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O governo Lula ainda não tomou posse no Banco do Brasil

Confira a entrevista de Paulo Assunção, ex-presidente da Brasilcap, à revista O Espelho

São Paulo – Para Paulo Assunção, ex-presidente da Brasilcap, ex-diretor representante dos funcionários (Garef), não houve discussão de um novo projeto e nenhuma mudança estrutural foi feita no Banco do Brasil. “A impressão que fica é que os burocratas estão ‘tocando o barco’, evitando marolas, esperando o temporal Lula passar”, afirma. Dos poucos avanços que reconhece estão os da área trabalhista, mas fruto de grande pressão dos trabalhadores: “não podemos ter ilusões. Governo é sempre governo. Não dá nada de graça. Veja que tivemos greve no BB todos os anos do governo Lula. Talvez por isso houve algum avanço.”

Espelho – O senhor passou pela administração de uma das empresas do banco, a Brasilcap, o que pode falar da orientação do BB para essas empresas? Há alguma diferença do primeiro governo Lula para agora?

Paulo Assunção – Absolutamente nenhuma diferença. Aliás, há uma ausência total de orientação, seja tática, seja estratégica. As empresas não participam do planejamento estratégico do conglomerado BB. É muito comum ouvirmos reclamações dos dirigentes das empresas do grupo BB de que não sabem exatamente o que o Banco espera delas. Dessa forma, cada uma procura fazer o melhor, segundo a sua própria visão do mercado. Algumas conseguem. Porém, no conjunto, podemos afirmar que as empresas de seguridade do BB (seguros, previdência e capitalização) fazem muito menos do que poderiam. E o problema principal é de orientação estratégica, de governança corporativa.

Espelho – Por que o senhor saiu da presidência da Brasilcap?

Paulo Assunção – A gota d’água foi um desentendimento com o presidente do BB, Sr. Lima Neto. Porém, aqueles que me conhecem sabem que já há algum tempo tenho feito críticas gerais à administração do BB.

Espelho – Na carta aberta que enviou a militantes, o senhor fala de ingerência da atual direção do BB, o que fez com que saísse da Brasilcap. É possível explicar isso melhor, que ingerência foi essa?

Paulo Assunção – Num assunto que era exclusivo da Brasilcap, a indicação do Presidente da Federação de Capitalização, o presidente do BB atropelou a direção da Brasilcap e fez ele mesmo a indicação do seu assessor especial, Sr. Ismar Tôrres, executivo que está na área de seguridade do BB desde o início do governo FHC, para aquele cargo. Isso é inaceitável para qualquer bom administrador, que preza sua independência e autonomia. Sem poder para mudar essa decisão, só me restou o caminho da renúncia ao cargo de Presidente da Brasilcap, que exerci por quase quatro anos.

Espelho – Além de presidente da Brasilcap, o senhor já passou pela alta administração do BB, chegando a ser diretor representante eleito pelos funcionários, Garef. Como vê a atual administração?

Paulo Assunção – O BB não teve do Governo Lula a atenção que merece. O poder no BB ainda não passou para o Governo Lula. Podemos dizer que, falando de BB, o Governo Lula sequer tomou posse. A orientação estratégica continua a mesma do governo FHC. O BB continua focando apenas as operações bancárias de varejo, altamente lucrativas, como o CDC (crédito direto ao consumidor), cheque especial, consórcio de carros, financiamento de capital de giro em operações de curtíssimo prazo, como desconto de cheques, faturas de cartões e outras que não podem ser classificadas propriamente como socialmente relevantes, como promotoras do desenvolvimento com justiça social.

Espelho – Por que o estatuto do banco ainda não foi reformado para a volta do Garef?

Paulo Assunção – Assim como o Voto de Minerva do estatuto da Previ, resquício da intervenção do FHC, a volta do GAREF é tabu para a atual administração do BB. Não quer nem ouvir falar.

Espelho – Existem diferenças da atual administração para a da época dos tucanos?

Paulo Assunção – Podemos dizer que o que mudou foi o governo federal, o que provocou uma mudança muito tênue no interior do BB. Mas é uma mudança cosmética. No auge da crise por que passou o Governo Lula, com incerteza sobre a reeleição, o que nós vimos foi a rearticulação dos grupos “fernandohenriquistas”. A mudança superficial fica por conta de alguns companheiros, como o vice Luiz Oswaldo, que com muita dificuldade tentam fazer alguma coisa de novo.

Espelho – A impressão que fica é que a atual administração toca o banco como se fosse outro banco qualquer, em busca apenas de aumentar o lucro, esquecendo seu papel. Essa impressão é verdadeira?

Paulo Assunção – É. Nenhuma mudança estrutural foi feita. Desde a posse do Lula, sequer foi feita uma reavaliação estratégica profunda da atuação do BB. Não dá para destacar uma única grande ação do BB compatível com o programa de governo de Lula. A impressão que fica é que os burocratas estão “tocando o barco”, evitando marolas, esperando o temporal Lula passar.

Espelho – Existem muitas denúncias de assédio moral e pressão por venda de produtos, isso é admissível? Por que esse modelo se perpetua?

Paulo Assunção – Porque faltou coragem para discutir a questão principal, que é a questão da democracia do Acordo de Trabalho. Aliás, da falta de democracia. Nenhuma grande empresa trabalha sem metas. Porém, se não há nenhuma participação dos funcionários na construção das metas, se não há nenhuma identidade entre o trabalhador e a meta a ser cumprida, a meta se torna um elemento desagregador. O que impera é o autoritarismo, a pressão e o assédio moral. Sem falar nas doenças laborais, às vezes de difícil diagnóstico, como a depressão, a síndrome do pânico e a LER.

Espelho – A direção do BB tem pessoas ligadas à história do movimento sindical, mas esse número vem sendo reduzido, o que está acontecendo?

Paulo Assunção – Em nenhum momento o Governo Lula patrocinou sindicalistas para postos estratégicos do BB. E também nunca houve o tal “aparelhamento” por gente dos partidos políticos ligados ao governo. Alguns militantes, com preparo técnico e experiência, assumiram, naturalmente, alguns postos. Mas mesmo esses estão sendo vítimas de pressão. Vários já saíram.

Espelho – Há espaço para mudança da política do banco, que mudança seria essa?

Paulo Assunção – Sempre é tempo de mudar, ainda que seja cada vez mais difícil. Acho que a principal mudança é a desconcentração do crédito. A maior parte do crédito do BB está concentrada nos 20 ou 30 grandes grupos econômicos do país. Esse dinheiro só chega aos outros, pequenos empresários e pessoas físicas, indiretamente, através das operações comerciais e industriais dos grandes grupos. É preciso aumentar a concessão direta do crédito produtivo para pequenos empresários e empreendedores autônomos. Para isso é preciso mudar o modo de operação do BB e rever sua estrutura.

Espelho – Como fazer o BB cumprir seu papel de banco público?

Paulo Assunção – Mudando as suas prioridades. Revendo a sua missão, sua estratégia e o seu modo de operação. Ao definir que o banco é do Brasil e dos brasileiros é preciso sair da retórica e mostrar isso na prática. Há um Brasil que precisa do Banco do Brasil. Esse foi o slogan, para o BB, da primeira campanha que elegeu o Lula. Concessão de CDC qualquer banco faz, crédito produtivo ainda estamos esperando quem faça decentemente.

Espelho – O funcionalismo vem tendo problemas nas negociações, com a direção do banco não resolvendo problemas como o custeio da Cassi, da melhora de benefícios na Previ nem apresentando proposta de PCC/PCS. Como fazer com que essas questões tenham solução?

Paulo Assunção – Ainda assim, com todas as pendências, podemos dizer que é a área em que tivemos alguns avanços, como o acordo sobre o fundo paridade na Previ e a proposta de ajuda à Cassi, que quebra um galho, apesar de penalizar o associado com participação maior nos eventos e não equacionar o problema definitivamente. Há muita coisa por fazer, como a questão do PCC/PCS e a questão do superávit da Previ. Tem que aumentar a pressão sindical.

Espelho – Num governo democrático como o do presidente, a gestão do BB não deveria ser diferente?

Paulo Assunção – Não podemos ter ilusões. Governo é sempre governo. Não dá nada de graça. Veja que tivemos greve no BB todos os anos do governo Lula. Talvez por isso houve algum avanço.

Espelho – Qual a expectativa para a próxima campanha salarial?

Paulo Assunção – Com índices de reposição cada vez mais baixos, fruto da própria estabilidade econômica, temos que valorizar a negociação estratégica de aumentos reais, melhores condições de trabalho, incluindo o próprio Acordo de Trabalho, e melhores perspectivas de evolução na carreira. O mundo mudou, o Brasil mudou. As competências e especialidades necessárias já na são as mesmas de tempos atrás. O banco não pode ficar para trás. Tem que investir mais nos seus funcionários.

Fonte: O Espelho. Publicação mensal da Comissão de Empresa dos Funcionários do Banco do Brasil, veículo de responsabilidade da Contraf-CUT.

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