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Aos 10 anos, Caros Amigos continua ícone do jornalismo progressista

Revista que foi pensada e adotada como sua pela nata do jornalismo e da intelectualidade boêmia da esquerda brasileira mantém vitalidade após 10 anos, idade respeitável para veículos desta natureza. Sérgio de Souza, o editor, conta essa história.

SÃO PAULO – Abril de 1997, auge do neoliberalismo de FHC. Nas bancas de São Paulo aparece uma nova revista, grande, em preto e branco, muitas letras e poucas figuras. Diferente e até um pouco dificultosa para os olhos. Mas a vantagem da novidade era que nem se tinha necessidade de espiar dentro para saber o que estava a nossa espera. Na capa mesmo, os nomes: Mylton Severiano, Luis Fernando Veríssimo, Frei Betto, Ignácio de Loyola Brandão, Plínio Marcos, José Hamilton Ribeiro, Roberto Freire, Júlio Medaglia, Mário Prata, Emiliano José, Paulo Freire, Ricardo Kotscho, Diogo Pacheco, Matthew Shirts, Jaguar. Caros Amigos…

Quando Caros Amigos nasceu, era quase inacreditável: estava tudo lá, a história viva da resistência política da Teologia da Libertação com Frei Betto; Roberto Freire, o cara da Soma, do Sem Tesão não há Solução; o maestro Diogo Pacheco, falando de futebol; Plínio Marcos e seu submundo teatral; Zé Hamilton, que perdeu a perna cobrindo a guerra do Vietnã; Jaguar, o símbolo máximo da boemia e do humor dos bons tempos. A revista, desde o início, provocou algo na gente que fazia correr até a banca todo mês e colecionar.

Passado um tempinho, Caros Amigos se firmou como trincheira do pensamento progressista, destoante do supérfluo e neoliberal meio jornalístico. Ser um Caro Amigo era prestigioso, e ninguém perguntava muito ao Sérgio de Souza – o Serjão, que até hoje senta à cabeceira da revista – se e quanto ganharia para escrever. Colaborar com Caros Amigos dava status.

Passaram-se dez anos, Fernando Henrique apeou do poder, Lula, o entrevistado da capa de setembro de 2000, montou, muita gente saiu da revista, muita gente entrou, e alguns velhos amigos, como Diogo Pacheco e Plínio Marcos, morreram neste tempo. Mas Caros Amigos continuou a simbolizar uma nova liberdade de ler e fazer jornalismo, que inclusive abriu espaço para muita coisa boa que veio depois.

Neste seu décimo aniversário, todos nós, caros amigos, jornalistas, leitores e resistente de maneira geral, temos muito a comemorar com Caros Amigos. É uma bonita história, sobre a qual Sérgio de Souza falou um pouco à Carta Maior (por correio eletrônico, porque não gosta de dar entrevistas).

Carta Maior – A Caros Amigos, quando surgiu, se destacou por conta dos nomes de peso do jornalismo, da cultura e da política que começaram a escrever na revista. Quem eram os “caros amigos” iniciais, e qual o seu propósito com a criação da revista?

Sérgio de Souza – A idéia de uma revista independente e de matérias de autor me perseguia havia muitos anos. Até que em 1997, como sócio de uma micro editora que fundei junto com outros companheiros, pude ver realizado o velho plano. Os “caros amigos” que participaram das primeiras reuniões de concepção da revista eram João Noro, Roberto Freire, Jorge Brolio, Francisco Vasconcelos, José Carlos Marão, Alberto Dines (que deu nome à revista), Hélio de Almeida e Mathew Shirts. A partir do número 1, ficaram apenas os quatro primeiros e eu. O meu propósito era criar uma publicação de interesse geral que se posicionasse contrariamente ao “pensamento único” que então transpirava de toda a grande imprensa do país, seguidora fiel do governo privatista de Fernando Henrique Cardoso. Havia outras propostas para a Caros Amigos, como a de uma revista “futurista”, que tratasse de um mundo novo oferecido pelo avanço galopante da tecnologia, ou uma revista para-literária. Ao final daquelas poucas reuniões acabou vingando a minha idéia de criar uma publicação mensal, de autor, que partiria do conceito que coloquei aí atrás e trouxesse reportagens, artigos, colunas, seções, humor, fotografia e uma grande entrevista que batizei de “explosiva”, para brincar com a clássica “exclusiva”, e que, aliás, se tornaria o prato forte de Caros Amigos. Todos os trabalhos publicados levariam assinatura, não seriam admitidos pseudônimos e os autores é que decidiriam que tema abordar, partindo de uma proposta simples: fale sobre algo que o esteja incomodando muito ou agradando muito. Somente as reportagens e a entrevista de capa eram decididas em reunião de pauta. O esquema funcionou e aí está de pé até hoje, passados 10 anos.

CM – Nas últimas décadas, várias iniciativas similares a Caros Amigos, veículos progressistas e independentes, acabaram fracassando depois de pouco tempo. Por que acha que Caros Amigos continua aí?

Sérgio de Souza – A fórmula do sucesso é um segredo de Estado que posso revelar a você com exclusividade: o amor à camisa. Não fosse a grande maioria dos autores, sobre os quais se assenta pelo menos a metade do conteúdo da revista, colaborarem sem receber um centavo, e ela não teria chegado até aqui. Pois além de tudo a revista é descapitalizada de nascença. Sem contar as equipes de redação, do comercial e de administração, que trabalham por salários inferiores aos das editoras em geral. Um segundo segredo é a total liberdade de opinião dos autores das matérias, o próprio fato de a revista ter opinião e a independência quanto a patrões ou capitalistas.

CM – Como definiria a Caros Amigos politicamente?

Sérgio de Souza – Politicamente, Caros Amigos é uma revista de esquerda, como estamos declarando nos poucos anúncios que estamos conseguindo colocar na mídia (alguns poucos veículos, como a Rádio Eldorado, a MTV e uma ou outra revista). Imparcialidade é uma pseudo-virtude inventada para mascarar os interesses pessoais ou grupais dos proprietários ou concessionários dos veículos de comunicação. Um engana-trouxa que, com a velocíssima disseminação da informação que estamos vivendo, ilude, cada vez mais, menos pessoas.

CM – Caros Amigos é uma revista mensal, de grande circulação, tem um nome no mercado editorial. Por ser de esquerda, por trabalhar com colaboradores não-pagos, é um veículo “alternativo”?

Sérgio de Souza – Caros Amigos se coloca como uma publicação institucional e não alternativa pelas seguintes razões, como declarei recentemente em resposta a perguntas de Jornalistas & Cia.: ela pertence a uma editora registrada na Junta Comercial; ela tem seu título, Caros Amigos, registrado no Inpi – Instituto Nacional de Propriedade Industrial; ela é membro da Aner – Associação Nacional dos Editores de Revistas; ela tem periodicidade e chega às bancas do país inteiro por intermédio da Dinap – Distribuidora Nacional de Publicações, do grupo Abril, tida como a maior distribuidora de revistas do Brasil, sendo que isso ocorre religiosamente há 10 anos; ela tem uma tabela de preços do espaço publicitário a ser comercializado em suas páginas; ela é produzida por profissionais tanto na área editorial quanto na comercial e administrativa, na sede que tem endereço físico, paga aluguel, contas de luz, água e telefone; ela mantém um site na internet; ela já foi premiada por várias entidades de reconhecida expressão no cenário nacional, assim como o site; ela consome toneladas de papel e de tinta gráfica mensalmente; ela circula nos meios que pensam o país, como a universidade, os colégios (corpos docente e discente), as câmaras municipais e assembléias legislativas, os executivos municipais e estaduais, o judiciário, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto.

CM – Qual é, na sua opinião, o maior o desafio dos veículos que pensam e trabalham no espectro das esquerdas no Brasil?

Sérgio de Souza – O desafio é manter a distância apropriada do poder, seja ele político-partidário, seja econômico. Distância apropriada no sentido de independência de opinião, que significa, no caso de Caros Amigos, idéias e colocações que não costumam fazer parte do universo da mídia grande, sempre conservadora e comprometida até as entranhas com o establishment. Nosso papel é o papel reservado ao jornalismo numa sociedade democrática, qual seja: informar, de modo a não apenas manter as pessoas a par dos fatos que ocorrem no cotidiano das cidades e países, mas, principalmente, tratar de interpretar o significado dos fatos mais relevantes, o que acaba por promover a consciência do leitor, espectador ou ouvinte, de forma a olhar o seu meio e o mundo com mais acuidade, maior capacidade de julgamento.

Por Verena Glass.

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.agenciacartamaior.com.br.

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