificar. Nossas organizações trazem  propostas com diversos olhares para construir novos enfoques que  possam iluminar os caminhos carregados de sentimento e compromisso”, declarou.DESCALABRO PRIVADO

Para o dirigente da Agência Latino-Americana de Informação (ALAI), Oswaldo León, a mídia privada expõe sua aversão à democracia ao argumentar que o projeto de lei em debate pelo parlamento equatoriano é uma “mordaça” e que a “melhor lei é que não existe”. A lei que está para ser aprovada, ressalta León, “garante a democratização do espectro eletromagnético: 34% para as emissoras comunitárias, 33% para as públicas e 33% para as privadas. E ponto”. Agora, denuncia, “em vez do ponto, a oposição de direita quer colocar uma vírgula e incluir ‘das frequências disponíveis’, para que nada mude, pois não há mais frequências para repartir”. Já está em vigor no Equador a legislação que possibilitou a retomada para o Estado de emissoras que foram doadas a parlamentares alinhados às propostas neoliberais e privatistas do antigo governo. Igualzinho ao que ocorreu no Brasil nos tempos de FHC, deputados e senadores saíram de determinadas votações com concessões debaixo do braço. “De 250 concessões ilegais, já retomamos 25. É um processo que caminha lento, mas que está andando”, disse.

Entre os muitos abusos implementados pelos governos neoliberais que antecederam ao presidente Correa, informou León, encontram-se “o desmantelamento da Rádio Nacional, de quem não só tiraram as frequências como roubaram até mesmo os telefones”. “Agora o governo está estruturando a Rádio e a TV Públicas”, frisou.

BRASIL NA LUTA

Na avaliação da coordenadora do FNDC e secretária nacional de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, o embate que se trava hoje nos diferentes países da América Latina só reforça a justeza do empenho dos movimentos sociais e pela democratização da comunicação no Brasil para regulamentar os dispositivos constitucionais que combatem a formação de monopólios e oligopólios e garantem a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal. Rosane defendeu que é “preciso pensar o novo tempo de convergência tecnológica e a necessidade de garantir a efetivação do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) a partir dos interesses do país e do povo brasileiro em não das teles, que nos vendem uma internet lenta, cara e de má qualidade”. Um projeto soberano de país, alertou, “não pode estar subordinado ao poder das teles, que não garantem o direito ao acesso, que não levam a internet nem às escolas nem às comunidades rurais”. “O que afirmamos é que a comunicação é um direito. E que para que possa ser exercido precisa de um Estado que garanta este direito com políticas públicas para o conjunto da população”.

Notícia colhida no sítio http://www.cut.org.br/destaques/22563/equador-irradia-as-vozes-de-luta-pela-democratizacao-da-comunicacao-para-a-america-latina

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“Empresários se apropriaram da liberdade de imprensa para ter liberdade de empresa”

Debate sobre a democratização da comunicação reuniu mais de trezentos representantes de rádios comunitárias, pesquisadores, autoridades e estudantes, no Encontro Latino-Americano de Comunicação Popular e Bem Viver. Adalid Contreras, secretário da Comunidade Andina, que reúne Peru, Colômbia, Equador e Bolívia criticou ação de grandes empresas privadas. “Os empresários se apropriaram da liberdade de imprensa para ter liberdade de empresa”. O artigo é de Ana Maria Passos, direto de Quito.

Ana Maria Passos – Quito

Quito – O debate sobre a democratização da comunicação, que era uma bandeira dos anos 80, voltou à tona na América Latina com a crise do modelo neoliberal e a conquista de governos progressistas em vários países. Em quase todo o continente está sendo discutido, ou já foi aprovado, um novo marco regulatório em busca de mais pluralidade e igualdade de acesso à comunicação.

Este tema atravessou os debates entre mais de trezentos representantes de rádios comunitárias, pesquisadores, autoridades e estudantes que participaram do Encontro Latino-Americano de Comunicação Popular e Bem Viver, de quarta a sexta-feira, em Quito, no Equador, para comemorar os quarenta anos da Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica, a Aler.

“Doze anos atrás no continente não estávamos falando desse assunto, estava em nossas preocupações sempre, mas não havia essa possibilidade. Creio que se abriu uma brecha e que essa brecha já não tem volta atrás”, diz a secretaria executiva da Aler, Nelsy Lizarazo. Na opinião de Lizarazo, as condições políticas são mais favoráveis agora, com o fortalecimento da democracia, apesar de algumas ameaças, como os golpes de Estado em Honduras e no Paraguai, mais recentemente. “Temos mais possibilidades de participar, de mobilizar e de entrar em diálogo. Também creio que os movimentos sociais e as organizações estão vivendo um novo tempo, reinventando-se, adaptando-se ao momento e em direção ao futuro, então creio que esse é um fator que também joga muito a favor de posicionar a comunicação como um direito”.

Argentina – “nova lei traz avanço, mas não é suficiente para mudar a realidade”

Bolívia e Equador já aprovaram em suas Constituições que a comunicação é um direito de todo cidadão e que a liberdade de expressão não é isenta de responsabilidades.

Mas é a Argentina que têm a legislação mais avançada do continente. A nova Lei de Meios Audiovisuais, aprovada em 2009, garante 33 por cento das freqüências de rádio e televisão para emissoras sem fins lucrativos. As comunidades indígenas reconhecidas pelo governo também têm direito aos canais, fora desse percentual. A lei argentina determina ainda o fim do monopólio e oligopólio nos meios de comunicação e da propriedade cruzada. A cobertura dos canais tem limite, não pode alcançar mais de 35 por cento da população. Um dos desafios é o financiamento e a sustentabilidade dos veículos não comerciais. O fundo que deveria garantir recursos para esses canais ainda não começou a funcionar, embora haja algumas iniciativas pontuais para investimentos em capacitação e compra de equipamentos, segundo o presidente do Fórum Argentino de Rádios Comunitárias (Farco), Nestor Busso. “A lei é como uma porta que se abre. A lei propõe um novo modelo, mas não muda a realidade”.

O maior entrave para fazer valer a lei são os grandes grupos privados, como o Clarin, que entrou na justiça e conseguiu uma medida cautelar suspendendo a aplicação de alguns artigos. A Suprema Corte marcou como data final para julgar a ação o dia sete de dezembro.

Para Busso, “cada vez mais os grandes meios de comunicação na América Latina são a expressão do poder econômico concentrado e, na medida em que os governos democráticos querem avançar em direitos cidadãos e pôr limites ao poder econômico, ocorre um enfrentamento entre o poder mediático e o poder político”. Esse confronto, afirma Busso, é mais evidente em alguns países como Venezuela, Equador e Bolívia, mas também se dá no Brasil e na Argentina. “O poder econômico e suas corporações são o principal partido de oposição. Não há partidos com idéias, com outro projeto político. Os que enfrentam as políticas do governo nacional são as corporações mediáticas”.

Por isso o tema é considerado chave para assegurar a governabilidade democrática. A vantagem na Argentina é que o assunto já ganhou as ruas. “Todo mundo opina sobre os meios de comunicação. E poucos ainda acreditam naquilo, bom saiu na televisão é verdade, saiu no diário é verdade. Cresceu um sentido crítico em relação aos meios de comunicação”.

Busso acredita que não é possivel democratizar a sociedade se apenas poucas empresas definem os temas que devem ser debatidos ou não. “E, de fato, amplos setores da nossa sociedade, particularmente os mais pobres, estão invisíveis, estão silenciados, então há necessidade de uma ação dos estados para intervir em matéria de comunicação e para que todos os setores possam expressar-se. É um tema chave, tanto em nível nacional, como internacional”.

A proposta de Busso é levar o debate aos organismos de integração, como Mercosul, Unasul, Alba e Comunidade Andina.

Comunidade Andina pede nova ordem da comunicação

O Secretário da Comunidade Andina (CAN), que reúne Peru, Colômbia, Equador e Bolívia, Adalid Contreras, diz que a entidade não está encarregada desse assunto, mas se preocupa com a crescente confrontação entre meios de empresários privados e poderes estatais. “Não é casual, porque as estruturas de poder estão instaladas nesses meios privados. Muitos meios privados estão passando do ponto, já não há mais ética nos informativos”. Para Contreras, está instalado nesses meios “o desprezo pelo popular”. E os erros sempre ficam impunes. “A auto-regulação dos jornalistas não funciona. Não se sanciona, não se castiga. Os empresários se apropriaram da liberdade de imprensa para ter liberdade de empresa”. Neste sentido, o secretário opina que o discurso em nome da liberdade de expressão “está freando aspirações de décadas quanto ao direito à comunicação”, que seria muito mais amplo. “Eu voltaria a pôr como bandeira a necessidade de uma nova ordem mundial da informação e da comunicação”.

Equador – Movimentos sociais se unem para tentar aprovar a Lei de Comunicação

Os movimentos sociais do Equador decidiram lançaram durante o encontro das rádios comunitárias uma nova estratégia para avançar na democratização da comunicação. Eles acreditam que o primeiro passo é aprovar a Lei de Comunicação, que está em debate na Assembléia Nacional há três anos. O texto só depende de uma segunda e última votação no plenário. A proposta divide o espectro radioelétrico em 33 por cento para canais privados, 33 por cento para públicos e 34 por cento para comunitários, que teriam financiamento e isenção de impostos para se equipar. A lei também proíbe monopólio e oligopólio no setor, garante igualdade de acesso à publicidade oficial e cria o conselho de regulação e desenvolvimento da comunicação. O órgão seria composto por seis pessoas, entre representantes do governo, províncias, conselhos de igualdade, universidades, comunidades indígenas e afroequatorianas e outro dos movimentos sociais. Com funcão administrativa, o Conselho teria a palavra final sobre a concessão de freqüências e receberia denúncias sobre violações de direitos estabelecidos pela lei. Os meios privados chamam o projeto de ‘lei da mordaça’, o governo já disse que apóia a proposta, mas não tem votos suficientes para a aprovação.

As rádios comunitárias e outros movimentos sociais equatorianos decidiram se unir para pressionar os parlamentares daqui pra frente e fazer oficinas nas comunidades onde atuam com o fim de conscientizar a população sobre a importância da mudança de regras na comunicação.

Eduardo Guerreiro, diretor da rádio Latacunga, avalia que “esse tema foi conversado até agora mais no interior das organizações e não incidiu na sociedade como um todo. A sociedade civil não vê ainda a importância da lei de comunicação. Os meios hegemônicos, os meios comerciais, que estão unidos a determinados grupos de poder econômico e também político, foram manejando a opinião pública”. O radialista diz que os meios comunitários pretendem pôr o tema em debate “e apresentar outra realidade, outro olhar sobre o que é a lei de comunicação”.

Brasil na campanha pela liberdade de expressão de todos e de todas

Essa é a mesma preocupação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) no Brasil. A coordenadora do FNDC, Rosane Bertotti, diz que as pessoas ainda não consideram o direito à comunicação igual ao de ter acesso à educação e à saúde, por isso não entram na luta por ele. “A comunicação é encarada como uma forma de levar uma informação, levar um entretenimento pra uma camada da sociedade e não como direito”.

Mudar essa visão é o desafio dos que querem transformar a estrutura de comunicação do país.

A legislação em vigor é de 1962, anterior à ditadura. A Constituição de 88 trouxe avanços, como a proibição do monopólio e da concessão de rádio e televisão para quem tem cargo público, mas como não foi feita a regulamentação a regra não é cumprida. “Nós sabemos que as concessões no Brasil, em torno de 30 por cento, são ligadas a políticos”.

O FNDC defende a necessidade de uma nova lei que garanta a liberdade de expressão num sentido amplo. A proposta deve garantir pluralidade, novas formas de concessão, fortalecer o sistema público, assim como os meios comunitários e educativos, além de considerar os avanços tecnológicos.

Para divulgar esses princípios, o Fórum lançou a campanha “Para expressar a liberdade, uma nova lei para um novo tempo”- de convergência tecnológica e de fortalecimento da democracia.

“O Brasil passou e continua passando por um processo diferente do último período, o governo do presidente Lula avançou em vários aspectos no que diz respeito à democracia, à economia, à participação”. Não faz sentido, na opinião de Rosane, uma lei de comunicação que ainda permite conteúdos machistas nos meios de comunicação. “A cada dia milhares de mulheres são assassinadas e violentadas e assistimos em televisão aberta a programas que incitam a violência contra as mulheres, contra as crianças. Nós não podemos mais nesse novo tempo de democracia ver programas que incitam à homofobia, ao racismo. Nós vivemos num país plural e precisamos respeitar a diversidade de raças, de gênero e também a diversidade sexual”.

Regular, explica Rosane, é bem diferente de censurar os meios de comunicação. “Nós defendemos a liberdade de imprensa. Mas não pode ser uma liberdade de imprensa que dá o direito a quem detém o meio de falar o que quer, o que pensa, sem que isso nem sempre seja verdade. E você não tem nem sequer o direito de resposta no Brasil. Quando você garante a liberdade de expressão, você está garantindo a liberdade de imprensa e uma coisa mais ampla, que é o direito de todos se expressarem, dos homens, das mulheres, dos negros, dos índios, do setor empresarial, do setor do trabalho, dos movimentos sociais, de quem é governo, porque é assim que é a sociedade brasileira”.

Notícia colhida no sítio http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20950

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Venício Lima: “Regulação da mídia não tem nada a ver com censura”

Um dos maiores especialistas brasileiros em políticas de comunicação analisa a forte monopolização do setor em nosso país. Para Venício Lima, a situação atual é um empecilho para a consolidação da democracia e um impedimento para que várias opiniões possam se manifestar no debate público. Venício Lima aponta a saída: uma nova legislação que regulamente os artigos da Constituição referentes ao tema.

Jonas Valente (*)

(*) Reproduzido pelo Observatório da Imprensa a partir da versão original publicada na revista Desafios do Desenvolvimento nº 73, do IPEA; título original “Os grupos contrários à liberdade de expressão são os mesmos que empunham a bandeira da liberdade de expressão”.

Atualmente, Venício Artur de Lima é colunista dos sites Observatório da Imprensa e Carta Maior. Nesta entrevista, Venício traça um panorama das políticas de comunicação e defende a importância de um novo marco regulatório para o setor. O objetivo, segundo ele, é garantir a universalização da liberdade de expressão. Em suas palavras, o conceito foi apropriado pelos conglomerados de mídia, exatamente para impedir sua plena realização.

Um dos maiores especialistas brasileiros em políticas de comunicação analisa a forte monopolização do setor em nosso país. Segundo ele, a situação é um empecilho para a consolidação da democracia e um impedimento para que várias opiniões possam se manifestar no debate público. Venício Lima aponta a saída: uma nova legislação que regulamente os artigos da Constituição referentes ao tema, levando-se em conta os avanços tecnológicos existentes desde então. E observa:”Isso não tem nada a ver com censura”.

Alguns setores da sociedade defendem a necessidade de uma nova regulação do setor de comunicações em nosso país. Mas a proposta é atacada sob o argumento de que isso significaria um controle social da mídia, com risco de resultar em censura. Qual sua opinião a respeito?

Venício A. de Lima – A expressão “controle social da mídia” entrou na narrativa da grande mídia por ocasião do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), elaborado em 2009. Desde então, o termo passou a ser frequentemente associado a intenções da gestão de Lula ou de seus apoiadores, embora sua origem venha da segunda versão do Plano, elaborada no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). A expressão “controle” é fartamente utilizada para outras políticas públicas inscritas na Constituição, como educação, saúde, assistência social, direitos dos idosos. Ela expressa um processo de descentralização da administração pública por meio da criação de conselhos com participação popular. A grande mídia satanizou a expressão e passou a identificá-la como tentativa de censura. Pergunto: em que proposta ou projeto essa expressão pode ser identificada com censura? Não existe isso.

Como isso se dá em outros países?

V.A.L. – A regulação da área não tem nada a ver com censura. Na Inglaterra, há não só um órgão estatal da radiodifusão, o Ofcom (Office of Communications), como uma agência de autorregulação, a PCC (Press Complaints Comission), que está sendo descontinuada para que surja outra com mais poder de interferência, depois do escândalo envolvendo o jornal News of the World, do grupo News Corporation [de Rupert Murdoch].

Mas por que os empresários de comunicação são contrários à regulação?

V.A.L. – Porque está em jogo a própria ideia de liberdade. E, por extensão, do conceito de liberdade de expressão. Na história brasileira, o liberalismo nunca foi democrático. Ele pensa a questão da liberdade apenas do ponto de vista da ausência de interferência do Estado. A liberdade é equacionada com a liberdade individual desde que o individuo não seja impedido de fazer o que quiser e a instituição adversária dessa liberdade é sempre o Estado. Quando você traduz isso para área de política pública, e em particular para a área dos meios de comunicação, qualquer interferência do Estado é identificada como ausência de liberdade.

A ideia de liberdade de expressão é um conceito encontrado na experiência democrática da Grécia de seis séculos antes de Cristo. Ela se realiza na medida em que há a participação do homem livre na elaboração das regras às quais ele deve se submeter. Ele é livre por participar da elaboração das regras que confirmam a sua liberdade. Não tem nada a ver com a ideia de ausência de interferência do Estado.

Qual seria a diferença entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa?

V.A.L. – A primeira associação entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa é totalmente inadequada. A liberdade de expressão aparece seis séculos antes de Cristo associada a uma capacidade de autogoverno, que hoje se aproximaria da ideia de cidadania. Já a liberdade de imprensa implica a existência da imprensa, que só aparece no final do século XV. Quando se estuda a história dos meios de comunicação, se pode ver como a ideia original de liberdade de expressão está longe dessa instituição que hoje se constitui de grandes conglomerados multimídia. O que há são as expressões das posições desses grupos empresariais. De forma nenhuma podem ser entendidas como portavozes da liberdade de expressão coletiva.

Isso muda com a internet?

V.A.L. – Sim, ela possibilita o surgimento de um espaço que pode ser acessado por qualquer um e se aproxima mais da ideia de universalização da liberdade de expressão do que a atuação de poucos grupos que fazem negócio com a atividade de mídia que reivindicam para si a expressão de uma opinião pública coletiva, a condição de representantes de uma diversidade de vozes. No caso brasileiro, na Constituição Federal, a expressão liberdade de imprensa só aparece uma vez, quando se trata da situação de Estado de Sítio. E inventaram essa da liberdade de expressão comercial, o que inclusive, do ponto de vista legal, é uma rebeldia contra a Carta de 1988. Os empresários que reivindicam esse conceito o fazem resistindo a normas constitucionais que preveem restrições à publicidade de alimentos nocivos à saúde, classificação indicativa para orientar horários de transmissão de programas e restrições à publicidade de cigarro e bebidas.

Então a regulação estaria mais associada à liberdade de expressão sob uma perspectiva coletiva?

V.A.L. – Quando você fala em regulação, no caso brasileiro, se fala em regulamentar primeiramente as normas da Constituição de 1988. A posição do governo Dilma parece ser clara em relação a isso. Os temas principais são a proibição da prática de monopólio e oligopólio e a prioridade à produção independente e regional. A segunda coisa é contemplar o avanço tecnológico imenso pelo qual passou a área depois da promulgação da Carta Magna. Esse avanço diluiu a divisão que havia entre telecomunicações e radiodifusão.

Quais os critérios para orientar a regulação?

V.A.L. – O grande critério deve ser aumentar o número de vozes que participam do debate público. Por isso, os conselhos [de comunicação social] são tão fundamentais. Eles possibilitam a ampliação da participação na gestão das políticas públicas.

As regras existentes conseguem garantir a liberdade de expressão?

V.A.L. – Para entender o modelo atual, é preciso discutir os vetos que o então presidente João Goulart havia feito ao projeto do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT). Eles foram derrubados por pressão dos empresários no Congresso, em 1962. Havia uma disputa de poder entre concessionários do serviço público e o poder concedente, vale dizer, entre o Poder Executivo e os radiodifusores. Os vencedores queriam – e conquistaram – prazos dilatados para as concessões (10 e 15 anos), renovação automática delas, ausência de penalidade (mesmo após julgamento pelo Poder Judiciário) em casos de divulgação de notícias falsas e assimetria de tratamento em relação a outros concessionários de serviços públicos – alteração da lei de mandado de segurança. A derrubada dos vetos se constituiu na espinha dorsal da regulação da radiodifusão no Brasil. Algumas dessas normas os radiodifusores conseguiram incluir na Constituição de 1988. Assim, para a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Albert), não há necessidade de novo marco. É como se nada justificasse uma mudança das regras de meio século atrás. A necessidade de uma nova regulação hoje, entre as várias razões, passa pela atualização da legislação em razão das mudanças tecnológicas.

Quais são as principais insuficiências do modelo brasileiro?

V.A.L. – A regulação atual perpetua um problema histórico da sociedade brasileira, que é a exclusão da imensa maioria da população da gestão da coisa pública. As questões básicas têm a ver com a impossibilidade da universalização da liberdade de expressão. E aí há o paradoxo: exatamente os grandes meios de comunicação, que impedem essa universalização, empunham a bandeira da liberdade de expressão.

Que mecanismos o novo marco regulatório precisa criar?

V.A.L. – É fundamental definir uma agência autônoma para a área de radiodifusão, que expresse a separação entre telecomunicações e radiodifusão. Isso existe nas principais democracias liberais do mundo. Outro ponto importante é a criação de conselhos estaduais de comunicação, como órgãos auxiliares do Poder Executivo. São fundamentais para o exercício da liberdade de expressão. Isso está previsto na Constituição em nível federal. Temos de regulamentar o Artigo 221 da Constituição, que trata da comunicação social. É preciso lutar para que as garantias do Artigo 5o também sejam incluídas. O direito de resposta é uma delas e está descoberto desde a derrubada da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal.

Se a Constituição proíbe os monopólios, como os grandes grupos de mídia constituem seu poder?

V.A.L. – Este é um dos temas mais graves: a concentração da propriedade, que passa pela questão da propriedade cruzada. Ela se forma quando um mesmo grupo num mesmo mercado é proprietário de jornal, detém concessões de rádio AM e FM e de televisão e, em seguida, passa a ter uma operadora de TV por assinatura e um portal de internet. Tanto os grupos nacionais como os regionais se formaram a partir da propriedade cruzada. No Brasil, nunca houve controle dessa prática. Uma nova regulação – a exemplo do que existe nos Estados Unidos e na Argentina – deveria prever normas que valessem com prazos para a desconstrução de monopólios já constituídos. O prazo dilatado da concessão provoca uma distorção no entendimento dos concessionários. Eles se julgam proprietários da concessão. A proprietária é a União.

A formação de redes nacionais de TV e rádio aumenta o poder dos grandes grupos?

V.A.L. – Segundo a legislação do setor, um grupo concessionário, que no limite pode ter cinco concessões na faixa VHF em todo o território nacional, exerce, pelo processo de filiação, um controle de fato sobre um conjunto enorme de emissoras. Só que a caracterização de rede não é bem definida pela legislação. Apesar do decreto 236 de 1967 apresentar uma provisão específica sobre o tema, a interpretação do órgão controlador, o Ministério das Comunicações, nunca considerou a filiação exercida pelos grandes grupos de mídia como sendo formação de rede, tanto na área de rádio quanto na de TV. Isso é um absurdo. No Brasil, a ausência de controle tem levado a formas de produção inéditas no mundo inteiro. Vamos pegar o exemplo de uma novela. Um grupo poderoso, mantém sob contrato os autores, os atores e os técnicos.

Os artistas que produzem as trilhas sonoras têm suas músicas nas novelas divulgadas pelo selo musical e pelos jornais e revistas do próprio grupo. É uma integração tanto vertical quanto horizontal completa. E isso sufoca a possibilidade de manifestação de outras vozes.

Como é a relação dos grupos de mídia com o poder político e econômico?

V.A.L. – Há um modelo tradicional de barganha política, consolidado na ditadura militar. Os coronéis eletrônicos exercem uma influência na formação da opinião pública de duas formas. A primeira é direta, porque controlam o acesso ao debate público. A segunda é indireta por impedirem eventuais concorrentes em uma disputa eleitoral de terem acesso a esse debate. Há um desvirtuamento do processo democrático, que favorece a esses grupos políticos em vez de facilitar a universalização da liberdade de expressão. Um dos pontos críticos na legislação brasileira, que favorece essa apropriação, é o artigo 54 da Constituição, que trata da presença de eleitos para cargos públicos em concessões de rádio e TV. Como o Congresso Nacional ratifica as concessões definidas pelo Executivo, existe a situação absurda de concessionários interferirem diretamente no processo de aprovação das licenças. Uma mesma pessoa é poder concedente e concessionário. Isso não pode existir.

Como o sistema político de rádio e TV opera nesse universo?

V.A.L. – A Constituição instituiu o princípio da complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal. Desde a década de 1930, quando o Estado priorizou a exploração pela iniciativa privada, as concessões têm sido dadas especialmente a grupos privados. Na Carta, há a intenção de se buscar um equilíbrio entre os setores. Até há poucos anos não existia a figura de uma empresa pública, o que acontece com a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). O fortalecimento do sistema público busca cumprir um preceito constitucional. Só que ele nunca foi regulamentado por completo. A EBC, com todos os problemas e os emperramentos, tem avançado. É um modelo em construção.

Notícia colhida no sítio http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20913

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