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Somos o mais importante partido de esquerda do mundo, afirmou Lula no final do ano 2000

Essa é uma das afirmações de Lula em meio à repercussão da significativa vitória do PT nas últimas eleições municipais. Há muitas outras, menos bombásticas, mas não menos importantes, na voz de um político que se projeta como o grande nome da oposiçãopara 2002. A entrevista foi concedida na sede do Instituto Cidadania, do qual Lula é conselheiro.

Entrevistadores: Verena Glass, Aziz Ab’Saber, José Arbex Jr., Carlos Azevedo, Wagner Nabuco, Márcio Carvalho, Fernando do Valle, Sérgio de Souza.

Sérgio de Souza – A gente gosta de mostrar a história do entrevistado desde o começo, não sei se te agrada, mas acho que a maioria dos leitores não conhece a sua história desde a infância…

Bom, eu nasci em Garanhuns, em 1945, dia 27 de outubro. Em 1952 minha mãe veio para São Paulo, meu pai já tinha vindo em 1945, ano em que eu nasci. Minha mãe veio sete anos depois e eu tenho sete irmãos, tinha doze, cinco morreram, e quando viemos para São Paulo fomos morar em Santos. Ficamos em Santos até 1956, então viemos para São Paulo e, por coincidência, vim morar neste bairro aqui, na Vila Carioca. Comecei a minha vida de trabalhador trabalhando de tintureiro, depois ajudante de escritório, em 1959 surgiu uma vaga para estudar no Senai e fui para a fábrica de parafusos Marte, para fazer o curso do Senai. Me formei torneiro-mecânico em 1963. Em 1969 fui convidado para fazer parte da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Na verdade, quem tinha sido convidado era o meu irmão, Frei Chico, que era militante sindical e não aceitou e pediu pro pessoal me convidar.

Sérgio de Souza – É verdade que você veio de pau-de-arara?

É, nós viemos de pau-de-arara. Aliás, a minha vida tem uma marca muito grande com o 13. A minha mãe vendeu as terras dela em Pernambuco por 13 contos de reis. Nós saímos de Pernambuco dia 13 de dezembro, demoramos 13 dias para chegar em São Paulo, quando fui preso a somatória do número do meu registro era 13 e criei um partido que é 13.

José Arbex Jr. – Quando o teu irmão te indicou para o sindicato, você já tinha preocupação política? O golpe de 64 quis dizer o que para você?

Não queria dizer nada. Na época, eu tinha dezoito anos e gostava mesmo era de jogar bola, de dançar quinta, sábado e domingo, de ir à missa das 6 no domingo pra ver se arrumava namorada e ler a Coluna do Guzman (cronista de futebol), porque, era corintiano fanático e lia o Diário da Noite. A minha iniciação política se deu em 1968, quando meu irmão me convidou para ir a uma assembléia do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Era uma discussão sem nenhuma importância, indicação de um delegado do sindicato para um congresso de previdência social e saiu um pau na assembléia! Cadeirada pra tudo quanto é lado! Porque o sindicato era dividido em dezenas de tendências. Tinha AP, Polop, eu não manjava nada, e o meu irmão era do partidão. E por conta daquela briga passei a gostar do sindicato (risos), comecei a freqüentar, lembro até hoje o número da minha matrícula – 25986, de setembro de 1968. Não era um momento fácil para você ir pro sindicato. Eu estava com o casamento marcado e a minha mulher não queria que eu fosse porque ela ouvia, na fábrica em que trabalhava, que quem fosse pro sindicato podia ser preso, era mandado embora e não arrumava mais emprego.

José Arbex Jr. – Por que você não foi pro PC onde teu irmão militava?

Primeiro, porque não tinha nenhum interesse em política partidária. Esse interesse só veio a partir de 1978…

José Arbex Jr. – Com as greves?

Não tanto por causa das greves. Por conta de uma lei que o governo queria aprovar, uma lei que criava as chamadas “categorias essenciais”, e fui a Brasília conversar com os deputados. E lá descobri que não tinha ninguém dos trabalhadores. Então, voltei com um nó na cabeça: como é que a gente quer que sejam feitas leis em benefício dos trabalhadores, se lá não tem trabalhador?

Verena Glass – Já tinha a central sindical?

Não, A CUT (Central Única dos Trabalhadores) nós criamos só em 1983. De 1969 a 1982 aconteceu um processo de aprendizado importante. E um dado também importante é que o sindicato do ABC já nasceu muito grande, era mais avançado que a média dos sindicatos brasileiros porque tinha uma elite na categoria: os trabalhadores da indústria automobilística, que naquele tempo certamente ganhavam mais do que os jornalistas ganham hoje. (risos) Os trabalhadores tinham um padrão de vida muito alto e a partir de 1968 começaram a perder. Um trabalhador da Ford, da Mercedes, da Volkswagen, da Scania, na época, era o bambambã, era o que tinha o primeiro carro, a melhor casa, o que, todo dia de feira, a mulher dele voltava com o carrinho cheio de fruta. Na época do Natal ganhava presentes, 13º, algumas montadoras davam 14º, ou seja, éramos um grupo de privilegiados no mundo do trabalhador brasileiro. A partir de 1968 começamos a perder, foram tirando as coisas! Tirando, tirando, foi começando o acirramento e combinou com o movimento da sociedade brasileira por democracia, o MDB já tinha tido aquela votação extraordinária em 1974, que elegeu dezesseis senadores, então a sociedade já estava num processo de movimentação muito grande pra mudar o regime militar. Em 1974 fizemos o primeiro congresso dos metalúrgicos. Hoje, falar para uma pessoa que fizemos um congresso em 1974, ela fala: bela porcaria fazer um congresso! Naquela época, se você fizesse, no dia seguinte ia pro DOPS para dar esclarecimento, às vezes três, quatro horas de depoimento!

José Arbex Jr. – Acho um pouco intrigante o fato de ter surgido no Brasil uma corrente de trabalhadores que não tenha se filiado nem ao PCB, quer dizer, havia uma certa tradição de organização operária junto às organizações mais antigas. De onde surgiu essa camada de trabalhadores que recusou se integrar às organizações tradicionais?

Primeiro, que nesse tempo todos esses partidos eram clandestinos. Você nem sabia quem era do PC, do PC do B. Vou dar um exemplo: o meu irmão Frei Chico, quando foi preso, a mulher dele não sabia, ninguém da minha família sabia, ele nunca me disse que era do PCB.

José Arbex Jr. – O PCB não era uma opção natural dos trabalhadores?

Não, porque o PCB estava na clandestinidade, a gente lia declarações do Prestes em Moscou. Tem um fato engraçado: nunca gostei de coisa clandestina. Quando participava de uma comissão metalúrgica lá em São Bernardo do Campo, às vezes me convidavam para uma reunião às 9 horas da noite, então eu ia para a casa do cara, normalmente tudo escuro, parecia que compravam uma lâmpada de 5 velas e eu não via conteúdo nenhum na conversa que não pudesse ser feito em um bar tomando cachaça, (risos) não conseguia entender essa clandestinidade alucinante.Tinha uma companheira nossa chamada Nanci, era da Volkswagen. Um belo dia, estamos redigindo um boletim para soltar na Volkswagen e o advogado nosso, o Maurício – todo cara que, como ele, fez seminário normalmente é bom escriba –, está fazendo boletim e essa menina, que até então a gente tinha como metalúrgica, começa a corrigir o Maurício. (risos) Fiquei de olho. Um dia, estou no bar do sindicato, ela entra e fala para a mulher do bar: “Dá uma pinga com limão”. (risos) Não era normal uma operária chegar num boteco e pedir uma pinga. Daí fomos descobrir que ela era estudante de jornalismo no Paraná e tinha vindo, naquela idéia de liderar os operários. Naquela época, a bronca que eu tinha do movimento estudantil era que eles partiam do pressuposto de que nós éramos um bando de babacas, eles eram um bando de inteligentes e tinham que ir para dentro da fábrica para poder nos liderar. Não aceitávamos isso.

José Arbex Jr. – Eu queria chegar nisso: como se juntaram os intelectuais como Marilena Chauí, Francisco Weffort com vocês?

Aí é outra história. Começamos a nos juntar nagreve de 1980. A diferença básica é que, quando resolvemos criar um partido político, começamos a perceber que era uma tarefa maior do que a de dirigir um sindicato. O meu discurso era para uma categoria, e uma coisa direta contra o patrão que estava ali; num partido político, você tinha que se abrir para outros setores da sociedade. Mas eu achava que os trabalhadores não precisavam de ninguém para dizer o que eles tinham que fazer, porque eles sabiam o que fazer. Era essa a nossa briga e graças a essa briga conseguimos fazer um dos movimentos mais importantes deste país. Então, o discurso político não pode ser o mesmo, até para falar com um bancário não posso fazer o mesmo discurso que fazia para um metalúrgico na porta de fábrica. Mais grave ainda, quando eu saía da porta da Volkswagen e ia para a porta de uma fábrica no interior, o discurso não podia ser o mesmo, o nosso era muito radical, a gente já estava reivindicando mais meio frango na alimentação, o pessoal ainda estava reivindicando o primeiro restaurante para esquentar marmita, o desnível era tão grande que você tinha que medir o discurso. Essa é a razão pela qual não fui para o PCB. Uma coisa muito forte na minha cabeça é que a diferença fundamental nossa para o PCB era a seguinte: o PCB tinha como coisa importante pegar quadros politicamente preparados na universidade e colocar dentro da fábrica. A nossa idéia era tirar o trabalhador da fábrica e fazer com que ele fosse o agente político. Essa era uma diferença crucial e foi muito difícil porque eu não sabia quem era do partidão, quem era do MR-8, quem era do PC do B, então íamos para uma reunião de sindicalistas – eu era a figura mais importante do movimento sindical naquela época e, quando descobri que era preciso fundar um partido, que a gente não podia continuar votando no menos ruim, nas reuniões eu dizia: “Vamos criar um partido?” Aí levantava um: “Não, não vamos criar porque isso e isso”. O outro: “Não, não…”. E eu achava que eles não queriam criar mesmo. Um ano e meio depois fui descobrir que eles não queriam criar porque achavam que o deles já era o partido dos trabalhadores. Aí, graças ao Olívio Dutra, ao Jacó Bittar, ao Henos Amorina, ao Wagner Benevides, a uma meia dúzia de abnegados, a gente resolveu deslanchar o processo.

Verena Glass – O MST se baseia em grandes pensadores, Marx, Engels, Mao, o que seja, e depois tira o melhor e tenta adaptar ao Movimento. Vocês se baseavam em algumas teorias de grandes pensadores ou só era aquilo mesmo das necessidades básicas?

Era uma coisa mais instintiva, queríamos criar um partido político porque estávamos cansados de reivindicar. O meu grande problema com os companheiros que são hoje todos do PT, quando a gente ia convidar… Companheiros como o Geraldinho, o Genoíno, o Aitan, perguntavam o seguinte: “O PT é tático ou estratégico?” Eu dizia: “Pô, não quero discutir isso, só quero criar um partido, não me ponham minhoca na cabeça”. Demorou cinco anos para a gente resolver. A base nossa era juntar todos os trabalhadores, criar uma organização política e disputar o poder. Nós e meia dúzia de pessoas andamos este país inteiro, cansei de ir daqui para o Acre fazer reunião com dez pessoas, cansei de ir para o Mato Grosso fazer comício com cinco pessoas, e fazia com o maior orgulho, gritava como tivesse 1 milhão de pessoas na rua.

José Arbex Jr. – Eu estava na Vila Euclides, em 1980, 81, não me lembro, quando o 2º Exército proibiu uma marcha que haveria da Vila Euclides para a Matriz.

Primeiro de maio de 1980.

José Arbex Jr. – Lembro que na noite anterior tinha acabado o estoque de arma branca em São Bernardo, os trabalhadores compraram o estoque de armas brancas. O 2º Exército chegou a apontar os fuzis contra a manifestação, e eu vi mães espontaneamente ir conversar com os soldados e os soldados começarem a baixar os fuzis, e eu soube que a própria Polícia do Exército foi mobilizada e se recusou a cumprir a ordem de disparar contra a multidão. A impressão que eu tive é que, se houvesse um tiro ali, ia estourar uma guerra civil no país. Você compartilha dessa avaliação, chegou a acreditar que o processo que levou à formação do PT poderia desembocar em uma luta de grandes proporções desse tipo?

Eu estava preso nesse 1º de maio, fui preso dia 17 de abril, soube pelos companheiros da diretoria que estavam lá, pelos jornais e pelo rádio. O que eu sei é que durante muitos momentos, entre 78 e 80, não aconteceram coisas maiores no ABC porque a gente da diretoria não deixava acontecer, por exemplo, numa greve que a gente perdia, trabalhadores queriam pegar a linha de produção de robôs da Volkswagen e fazer alguma coisa para ela não funcionar mais. Uma vez tive que segurar um trabalhador entrando com umas bombas dentro da calça, a gente tinha que pegar o cara, convencer que aquela não era a luta correta naquele momento. Outra vez, o pessoal queria tocar fogo na Brastemp, e a gente tinha que convencer as pessoas politicamente que não era necessário fazer aquilo. Eu digo para você que, se alguém dá um tiro naquele 1º de maio, teria uma carnificina em São Bernardo, não sei se estouraria uma guerra civil, mas tinha muito trabalhador preparado, muitos trabalhadores que a gente passava semanas tentando mostrar para eles que esse caminho é o fim do que a gente está pensando em fazer, nós não temos como resistir se começar uma coisa dessas. Mas por que o Exército desistiu de atacar? Eles chegaram primeiro, tinha um grupo de pessoas, eles cercaram aquelas pessoas, só que depois foi chegando muita gente, muita gente e, de repente, você tinha 100.000 pessoas, e em 100.000 pessoas tem gente com disposição para tudo, é só começar. Acho que mais por medo do que por prudência eles resolveram bater em retirada. Um dado importante da greve de 80 é o seguinte: foi a greve em que não ganhamos absolutamente nada, perdemos economicamente o que não tínhamos, entretanto foi a greve em que mais ganhamos politicamente.

Carlos Azevedo – Por que?

Porque saímos com o bolso vazio, mas com a cabeça cheia. Ali, a gente estava convencido de que a organização política era necessária. Foi a greve mais importante da minha vida, o salto de qualidade, até porque dimensionou a força do trabalhador.

José Arbex Jr. – Para fazer uma analogia com o MST: quando ele ocupa prédios públicos ou ameaça ocupar a fazenda do nosso amado presidente, tenho a sensação de que muitas vezes ocorrem situações potencialmente explosivas como aquelas da greve de 80 com relação ao PT. Você acha que o MST pode ser um fator de precipitação de enfrentamento com a conjuntura política?

Não sei se a partir do MST você pode ter uma coisa maior. O enfrentamento que o MST tem hoje com o latifundiário é até mais grave do que o que a gente tinha com os empresários, porque ele é menos civilizado que o empresário da cidade, que muitas vezes o dono nem está aqui no Brasil, está no exterior. Por pior que fosse, você pegava um diretor de produção da Volkswagen, ele já tinha sido sindicalizado na Alemanha, era outro nível. O latifundiário, não! Ele contrata um capataz, um bandoleiro qualquer, e para o cara puxar um gatilho não precisa muito. Tenho a compreensão de que o Movimento Sem Terra é hoje o movimento mais sério que nós temos, acho que nem sempre acerta na política, e acho que a luta é mais do que nobre. Porque a reforma agrária é uma coisa tão antiga, que o que é descabido não é ver o sem-terra brigar por reforma agrária, é ver o governo, no final do século, agir como se estivesse no começo do século, como senhores de engenho, com a mesma postura. Os sem-terra nunca invadiram a fazenda do presidente, eles apenas acamparam na porta da fazenda como se estivessem fazendo um piquete. Quem ocupou a fazenda do presidente foi o Exército, a mando dele. O Fernando Henrique Cardoso poderia contratar um capataz, não precisava o Exército para tomar conta da fazenda dele. Os sem-terra queriam chamar a atenção para um problema sério, que era a falta de financiamento, a falta de recursos que o governo tinha prometido, e qual é o mal nisso? O Fernando Henrique Cardoso agiu como se fosse o maior troglodita, sem compreensão do problema social. Porque, veja, a lei garante a reforma agrária, a terra existe, a única coisa é o poder de uma oligarquia atrasada, que não entende que é para o bem desse país, que é uma questão de justiça social, e virou uma questão de honra derrotar os sem-terra politicamente, quando o problema não são só os sem-terra! São outros milhões que não estão organizados no Movimento e que precisam da reforma agrária! Uma coisa bem organizada, com terra, com assistência técnica, financiamento, seguro agrícola, organização dos trabalhadores em cooperativas, em agroindústrias familiares, os sem-terra mesmo têm tantos exemplos extraordinários de assentamentos que estão produzindo, que deram certo! Existem outros assentamentos, que são da Contag, que têm dado certo! É só o governo quantificar isso em nível nacional e falar: “Ó, vamos fazer reforma agrária!” Em Santa Catarina, por exemplo, você percebe que as regiões mais desenvolvidas são aquelas onde predomina a pequena propriedade. Não se justifica num país, por maior que seja, ter alguém com 30.000 alqueires de terra! Dois milhões de hectares de terra!!! Isso não tem justificativa em lugar nenhum do mundo! Só no Brasil. Porque temos um presidente covarde, que fica na dependência de contemplar uma bancada ruralista a troco de alguns votos.

Márcio Carvalho – Você acha que é só a falta de vontade política?

Eu acho! Veja, não se pode alegar que é problema de dinheiro. Porque um governo que tem a insensatez de gastar 5 bilhões e 800 milhões de reais para sanear o Banestado, no Paraná, para vendê-lo por 1 bilhão e 650 milhões, sabendo que os 300 por cento que eles pagaram de ágio vão ser descontados no imposto de renda, e que o banco tem para receber de títulos 1 bilhão e 750 milhões de crédito, então isso significa que o Itaú ganhou de graça esse banco! Um governo que libera só pra uma Volkswagen, do dinheiro do BNDES, do dinheiro do FAT, 800 milhões pra ela fazer uma reestruturação produtiva, não pode alegar que não tem dinheiro! Só pode ser duas coisas. Primeiro: o Fernando Henrique Cardoso não acredita na agricultura como um dos pilares do desenvolvimento do Brasil. A cabeça da equipe econômica não acredita numa coisa chamada pequena propriedade. A cabeça do Malan funciona assim: o Brasil tem que ter um modelo agrícola de grandes extensões de terra, produção em escala e totalmente mecanizada. Essa é a cabeça dele! Esse negócio de pequena propriedade é pra comunista! É exatamente isso que eles pensam! Essa é uma possibilidade. A outra é a falta de determinação política: “Eu vou fazer!” Eles preferem viver de mentiras. O Fernando Henrique Cardoso confunde a regularização de título de terra com assentamento. Ele pega a pessoa que está há cinqüenta anos na terra, dá o título e fala: “Estou assentando”. Não está assentando, não! Está apenas reconhecendo. Assentar é pegar quem está fora e colocar dentro para trabalhar! E por uma razão simples, gente. Tenho dito isso em todos os debates: a grande coisa que o Movimento Sem Terra faz hoje, no Brasil, não é a luta pela reforma agrária, porque ela existe antes, durante e vai existir depois. O grande feito do Movimento Sem Terra é recuperar o sentido da cidadania de pessoas que estavam a 1 milímetro de virar párias da sociedade. O governo deveria falar: “Puxa vida, se eles têm capacidade de fazer isso, vou incentivar pra gente poder resolver umdos graves problemas deste país, que é nego dormindo embaixo de ponte, nego repartindo o metro quadrado com rato, nego morrendo de fome”.

José Arbex Jr. – De certa forma, o MST está conseguindo dar visibilidade e voz a um setor da sociedade que o PT nunca atingiu. O PT atingiu os trabalhadores assalariados, que têm carteira de trabalho, têm endereço, em geral almoçam e jantam todo dia etc. O MST, não. Ele está atingindo uma parcela da sociedade que muitas vezes não tem moradia, não tem nem o que comer. Você não acha que isso é que está assustando as elites, o fato de que, pela primeira vez na história do Brasil, pessoas que nunca tiveram voz nem visibilidade estão tendo agora através do MST?

Veja, eu acho que muita coisa assusta a elite brasileira. Não é só o Movimento Sem Terra, você tem o Movimento Sem Teto aqui em São Paulo…

José Arbex Jr. – Que é inspirado no Sem Terra.

As ocupações de casas foram muito mais fortes na década de 70. Conjuntos inteiros do BNH foram invadidos pelo país afora, e as pessoas conseguiram, com muita resistência, ter casa própria! Você vai em Santo André, São Bernardo, você vai na Bahia, vai encontrar conjuntos de milhares de casas que foram invadidas e ocupadas por trabalhadores. Já tivemos na década de 70 o movimento de saúde nas grandes cidades, era uma coisa muito séria…

“O grande feito do Movimento Sem Terra é recuperar o sentido da cidadania de pessoas que estavam a 1 milímetro de virar párias da sociedade”.

Wagner Nabuco – A luta contra a carestia…

Também. A história do Brasil é cheia de movimentos dessa grandeza. E esse é um desafio do PT. Tenho dito nos debates do PT que a base originária do partido está diminuta, hoje. Por quê? Porque o PT nasceu da chamada sociedade organizada, das diferentes categorias de funcionalismo público, trabalhadores metalúrgicos, gráficos, químicos, dessa gente que, na medida em que tem uma crise econômica, está hoje menor – o mercado de trabalho está menor do que já foi, muita gente que era metalúrgico hoje é lúmpen, já teve carteira profissional assinada e está dormindo embaixo de ponte ou trabalhando de camelô. Isso significa que o PT tem dois desafios importantes para o próximo período: um é manter uma política de convencimento dos setores médios da sociedade de que eles têm que ser aliados dessa gente que ainda não conquistou a cidadania neste país. E o outro é tentar mostrar pra essa gente que está a 1 milímetro de cair na mendicância que nós poderemos ser um instrumento político para mudar. É importante lembrar que é essa parte da sociedade a mais vulnerável ao populismo, à política do “é dando que se recebe”, da compra de votos em época de eleição, porque muitas vezes não é só o discurso. Muitas vezes, você faz o discurso ideológico e vira as costas, o outro chega com uma cesta básica e a necessidade é de tal ordem que a pessoa, mesmo tendo orgulho, tendo consciência, sabe que precisa comer, dar comida pro filho. O nosso discurso, o discurso dos sem-terra, o discurso da CUT atingem uma parte minoritária. A grande massa de deserdados não está organizada nos sem-terra, no PT nem na CUT. Ela estava muito mais ligada com setores da Igreja quando tinha a Igreja progressista mais atuante. Na medida em que o papa tratou de fazer um trabalho de reduzir a potência da chamada Igreja progressista no Brasil, esse setor ficou mais vulnerável. Esse é o desafio, e não é de hoje a minha preocupação. Antes de Paulo Freire morrer, eu tinha feito uma reunião com ele pra gente juntar um grupo de educadores e começar a pensar uma nova metodologia de discurso, para ver se conseguíamos trazer essa gente. O Aziz, que viajou comigo nas caravanas, viu em tantos lugares deste país gente faminta com a mesma vontade de brigar que um metalúrgico com vinte greves nas costas, ou como um sem-terra na beira do acampamento. Tem uma grandeza de organização que ainda não foi juntada. Porque também não é fácil você dar o salto da luta específica para a política. Muitagente pensa que é automático, eu invado uma terra hoje, já estou politizado pra votar. Não. É um processo entre a luta específica e o passo político. A pessoa que faz uma greve ou ocupa uma terra não está necessariamente, com clareza política, às vezes vota no prefeito do PFL. E a gente não deve incriminar, deve saber que o politizou para aquela ação específica, mas não para outras coisas. Tenho uma tese comigo que, se estiver errada, alguém vai escrever que está errada. Muita gente do PT fala: precisamos ganhar setores médios. Eu acho que nos setores médios até estamos de razoáveis pra bons, porque os setores médios já estão mais ou menos definidos ideologicamente, são do nosso lado, ou do PC do B, do PSB, do PV, do PSTU, ou do PSDB. Agora, essa outra parte não está. Por isso a direita ganha nos grotões, exatamente onde predomina a maioria. Tenho uma vontade maluca de um dia ir numa cidade chamada Teotônio Vilela, em Alagoas – o Collor teve 90 por cento dos votos lá! Quero saber o que justifica um povo daqueles votar no Collor! Então, o desafio nosso é esse. Daqui pra frente vamos ter que trabalhar com muito carinho, tentar fazer com que essa gente deixe de ser marionete na mão de um Maluf. Não é possível o Maluf fazer campanha dizendo que é o candidato dos pobres da Zona Leste!

Wagner Nabuco – Em 1978, para eleição de senador, havia três candidatos: Montoro e Fernando Henrique pelo PMDB e o Lembo pela Arena. Você fez a campanha do Fernando Henrique. Eu votei nele e fiz campanha também. Ele enganava já naquele período, ou mudou, gostou do poder?

Esse é o tipo de coisa de que não tenho arrependimento. Porque a gente tem que analisar a história política pelo momento em que a história se deu. Votar num Quércia, em 1974, era votar num cara que se opunha ao Carvalho Pinto, que era o representante do regime militar. Nestes dias fui a Belém do Pará e disse para os companheiros de Belém: “Votar no Jáder Barbalho em 1980era a única opção que a esquerda tinha contra o Jarbas Passarinho”. Então, não tenho nenhum arrependimento de ter votado em Fernando Henrique Cardoso em 1978. Continuo com o mesmo pensamento, ele é que mudou. E quando é que ele mudou? Quando percebeu que era possível chegar ao Senado. Ele esteve para vir para o PT, mas depois percebeu que poderia ir para o Senado porque o Montoro ia ser eleito governador (FHC erasuplente de Montoro) e pensou: “Bom, entre fazer essa opção e ficar, vou ficar”. Ficou do lado de lá e só vem piorando. Na minha opinião, tem o dedo do Fernando Henrique Cardoso na votação das Diretas, ele era contra aprovar as eleições diretas naquele momento porque o candidato para presidente da República era o Ulysses Guimarães e não o Tancredo Neves. Eles começaram a inventar que o Ulysses não seria digerido pelo regime militar. Que era preciso alguém que tivesse maior condescendência, que tivesse maior capacidade de articulação, de perdão! E articularam o fim das Diretas, mudaram o Diretas Já! para Mudanças Já!

Fernando do Valle – “Eles” quem?

Fernando Henrique Cardoso, Fernando Lyra, uma turma que mudou. Para pior, lamento profundamente. Eu achava o Montoro muito populista, e quis apostar numcara novo – Fernando Henrique Cardoso chegou com uma imagem de intelectual progressista, eu falava: “Vamos apostar em alguém novo”. E não deu certo, paciência.

Fernando do Valle – E hoje você conversa com ele?

Não. Não tem conversa com ele. O Fernando Henrique Cardoso, dia 6 de dezembro de 1998, telefonou cinco vezes pra minha casa, querendo conversar comigo. Depois das eleições. Eu fui falar com o Fernando Henrique Cardoso achando que ele tinha alguma coisa séria pra conversar comigo, porque não é normal, em nenhum lugar do mundo, o presidente da República ligar cinco vezes querendo conversar com quem tinha acabado de sair de uma eleição disputando com ele. Fui conversar, até sem pedir licença pra direção do partido, por quê? Porque eu estava em Brasília, toca o telefone, é o Fernando Henrique Cardoso: “Preciso conversar com você hoje”. Falei: “Presidente, não posso, que estou numa reunião da bancada”. Ele falou: “Se você não puder vir hoje, amanhã de manhã, eu mando o carro buscar, você vem tomar café comigo. Preciso conversar com você!” Pensei: alguma coisa grave está acontecendo neste país! Telefonei para o companheiro Cristóvam Buarque, ele foi junto comigo, chego lá percebo que ele não queria conversar. A impressão foi que o Fernando Henrique Cardoso me chamou para conversar porque pensava que eu sabia mais sobre o dossiê das Ilhas Caymã do que eu sabia.

Sérgio de Souza – Ele chegou a tocar nisso?

Chegou. Saí com a impressão disso.

Sérgio de Souza – Como ele perguntou?

Primeiro, ele me agradeceu. Porque, veja, nós não podíamos ter feito aquela denúncia, já fui vítima de denúncia e nunca vou jogar fora uma coisa que trago do berço, ou seja, aquilo que não quero que façam comigo não faço com os outros. Era um dossiê que tinha me chegado primeiro, a história vocês já conhecem, a idéia chegou pelo Caio Fábio, primeiro a idéia de vender. Nós não compramos informações, não faz parte da formação do PT. Pedimos pro Brizola dar uma estudada com o Nilo Batista. Eles já tinham dado a impressão de que não era bom, aí estou fazendo um comício em Brasília e recebo um telefonema do Gushiken: “O Lafaiete Coutinho precisa conversar com você, a pedido do Maluf”. Faltavam três dias para as eleições! “E é muito urgente!” Eu falei: “Gushiken, você vai estar junto?” “Vou.” “Então manda me esperar no hangar da TAM,” Aí cheguei lá: “Olha, tem uma denúncia muito séria contra o Fernando Henrique Cardoso, envolve 360 milhões de dólares no exterior, numa conta do Mário Covas, do José Serra, do Fernando Henrique Cardoso e do Sérgio Mota, e é muito sério”. Falei: “E os documentos?” “Os documentos só posso dar se vocês se comprometerem a denunciar.” Falei: “Mas, escuta aqui, por que nós, do PT, e não vocês mesmos denunciarem?” E ele: “Se a denúncia for feita pelo Paulo, ninguém acredita, então tem que ser feita por alguém que tenha credibilidade”. Obviamente que, se você tem uma denúncia desse porte, eu não vacilaria em denunciar, mas também jamais denunciaria um dia antes das eleições. E espero morrer sem ter prestado um favor ao Maluf! Veja, o Mário Covas é uma pessoa com quem eu tenho uma boa relação. É um homem que aprendi a respeitar na Constituinte, e antes dela, um homem que teve uma vivência na luta democrática muito forte. E eu não ia fazer isso. De qualquer forma, eu disse: “Vamos estudar, vamos entregar isso na mão de um advogado insuspeito, vamos entregar nas mãos do Márcio Tomás Bastos”. O Márcio Tomás Bastos leu e falou: “Tem indício, mas não tem prova. Fazer uma denúncia dessas é grave se você não tem dados para provar”. Logo em seguida recebo um telefonema da Marta, – que tinha sido procurada pelas duas filhas do Maluf, – com a mesma preocupação. Aí não fizemos a denúncia, o Márcio Tomás Bastos e a Marta resolveram contar pro Serra, e aí passaram as eleições, o Fernando Henrique Cardoso me chamou, fui lá, e achei que era um pouco isso que ele estava querendo saber. Comecei a discutir com ele a questão da reforma agrária, a da Previdência Social, a do acordo com o FMI, e ele começava a dizer que eu estava enganado, que ele estava certo, e eu falei: “Fernando, então não vamos mais conversar sobre política, vamos conversar sobre futebol, que é melhor”. Aí acabou a conversa.

Aziz Ab’Saber – Lula, só para você descansar um pouquinho, eu queria fazer um rol de registros sobre os retrocessos que esse país tem no momento extremamente importante da história que é o fim do ano 2000 e o fim do século etc. Um retrocesso tão grande por causa da direita e por ela não poder compreender como é que o Partido dos Trabalhadores ascendeu, ela não entende, ela tem medo, então o Partido dos Trabalhadores passou a ter uma responsabilidade muito maior hoje do que em quase todos estes últimos vinte anos. O que fazer para realmente acertar, numa atmosfera de pressão da direita e da centro-direita contra o Partido dos Trabalhadores e contra um líder popular que conseguiu fazer uma coisa que os outros não fizeram – nas Caravanas da Cidadania você visitou o Brasil e ouviu as pessoas, está muito mais preparado em termos de conhecimento de Brasil do que todos eles, incluindo o Fernando Henrique Cardoso, que talvez conheça mais alguns países do exterior do que o Brasil como um todo, um país que tem subdesenvolvimentos, as pessoas perdidas na beira do igarapé, no meio dos rústicos sertões marginalizados, e gente sendo gerada à vontade, que depois que cresce quer uma solução, e a solução está escrita naqueles lugarzinhos que nós passávamos, na porta dos bares: “A solução é São Paulo”. Para vender passagens e mandar o pessoal para cá de qualquer jeito. Um país que pede da universidade que ela faça um esforço muito grande em recuperar o conhecimento acumulado dentro do melhor nível, que produza conhecimentos novos, que descubra as aplicabilidades desse conhecimento, e isso precisa ser dito para todas as lideranças sindicais, não adianta o conhecimento compartimentado e fechado, é preciso descobrir as aplicabilidades e, dentro delas, aquela que é a prioritária para poder fazer projetos, que interessam mais diretamente à sociedade, para a soberania do país, para evitar as pressões internacionais fantásticas que o Brasil está sofrendo. A população está em processo de desespero. Comecei uma série de atividades em umaperiferias aí, tentando saber coisas do homem da periferia, excluído de tudo. O que o PT pode fazer por ele? Eu queria uma opinião sua sobre a renda mínima para aqueles que estão desesperados, que têm cultura popular, sabem discutir as suas coisas e não têm força nenhuma para encontrar um espaço. Sou um privilegiado, um trabalhador nato, porém trabalhei quarenta anos na universidade e continuo dando meu trabalho graciosamente pra universidade, mas vivo muito próximo de uma periferia carente. Pra mim, é desesperante entrar na padaria, vou comprar um certo número de pãezinhos, chega um menininho e diz: “Por favor, dois pãezinhos!” Não preciso dar outro exemplo, dois pãezinhos são 20 centavos. Em um momento em que o dólar custa 2 reais, então fico pensando assim: “Temos que dar uma volta por cima na maneira de interpretar essas desigualdades quenão são quaisquer, não, são imensas, são fantásticas. Então, a minha preocupação é, em primeiro lugar, reconhecer o retrocesso.

O retrocesso é visível em todas as áreas. A universidade brasileira já foi melhor do que hoje, já formamos intelectuais mais comprometidos ideologicamente, pessoas que tinham preocupação em estudar o Brasil, em estudar os problemas sociais, em dar parte de seu conhecimento para ajudar a salvar este país. Hoje, as universidades estão mais preocupadas em formar o profissional para prestar serviços para alguma empresa. Fico com pena quando vejo um jovem chegar à universidade pensando apenas em resolver o problema dele. Isso tem uma razão de ser: como é que pode um país do tamanho do nosso, o mais importante da América do Sul, ser o último a ter uma universidade? Porque temos ao longo da história uma elite perversa, eu falo sempre da revolução de 1817, a Revolução Pernambucana – Pernambuco conquistou sua independência quatro anos antes da Independência do Brasil e, nessa revolução, a preocupação da elite – os donos de engenho que lutavam contra a Coroa portuguesa – era não permitir que índios e negros participassem, porque depois iriam querer participar também do poder. Esse é o retrato da elite que ainda hoje governa o Brasil. No Nordeste, quem governa hoje descende daquela mesma gente. Mudou pouquíssima coisa. Fui a Belém fazer uma visita à favela próxima da universidade federal e o que mais me deixou horrorizado é que a universidade não tinha nada a ver com aquela favela. Era como se fosse num outro país, num outro mundo. Então, ou mudamos isso ou este país vai continuar sendo atrasado, que foi o último país a garantir o voto da mulher, o último a conquistar a independência, o último a abolir a escravidão, ou seja, estamos sempre atrás. Quando lembro que a Venezuela proclamou a independência quase oitenta anos antes do Brasil, dá pra imaginar o tipo de gente que mandava neste país. Então, a começar pela universidade, a regressão a gente vê pela escola pública.

Aziz Ab’Saber – O que eu sinto na mocidade universitária, independentemente se ela tenha origem A, B, C, classe média ou não, é exatamente o oposto daquiloque estamos criticando, porque a mocidade reage extraordinariamente a favor do social. Sou obrigado a dizer isso porque senão estou criticando minha universidade sem falar do lado extremamente bom que eu sinto nos moços, e isso é uma grande condição de melhoria da situação. Critico a universidade por causa do especialista, por causa do…

Mas eu critico a universidade.

Aziz Ab’Saber – Pode criticar, mas tem que reconhecer esse dado.

A minha primeira briga com a universidade foi na greve da Scania. Descobri que tinha um monte de engenheiros fazendo estágio que se colocavam contra a greve. Fui lá fazer um discurso, dizendo que não era possível o Estado financiar as pessoas para estudar e depois elas se colocarem contra os trabalhadores, que em última instância era quem financiava os estudos deles. Obviamente que você não pode generalizar, porque tem gente boa. Mas as escolas públicas, quarenta anos atrás, eram motivo de briga para as pessoas freqüentarem. Hoje, se as pessoas quiserem estudar mais ou menos, vão ter que ir para uma particular, pagar 700, 800 reais por mês. Houve uma regressão ética no país. Essa coisa está degenerada, a juventude não tem muito no que se espelhar, quando vê a sua classe política na televisão, quando vê o presidente comprando voto, quando vê um Hildebrando, um Luiz Estêvão, um Maluf, um Pitta. E aí a imprensa joga um papel equivocado quando fala mal do Congresso como um todo. Me lembro que ficava muito zangado quando era constituinte e ia de segunda a domingo trabalhar e a imprensa falava dos faltosos, dizia: “O Congresso está vazio”. Mas não dizia que a gente estava lá, então isso vai criando uma animosidade generalizada, o que é ruim, inclusive, para politizar a sociedade. Eu sobrevoei São Paulo duas horas de helicóptero. Confesso a vocês o seguinte…

“Uma das vontades que eu tinha de ganhar as eleições era para colocar em um ônibus-leito todo o ministério e falar: “Vão andar quinze dias por este país! Vamos botar o pé na estrada e ver como vive essa gente, quais as necessidades dessa gente.

Carlos Azevedo – Quando foi isso?

No começo do ano, logo quando o PT escolheu a Marta para ser candidata. Confesso que, quando vejo essa gente com essa incompetência para governar, por Deus do céu que não troco meu conhecimento pelo deles. Obviamente que levo a desvantagem de não ter um diploma universitário e isso em um país colonizado como o nosso pesa. Mas as pessoas que governaram São Paulo e permitiram a ocupação desordenada da cidade, quando vejo a Marginal Pinheiros e a Marginal Tietê, penso: “Como é que essas pessoas foram construir as marginais dentro dos rios?” Já se sabia que ali dava enchentes, pega área de manancial, então… Sobrevoamos a área de manancial ali na represa e está toda ocupada. E a culpa não é daquele pobre que ocupou. Porque não tem espaço pra ele, e ele vai sendo empurrado ou para a beira da represa ou para a beira dos rios ou dos córregos ou para as encostas dos morros. Vai sendo jogado e o poder público, que deveria se antecipar e tomar providências, não toma. Até nesse aspecto acho que tivemos uma regressão de cabeça de gente pública, que pensasse um Brasil para vinte, trinta, quarenta anos. Nós, do PT, temos um desafio, não podemos daqui pra frente nos contentar com orçamento participativo, com médico de família. Estamos desafiados a fazer mais e, se a gente não começar a discutir quais as novas coisas que temos que fazer, podemos ficar superados.

Sérgio de Souza – Mas você acha possível fazer sem os meios de comunicação?

Acho que os meios de comunicação jogam um papel importante, mas confesso que, na minha vida, prefiro fazer mesmo sem eles do que ficar chorando a ausência deles. Nunca tive o apoio deles pra nada. Se você fizer uma análise destes últimos vinte anos, acho que não tem gente mais massacrada na imprensa do que eu. Entretanto, continuo vivo e com a mesma vontade que tinha antes. Às vezes fico vendo o jornal Estado de S. Paulo, o jornal Folha de S. Paulo, jornal O Globo, eles pensam que são jornais nacionais, aí você anda 200 quilômetros e ninguém nunca ouviu falar. As pessoas vivem outra realidade. Temos que acreditar cegamente que a participação da sociedade é a única possibilidade de mudar as coisas. As caravanas, para mim, foram a universidade que não tive. Não acredito que alguém governe um país deste tamanho sem conhecer esse país. Tem lugares em que se está vivendo a terceira revolução industrial e tem lugares em que não chegou a primeira ainda. Em São Paulo tem o cara que vai no Banespa, pega 50 milhões de reais e não paga. Fui no Acre agora entregar cheque de Banco do Povo, o homem pegou 1.200 reais. Eu perguntei: “Mas, companheiro, o que você vai fazer com 1.200 reais pra ficar quatro meses no meio do mato?” Ele falou: “Vou comprar um burrico para não carregar mais as cargas nas costas, vou comprar charque, farinha, querosene, semente de arroz, feijão e muda de mandioca pra plantar e, com isso, tiro por durante quatro ou cinco meses pra trabalhar!” Quer dizer, se você chegar na avenida Paulista e falar que alguém pegou 1.200 reais emprestados e estava satisfeito, ninguém acredita. Fui no Ceará agora, lá tem um cartão de crédito de 20 reais. Vai na Paulista dizer que alguém tem um cartão de crédito de 20 reais. Vão falar: “Isso é piada”. É piada pra nós. Agora, para um cara que chega na segunda-feira e não tem o que dar de comer para os filhos e pega um cartãozinho com que ele pode comprar 5 quilos de farinha, 2 quilos de feijão… Pô, aquilo é um manjar dos deuses durante quatro ou cinco dias. É essa heterogeneidade que precisa ser compreendida pelos governantes. Se o Fernando Henrique Cardoso – não sou contra o presidente viajar, ele pode ir para a China, para a Líbia, para onde quiser – pegasse um barco e fizesse uma viagem como aquela que fizemos para a Amazônia, descesse em cada lugarejo e visse como vive aquele povo, ele iria perceber que com pouco dinheiro a gente geraria muito mais emprego, mais desenvolvimento para a realidade das pessoas ali. Você não pode governar o Brasil imaginando que todo mundo está vivendo na avenida Paulista.

Sérgio de Souza – Você acha que o PSDB vai conseguir um dia ter cheiro de povo?

Não acredito. Uma das vontades que eu tinha de ganhar as eleições neste país era para colocar em um ônibus-leito todo o ministério e falar: “Vão andar quinze dias por este país! Vamos botar o pé na estrada e ver como vive essa gente, quais as necessidades dessa gente”. Não adianta falar que tem computador na escola, tem criança que vai na escola e não consegue aprender porque não comeu o suficiente naquele dia. Acho que Deus me deu uma virtude, não é virtude ser pobre, não, mas eu digo: trabalhava sábado o dia inteiro engraxando sapato porque o meu desejo era comer um pão com mortadela no final da tarde; então, quando comprava meia bengala com mortadela e uma tubaína, naquilo estava realizando meu sonho. Falo para as pessoas que levantava de manhã em Pernambuco, e ficava acocorado perto do fogão de lenha, e a minha mãe pegava uma cuia, colocava farinha de mandioca pura e café preto, fazia um mingau e era aquilo que a gente comia. E saber que ainda hoje tem milhões de brasileiros que vivem nessa situação. Então, a regressão neste país é total e não terásolução enquanto for governado por gente que conhece o Brasil de cima, que conhece o Brasil teórico e não tem nenhuma vivência.

Wagner Nabuco – O Brasil nunca foi uma república realmente federativa. As questões centrais sempre foram decididas no poder central. Então, por exemplo, você presidente da República tem que definir se os juros vão ser de 16,5 por cento ao ano ou se baixa para 14 por cento. Essa decisão é fundamental para o crédito, para as pessoas comprarem mais, para se desenvolverem, mas não interessa àqueles que compram títulos do governo e que são os grandes aplicadores e especuladores do Brasil, que compram os CDBs do governo e ganham os 18 por cento, a taxa básica. Esta não é uma questão dura?

Não acho que é duro resolver, porque o mesmo governo que tem o poder de elevar os juros de 19 para 49 e meio por cento tem o poder de baixar. O Fernando Henrique aumenta os juros, mas, na hora em que é para baixar, ele diz: “O mercado é que vai decidir”. Eu acho é que é uma decisão política. Obviamente, não é uma decisão política fácil, porque, se você toma posse hoje na presidência da República e está com os juros a 29, está com a economia comprometida com a política de juros, está com a dependência do capital externo, você precisa saber quais as medidas que vai tomar e em que espaço de tempo, para fazer as coisas sem ir à bancarrota. Por isso é que em 1998, um ano antes, a gente avisava que era preciso desvalorizar o real, que era preciso ir mudando a política cambial, para que o Brasil pudesse ter a sua moeda no valor correto, e não ficar naquela mentira de pagar juros exorbitantes para o capital externo vir para cá e, com isso, sustentar a estabilidade monetária que o governo criou. Acho que temos que ter uma meta e a meta de um país como o Brasil é acreditar que o que vai tornar este país grande é a sua capacidade de investimento no setor produtivo, o que vale para a agricultura e vale para a cidade. É por isso que na Constituinte aprovamos o juro de 12 por cento, o que já é um absurdo, porque na Europa a maioria dos países tem juro de 6 por cento, 3 por cento. Você pode ir reduzindo juros, as pessoas têm que aprender que dinheiro se ganha investindo na produção e não na especulação. Ninguém vai fazer bravata aqui, dizendo que vai encontrar os juros a 20 e vai reduzir para 5 no dia seguinte, porque pode contribuir para uma fuga de capitais sem precedentes na história. Mas você tem mecanismos e o governo tem obrigação de fazer com que os juros sejam compatíveis com os juros internacionais.

José Arbex Jr. – Mas a questão dele é outra: você pega, por exemplo, o Raúl Alfonsín, que é ex-presidente mas deu uma declaração de moratória, e já vimos bolsas despencando, panes. Você acha que o Lula consegue governar com…

Tem determinadas coisas que você faz sem falar, porque, se falar, não faz. Só no Brasil é que o político tem o hábito de querer dar respostas para tudo antes de ganhar. Acho que devemos ter alguns cuidados…

José Arbex Jr. – Mas você não acha que o nome Lula já fala, mesmo você ficando quieto?

Não sei. Deixa contar uma coisa: acho que tem muita gente que tem que ter medo do PT. Acho que empresário corrupto tem que ter medo do PT, pessoas que degradam o meio ambiente têm que ter medo do PT, pessoas que praticam corrupção têm que ter medo do PT, aqueles que querem manter relações com o Estado entrando pela porta dos fundos têm que ter medo do PT…

Márcio Carvalho – Banqueiro?

Tem que ter medo do PT. Não é normal num país os bancos ganharem o que estão ganhando aqui. Vou contar uma história para você ver que não é normal. Estes dias, eu estava fazendo um cálculo aqui com um especialista em briga com banco…

Wagner Nabuco – Como é um especialista de briga com banco?

Um advogado que briga com banco. (risos) Eu estava fazendo um cálculo que não sei se está correto porque tenho dois cálculos – um de um professor da USP e outro desse advogado. O professor da USP me mandou uma carta dizendo o seguinte: “Companheiro Lula, veja a situação do país: uma pessoa que depositou 100 reais na poupança no dia da implantação do real, 76 meses depois, ganhou 203 reais de juros. Essa mesma pessoa que fez uma compra de 100 reais no cartão de crédito e não pagou, 76 meses depois, está com uma dívida de 509.000 reais”. Eu achei que era muito, de 203 para 509.000, chamei o advogado. O advogado fez a conta: os juros da poupança vão para 203 reais e o do cartão vai pra 127.000 reais. Não importa a diferença dos dois cálculos, é uma alucinação. Este país não pode ir pra frente assim.

Wagner Nabuco – Você tem consciência do que significa o poder central. É muito diferente de uma prefeitura ou de um governo de Estado. Significa o Exército, banqueiros…

Tenho mais consciência do papel do presidente da República, do papel do Banco Central, do papel do BNDES, que são todos instrumentos de governo e que, portanto, é poder contra poder. E aí você, investido do cargo, tem que fazer valer o teu poder soberano. É por isso que acredito em muitas coisas. Pega o Rio Grande do Sul como exemplo, o Olívio Dutra teve a coragem de dizer: “Não vai dar pra Ford o que o Brito comprometeu”. Ganhou as eleições com esse discurso, a Ford foi embora, paciência. Sofremos? Sofremos, mas vamos dar a volta por cima. Se a gente não corre esses riscos, não faz nada. Estou convencido do seguinte: a possibilidade de fazer transformações no Brasil é muito grande. Quando a pessoa está no governo, o poder que ela tem! Imaginem uma coisa: um presidente de um banco central, que é um burocrata, tem o poder de liberar 20 bilhões para três bancos quebrados!

Wagner Nabuco – Mas não libera os 2.000 de crédito para os sem-terra.

Não libera porque não tem como definição prioritária isso. Não é porque tem dificuldade, é porque a cabeça dele não quer liberar. É isso, pode ter certeza. Eu, um dia, sonhava assim: quando o PT chegar ao governo, vamos começar a fazer o orçamento pelo contrário. No Brasil se discute sempre o custo de fazer as coisas. Um dia vamos ter que discutir o custo de não termos feito essas coisas no tempo certo. Quanto custou para este país não ter feito reforma agrária cinqüenta anos atrás? Quanto custou não alfabetizar o seu povo cinqüenta anos atrás? Quanto custou não eletrificar o campo? É isso que tem de estar na mesa, o atraso a que este país se submeteu ao longo destes anos. E às vezes investe em empresas multinacionais que pegam o dinheiro, nem pagam, e com dez anos vão embora. O Aziz viajou comigo na Caravana e viu a quantidade de cidades com parques industriais falidos. Tudo dinheiro do BNDES: fábricas que nunca produziram nada, não deu certo o projeto. Dinheiro público e ninguém paga! Este país não suporta ficar mais dez, quinze anos nessa situação. Alguma coisa vai ter de acontecer.

Sérgio de Souza – E você acha que em 2002 isso pode acontecer, essa virada?

Acho que pode. Tenho na cabeça que é muito difícil um partido chegar sozinho ao poder em um país heterogêneo seja do ponto de vista cultural, seja do econômico. O PT vai ter que pensar esses próximos doze meses com quem é possível construir uma aliança política. O lado de lá já sabe que, se vier dividido, vai tomar uma trolha, vão perder as eleições e correm o risco de não ir para o segundo turno. E que, como têm muito a perder, vai tapar o nariz e procurar encontrar alguém entre eles e tentar fazer uma frente única para nos enfrentar. Depende de construirmos de nosso lado uma frente. E, na minha cabeça, essa frente pode envolver o PPS, pode envolver setores do PMDB, essa frente envolve todos os partidos de esquerda…

Márcio Carvalho – Até o PSDB?

Não, porque o PSDB hoje é o coração do lado de lá. Eu lamento, eu não acredito que o PSDB venha. Alimentei ilusão com o PSDB em 1994, chegamos a discutir profundamente e, na hora em que a direita deu cama para eles, foram deitar na cama e me largaram no beliche. Então, não tenho mais razão para acreditar. De qualquer forma, acho que tem um jogo a ser feito com pequenos e médios empresários brasileiros, com pequenos e médios produtores rurais, com intelectuais, com setores médios, com o povo, fazer um pacto capaz de ter alguns compromissos básicos que vão ser cumpridos. E temos muitos adversários nessa história.

Márcio Carvalho – Você não acha que podem mudar o jogo no meio, por exemplo, agora estão falando em parlamentarismo.

Acho. Eles vão tentar tudo para evitar que o PT chegue ao poder, porque eles sabem que a chegada do PT ao poder é o começo da execução de um projeto que pode mostrar que somos capazes de fazer coisas que eles não fizeram. Por exemplo, a questão da reforma agrária é condição de honra pra nós. Porque está na base da criação do PT. A prioridade dos investimentos para pequenos e médios empresários, experiências como a do Banco do Povo vão ter que ser espalhadas aos milhares por este país. Eu não sei quem vai ser o candidato da esquerda, estou deixando meu partido totalmente à vontade para um processo de debate e escolha de quem vai ser o candidato, dentro e fora do partido. Mas ninguém que for eleito em uma aliança conosco ou um candidato próprio do PT pode ter um discurso como o do De la Rúa. Ou seja, você ganha fazendo críticas ao Menem e depois continua fazendo a mesma política do Menem. Se eu ganhasse a presidência para fazer o mesmo que o Fernando Henrique Cardoso está fazendo, preferiria que Deus me tirasse a vida antes. Para não passar vergonha. Porque sabe o que acontece? Tem muita gente que tem o direito de mentir, o direito de enganar, eu não tenho. Há uma coisa que tenho como sagrada na minha vida: é não perder o direito de olhar nos olhos de meus companheiros e de dormir com a consciência tranqüila de que a gente é capaz de cumprir cada palavra que a gente assume. E, quando não as cumprir, ter coragem de discutir por que não cumpriu. Esse jogo tem que ser feito no Brasil, este país é muito grande, tem muitas condições. Nós agora vamos começar a fazer aqui no Instituto um projeto de combate à fome e vamos provar que é possível garantir que cada brasileiro, por mais miserável que seja, tem direito a tomar café da manhã, a almoçar e a jantar. Este país tem condições de produzir alimentos, tem condições de distribuir renda, tem um monte de condições.

José Arbex Jr. – Deixe eu fazer uma pergunta pessoal: acabou de fechar a última urna, o PT ganhou a presidência, você viu o resultado, lembrou de 1979, a criação do PT. Hoje, o PT aparece como uma coisa que pode mudar o rumo da história na América Latina. Na tua cabeça, um sujeito egresso de Garanhuns, o que que significa isso, emocionalmente?

É como a alegria de um pai quando o filho vira adolescente. Porque foi muito difícil criar o PT. Primeiro, eu era chamado pelos ditos comunistas como agente da CIA. Era chamado pelos trotskistas como a muleta da ditadura. Era chamado pela direita como comunista. Essas várias visões que tinham de mim me permitiam ter uma independência de agir sem precisar depender de ninguém. Lembro o que os intelectuais falavam do PT, o que escreviam, que o PT não era oportuno, não tinha espaço no Brasil, que a classe operária não estava preparada. E esse partido veio crescendo em 82, 86, 88, 89. Toda eleição nós crescemos um pouquinho. É degrau por degrau, não tem nada de pular dezesseis degraus de uma vez, é um a um. E hoje falo sem medo de errar: o PT é o mais importante partido de esquerda no mundo. Temos o que existe de mais importante no movimento camponês ligado ao PT, o mais importante do movimento sindical, temos grande base intelectual. Eu diria que temos grande parte das pessoas de bem deste país no PT. E olha que não precisava escrever bem do PT, mas, se as pessoas não contassem tanta mentira do PT na imprensa, a gente cresceria ainda mais.

Márcio Carvalho – Mas existe mesmo a possibilidade de a estrela do PT não sair candidato em 2002?

Por que não outro companheiro? Por que eu, pela quarta vez? O que tenho dito é que a direção do partido fique totalmente à vontade e que não serei obstáculo para uma outra candidatura. Pelo contrário, minha disposição é ser cabo eleitoral. Agora, tenho consciência também de que tenho um patrimônio construído com meu partido e que tem um peso. E, obviamente, isso tudo a gente vai ter que discutir em uma mesa. Vamos ter que discutir quem é que facilita a unidade, quem pode galvanizar todas essas forças. E, se chegarmos à conclusão de que não sou eu, não sou eu. Paciência, vai ser outro companheiro e eu quero estar lá, fazendo campanha do mesmo jeito.

“primeiro, eu era agente da cia, depois muleta da ditadura, depois comunista…”

Sérgio de Souza – Mas você é o favorito naturalmente.

Não quero ficar trabalhando com pesquisa com dois anos de antecedência. Naturalmente quero acabar com essa história do candidato natural do PT. (risos) Porque, se eu deixar prevalecer, vou ser candidato toda vez. Então, prefiro discutir o seguinte: não preciso ser candidato para ter 30 por cento dos votos, é um patrimônio que já tenho. O que precisamos é pensar uma campanha para ganhar os 20 por cento que faltam. Qualé a estratégia, qual é a tática, qual é o candidato, qual é a aliança política. Uma coisa interessante: diziam muito que o PT era menor do que o Lula. Pela primeira vez, as pesquisas começam a dar o quê? Quando se pergunta qual é o partido com maior aceitação na opinião pública, há uma combinação do PT, uma média de 28 a 30 por cento. E também nós temos que apostar no crescimento da sociedade. Ela também evolui. Quinze anos atrás, uma parte da sociedade não votou no Fernando Henrique Cardoso porque ele era comunista e ateu. E, nove anos depois, o elegeu presidente da República. Na medida em que a elite o adotou, acabou o preconceito.

Carlos Azevedo – Mas como a elite não vai te adotar… (risos)

E nem quero. Se quisesse chegar ao poder pelos braços dela, já poderia ter chegado. Para mim, só tem sentido chegar ao poder se eu puder chegar acreditando no que acredito e fazer o que posso fazer. Se eu tiver que começar a utilizar as palavras “entretanto” e “porém”, é melhor que seja outro.

Carlos Azevedo – E essa famosa rejeição a você, que no segundo turno você não consegue…

Não tem nenhum problema, rejeição é uma coisa que pode cair de um dia pro outro. Hoje tem um artigo: “Lula tem 35 por cento de rejeição”. Eu queria ter 49,99 e ter 51,01 de aceitação, é isso que me interessa. (risos)

José Arbex Jr. – Não existe uma evolução linear para sempre. Nós estamos falando aqui que o Brasil vem enfrentando uma regressão extremamente grave – se o povo sentir que a confiança que depositou no PT agora não correspondeu, acho que a evolução não vai continuarpara a frente. Porque estamos num momento decisivo para a história do Brasil. Duas perguntas: você acha que o PT está preparado para corresponder às expectativas que o povo depositou nele? E de que forma a gestão do PT nos governos municipais vai se articular com a campanha presidencial?

Primeiro, acho que o PT já tem um acúmulo de experiência administrativa para provar que qualquer cidade pode ser governada por ele e obter sucesso. Todos os prefeitos vão pegar prefeituras em situação financeira difícil. O que eu tenho dito a meus companheiros é que a gente tem que superar as dificuldades administrativas do primeiro ano com a nossa capacidade de fazer política. Então, nesse primeiro ano, possivelmente a gente tenha que fazer muita política, muita, e o partido não pode deixar na mão da prefeita ou do prefeito, o partido tem que ir para a rua e fazer política.

Carlos Azevedo – O que significa fazer política?

Fazer política significa ir para a rua e trabalhar, ir para os bairros organizar o povo, cada coisa que você não puder fazer, ir conversar com o povo. Você não pode deixar que venha a crescer o antipetismo, como foi em 1992, com a Luíza Erundina.

Sérgio de Souza – Como você analisa essa vitória do PT nas eleições, já que estamos falando até em retrocesso.

Acho que três coisas garantiram ao PT essa performance. Em primeiro lugar coloco as experiências administrativas bem-sucedidas. O PT foi para a televisão dizendo o que estava fazendo. Saímos da fase do “eu acho” e entramos na fase do “eu faço”. A segunda coisa importante foi a questão ética, o PT está incólume nessaenvolvimento com corrupção e foi o partido que cassou corruptos nestes últimos anos. Embu, Guarulhos, São Paulo são apenas alguns exemplos. E em terceiro lugar acho que está a coerência do PT na oposição à política do governo federal. O crescimento do PT não se dá apenas pelas cidades que nós ganhamos, é um erro e é diminuir nosso crescimento. Se dá porque em muitas cidades brasileiras saímos de um patamar de 8, 10 por cento para 25, 30, 35 por cento dos votos.

Fernando do Valle – Como você vê essas pessoas que falam que o PT abrandou o discurso?

O que eu acho é que ninguém pode querer que a Marta Suplicy faça um discurso como o meu. Não fica bem pra ela e não faz parte do estilo dela, ela vai fazer o discurso dela. E também eu não poderia ser candidato fazendo um discurso light. Como um outro companheiro, por exemplo, o Vanhoni, de Curitiba, faz o discurso no estilo dele. Eu não posso hoje fazer um discurso como eu fazia em 80 na porta da Volkswagen, iam me chamar no mínimo de louco. O PT fez o discurso adequado em função da conjuntura adequada. Não fez nem mais nem menos. De vez em quando, você pode falar coisas duras de forma delicada e ser mais convincente do que falar as mesmas coisas gritando ou berrando. O PT evoluiu para isso. E por quê? Porque tem a proposta. Quando a gente falava na campanha do orçamento participativo, do Banco do Povo, da Bolsa-Escola e da Renda Mínima, eram coisas que as pessoas já tinham visto em algum lugar. E isso garantiu uma base de credibilidade. Eu digo sempre o seguinte: o PT está numa fase da vida, consolidada nessa eleição, que é como a do adolescente. A gente, que é pai, está sempre vendo o filho como criança e muitas vezes a gente erra porque não dá a credibilidade que ele quer que a gente dê. Ou seja, às vezes ele está no ponto para você empurrar e falar: “Vai!” E você fica: “Não, não vai”. (risos) Então acho que a sociedade viu um dia no PT o partido mais honesto, o partido mais comprometido com os trabalhadores, o partido mais comprometido com a reforma agrária, mas ela tinha dúvida se o PT estava preparado. E nessa campanha ela disse: “Está”. E agora entregou para nós uma parcela muito grande de poder. Vamos ver se devolvemos para a sociedade a credibilidade que depositou em nosotros.

Aziz Ab’Saber – Não foi um abrandamento do discurso, foi um aperfeiçoamento político e cultural do PT.

Essa matéria é parte da Edição 44, de novembro de 2000 da Revista Caros Amigos.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.carosamigos.com.br.

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