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Breve reflexão sobre a comunhão com a luta por um Brasil livre de transgênicos

Cultivar é uma variedade de planta utilizada na agricultura claramente distinguível de outras cultivares. As cultivares convencionais foram desenvolvidas por meio do melhoramento genético vegetal, um método científico que aplica a estatística e utiliza a seleção como processo decisório para fixar uma determinada característica na geração seguinte. Muitas das sementes de cultivares convencionais que são vendidas nas lojas de produtos agropecuários foram melhoradas em condições “ideais” do pacote tecnológico da revolução verde (monocultura, máquinas agrícolas, adubo químico industrial e agrotóxicos), portanto somente proporcionam alta produtividade quando todos os elementos desse pacote são utilizados. Como essas condições são mais freqüentes entre os grandes produtores, os resultados são mais apropriados para esse setor e menos apropriados para os agricultores familiares. Embora a revolução verde tenha contribuído para elevar a produtividade agrícola, continuam existindo fome e graves danos ao meio ambiente e à saúde.

Em contraposição ao pacote tecnológico da revolução verde, há o manejo agroecológico, que utiliza adubação orgânica, diversificação e rotação de culturas agrícolas, produz alimentos saudáveis, conserva os recursos naturais e é adaptado à realidade dos agricultores familiares brasileiros. Mas o agricultor agroecólogico tem dificuldade de obter alta produtividade quando utiliza a semente de cultivar convencional. Essa dificuldade levou ao surgimento de experiências de melhoramento genético de cultivares de acordo com as condições sócio-econômicas e ambientais da agricultura familiar, como a semente agroecológica do MST.

Já as cultivares transgênicas receberam gene por meio da engenharia genética. Trata-se de um método criado há cerca de 30 anos, que não substitui o melhoramento genético, mas possibilita a introdução de características nas cultivares convencionais sem o emprego dos processos normais de reprodução. Por exemplo, pode-se introduzir uma característica de resistência a um determinado inseto. A engenharia genética proporcionou produtos patenteáveis e acarretou em fusões entre empresas de produtos químicos e agrícolas.

As ONGs que lutam por um Brasil livre de transgênicos declaram várias preocupações. Elas temem que as sementes transgênicas favoreçam o monopólio do comércio de sementes e de agrotóxicos. Temem também que constituam oportunidade exclusiva de ganhos para o setor agrícola patronal; que o modelo da “revolução verde” seja reforçado; que o meio ambiente seja contaminado; que alergias alimentares e doenças sejam desencadeadas; e que a erosão da diversidade genética seja intensificada. Essas preocupações são legítimas, todavia muitas vezes são compreendidas como se, por definição, a semente transgênica fosse “do mal” e a semente convencional fosse “do bem”. A questão dos transgênicos foi tão ideologizada, que lembra a história de Lysenko, que convenceu o poder soviético a acreditar na relação extrema entre o lamarckismo (1) e o socialismo, em contraposição ao darwinismo (2) que, segundo ele, teria uma tendência capitalista.

Uma simples avaliação do papel dessa nova tecnologia demonstra sua importância na disputa de mercado: Com o aparecimento de empresas que comercializam sementes de cultivares transgênicas resistentes aos insetos, por exemplo, boa parte do lucro com a venda de agrotóxicos é captado por essas empresas por meio da cobrança da taxa tecnológica. Ora, se o agricultor não pode dispor das sementes transgênicas, a única alternativa, pelo menos até o momento, são as outras sementes que já estão disponíveis nas lojas de produtos agropecuários. Por outro lado, quando uma cultivar transgênica evita o gasto com agrotóxico e cujo preço final, apesar de ter a taxa tecnológica embutida no preço da semente, for menor que o pacote tecnológico utilizado com a semente convencional, significa que seu custo de produção é menor. O Brasil é uma potência agrícola e muitas vezes constitui ameaça aos países ricos. Ao diminuir o custo de produção, torna-se uma ameaça ainda maior.

Os transgênicos não são produzidos apenas por empresas privadas. Os chineses e os cubanos estão investindo estrategicamente na pesquisa com transgênicos. O investimento na pesquisa deve ser também a estratégia do Brasil para garantir soberania tecnológica e alimentar. A Embrapa e outros centros públicos de pesquisa brasileiros têm trabalhado na geração de plantas transgênicas. Estão sendo desenvolvidos feijão com resistência à seca, a vírus e a insetos; batata e mamão com resistência a vírus; alface e maracujá com resistência a fungos; algodão e arroz com resistência a insetos; e soja com resistência a herbicida, com hormônio do crescimento e com resistência à seca. Verifica-se que parte desses projetos são com produtos típicos da agricultura familiar e objetivam diminuir o uso de agrotóxicos, abaixar o custo de produção, garantir a produção em regiões de clima adverso, e até competir comercialmente com produtos das multinacionais. O que demonstra que cada cultivar transgênica tem sua especificidade, que nem todos os transgênicos se encaixam nas preocupações das ONGs e que não se deve discutir transgênicos em tese.

Após essa breve reflexão, concluí-se que não se justifica a comunhão com a luta “por um Brasil livre de transgênicos”. O razoável é lutar por um Estado forte e atuante que fortaleça seus centros públicos de pesquisa para que sejam desenvolvidas sementes (transgênicas e convencionais) de acordo com as diversas realidades sócio-econômicas e agro-ambientais. Basear-se nos princípios científicos da agroecologia e em parceria com as comunidades agrícolas (ou seja, desenvolver sementes como a do MST); e garantir que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) avaliem, de forma clara e rígida, os riscos biológico e sócio-econômico dos transgênicos, respectivamente.

O Brasil possui gigantesca biodiversidade, todavia não adianta apenas preservá-la e dizer que os transgênicos vão contaminá-la, é necessário estudá-la e utilizá-la. Por exemplo, há probabilidade de se encontrar um gene de resistência à seca, ao mapear os genes das plantas nativas da Caatinga. Portanto, deve-se lutar para que as instituições públicas de pesquisa possam mapear os genes da biodiversidade brasileira; e para que seja intensificada a fiscalização em regiões sujeitas à contaminação genética e à biopirataria. Por fim, não parece justo lutar apenas pela exigência da rotulagem de produtos transgênicos nas embalagens dos alimentos. A luta deveria ser também pela exigência da rotulagem com a lista dos agrotóxicos utilizados nas diferentes atividades agrícolas.

Notas:
1. O termo lamarckismo vem de Lamarck , naturalista que desenvolveu a teoria dos caracteres adquiridos.
2. O termo Darwinismo vem de Darwin, naturalista que convenceu a comunidade científica da ocorrência da evolução e propôs como ela se dá por meio da seleção natural e sexual. Sua teoria, hoje, é o paradigma central para explicação de diversos fenômenos biológicos.

Por Maria Thereza Pedroso, que é engenheira agrônoma, mestre em Desenvolvimento Sustentável e assessora da Bancada do PT na Câmara dos Deputados.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO http://blogdodirceu.ig.com.br/materias/442001-442500/442157/442157_1.html.

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