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América Latina e Brasil: o desafio para nossos povos

Adital – Em memória de Carlos Eduardo Zanatta, que sonhou e buscou o sonho conosco.
Nesta primeira metade de 2007 teve início o segundo mandato do governo Luis Inácio Lula da Silva. A montagem do governo, longamente negociada, acabou por conformar um amplo arco de alianças, caracterizado por seu caráter extremamente moderado. Apesar dos movimentos sociais terem se posicionado, em grande medida, favoráveis à reeleição e de terem se empenhado por ela, não tiveram nenhum peso nesta montagem ou na construção de uma nova agenda governamental para este segundo mandato. Pelo contrário, a agenda que vem sendo divulgada, ou frustra, ou colide diretamente com a agenda histórica dos movimentos sociais.

Tendo presente este contexto de continuidade conservadora, os movimentos populares e sindicais, o movimento estudantil, as pastorais sociais, entidades de direitos humanos, os povos indígenas e quilombolas etc, retomaram prontamente sua articulação, no sentido de manter uma mobilização social com vistas às tão desejadas transformações no nosso país. Durante os últimos quatro anos, estes setores compreenderam a necessidade primordial da mobilização e organização popular, da pressão social sistemática, da elaboração de propostas de políticas públicas, da clareza de um projeto político e social próprio e do caminho para a sua construção.

Não é por acaso, portanto, que estes primeiros meses têm sido ricos em retomadas indígenas, ocupações de terras, mobilizações urbanas e estudantis, greves de trabalhadores, tanto do setor privado como do setor público, manifestações de protesto e propostas de políticas públicas. A mobilização social conjunta que tem tido mais destaque na atual conjuntura é a luta contra a transposição do Rio São Francisco, que tem contado com o protagonismo dos povos indígenas, quilombolas, comunidades ribeirinhas e sem-terras. Esta ação coletiva vem adquirindo ampla visibilidade devido ao fato de que ela se insurge contra o próprio eixo do segundo mandato do governo Lula, que é a implementação do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento.

Os setores populares resolveram dar continuidade ao Projeto Popular que vem sendo gestado coletivamente, que teve como marco a Assembléia Popular “Mutirão por um novo Brasil”, de outubro de 2005, e manter a luta social unitária. Para tanto, foi convocada uma segunda Assembléia Popular, a ser realizada em Brasília, de 22 a 25 de outubro de 2007 e foi decidida a realização de um novo Plebiscito Nacional, desta vez enfocando a fraudulenta privatização da Companhia Vale do Rio Doce, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O Plebiscito Nacional sobre a Privatização da Companhia Vale do Rio Doce será realizado durante a Semana da Pátria de 2007, coincidindo, portanto, com a mobilização anual do Grito dos/as Excluídos/as.

Com a realização da segunda Assembléia Popular, os setores mobilizados irão tornar ainda mais claro o Projeto Popular para o Brasil, em torno do qual nos articulamos e pelo qual lutamos. Será também mais um momento de intercâmbio entre os movimentos; de debate de propostas e projetos; de aprendizado coletivo; de construção conjunta do Brasil que queremos.

Com a realização do “Plebiscito da Vale”, como está sendo chamado, os setores populares irão manter a sua unidade histórica em combates estratégicos, irão despertar e mobilizar a sociedade brasileira contra as privatizações, para o controle social do Estado brasileiro e continuarão buscando a necessária ascensão nas lutas sociais, para empreender as transformações sociais tão esperadas em nosso país.

As lutas populares na América Latina

Enquanto no Brasil a conjuntura política segue muito difícil para as lutas sociais, em vários países da América Latina se percebe um crescimento e uma mudança no patamar nas lutas populares. Os setores mobilizados estão aumentando sua pressão, exigindo avanços na política econômica e nas políticas públicas. Os povos indígenas e os camponeses ocupam e controlam territórios e implementam experiências novas de vida e trabalho socializado. As organizações indígenas e camponesas crescem e se fortalecem, expandindo suas articulações, unificando suas agendas e ultrapassando as fronteiras nacionais.

A proposta da ALBA – Alternativa Bolivariana para os Povos das Américas – que é uma iniciativa de integração de todos os povos, países, governos, estados e movimentos sociais que vivem e atuam no continente americano, vem crescendo e recebendo a adesão de governos, instituições e movimentos populares de todos os países da região. Esta proposta vem sendo implementada; seus princípios e métodos de articulação vêm sendo construídos; os próximos passos para sua realização estão definidos; acordos de solidariedade econômica, social, cultural e política entre povos, movimentos e governos estão sendo concretizados.

O caráter antiimperialista de tais articulações já fez surtir reações do governo Bush, que recentemente teve iniciativas tanto diplomáticas como midiáticas, na busca de recuperar a hegemonia absoluta, política e ideológica, perdida nestes últimos tempos, nesta região do mundo.

Aqui se coloca, portanto, um desafio para os povos do Brasil e da América Latina: como fazer avançar as articulações e as lutas sociais no nosso continente, criando uma sintonia entre os nossos processos de lutas nacionais, retomando o espírito e as práticas internacionalistas até o ponto de conseguirmos realizar a disputa real de projeto econômico, político e ideológico com o imperialismo e o neoliberalismo? Como construir um processo que se projete no tempo e no espaço, que vá além das nossas fronteiras nacionais e das disputas eleitorais, constituindo algo mais profundo, que convoque, mobilize, articule, organize e que crie um novo protagonismo de nossas sociedades e povos?

As resistências a tal processo têm nome e endereço conhecidos: as elites nacionais, as oligarquias financeiras, multinacionais, o imperialismo norte-americano, seus instrumentos golpistas como os conglomerados de comunicação e setores militares. Este aparato reacionário e seus métodos, no entanto, estão muito desgastados pois, com as ditaduras militares e os governos neoliberais, levaram nossas sociedades a uma crise permanente, além de um rastro de sangue e sofrimento. Tudo isso está vivo na memória de nossos povos.

Claro está que o imperialismo e o neoliberalismo irão sempre recriar seus métodos, na busca de conservar o controle e a hegemonia sobre nossos Estados e nossas sociedades, desvinculando-se do passado e colocando-se como defensores dos “valores universais da Democracia”.

Trata-se, portanto, para os movimentos sociais do Brasil e de toda a América Latina, de um desafio de proporções históricas: o de resgatar as lutas populares deste continente, desde as lutas indígenas de resistência ao invasor, passando pelas lutas anticolonialistas até as lutas republicanas, contra as ditaduras militares e as lutas antineoliberais, para construir um novo momento histórico comum, um momento de transcendência histórica para os povos latino-americanos.

Os movimentos sociais e os povos indígenas no Brasil estão realizando exercícios dessa transcendência histórica, com a Assembléia Popular e a construção de um Projeto Popular, com a busca de novos caminhos para o exercício do Poder Popular, com o Plebiscito Nacional sobre a Privatização da Companhia Vale do Rio Doce, com as inúmeras lutas indígenas e sociais, específicas e cotidianas.

Irmanados aos povos latino-americanos, tanto nos espaços já abertos pela ALBA como em infinitos outros novos espaços de articulação e luta, estamos todos empenhados na construção de um novo cenário histórico, no qual nossos povos são os protagonistas principais, não se conformando mais a serem parte de um cenário antigo, construído há mais de 500 anos e eternamente repetido pelas elites dominantes.

(Esta análise foi originalmente escrita para o Jornal Porantim, do Cimi – Conselho Indigenista Missionário-, como contribuição ao debate sobre as perspectivas do momento histórico atual para os movimentos sociais e povos indígenas)

Por Paulo Maldos – Assessor político do Conselho Indigenista Missionario (CIMI).

NOTÍCIA COLHIDA NO SÍTIO www.adital.org.br.

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