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América Latina – As revoluções que julho viu nascer

Adital – O mês de julho se despede, mas suas memórias permanecem. Na história moderna, por coincidência ou por alguma razão oculta, julho é o mês que mais viu movimentos de libertação vencerem ou passarem à história como referência de ideal a ser retomado. Logo no inicio do mês, dois de julho é feriado na Bahia para recordar a vitória contra as tropas portuguesas, fato que assegurou a independência política do Brasil. No dia quatro, são os Estados Unidos da América que celebram sua independência. 10 de julho é o dia da independência das Bahamas e 12, a data em que o libertador Simon Bolívar criou a República da Grande Colômbia (1821), ensaio de uma pátria latino-americana unificada. No 14, a França lembra a queda da Bastilha e a vitória da revolução francesa. O dia 20, data em que, pela primeira vez, o homem pisou na lua (1969), é também a festa da independência da Colômbia. No 26, em Cuba, se celebra o aniversário do assalto ao quartel de Moncada, fato decisivo para a vitória da revolução cubana.

É verdade que nem todos os movimentos de julho foram vitoriosos. Os descendentes dos Incas recordam no dia 18 o martírio de Tupac Amaru que, em 1780, se entregou aos dominadores espanhóis para evitar o massacre do seu povo. E os maiores de 30 anos podem lembrar o regozijo que, em toda a terra, se apossou de muita gente sedenta de justiça, quando, no 19 de julho de 1979, os sandinistas entravam vitoriosos em Manágua e punham fim a uma das ditaduras mais sanguinárias do mundo, sustentada pelo governo dos Estados Unidos. Infelizmente, a revolução sandinista, com sua opção democrática e não violenta, não conseguiu vencer o governo dos Estados Unidos que impôs um bloqueio econômico do mundo todo contra a Nicarágua, financiou contínuos ataques terroristas e invadiu as fronteiras do país. Ameaçou a vida daquele povo até que este, cansado de guerra, em 1990. votou pela candidata de Reagan e hoje, a Nicarágua é de novo um dos países mais pobres e desiguais do mundo.

Seja como for, nenhum latino-americano consciente pode esquecer que no dia 24 de julho de 1783, nascia em Caracas um homem que deu a vida pelo sonho de ver toda a América Latina livre e todo o seu povo viver com dignidade. Simon Bolívar mereceu realmente o título de “libertador”. Entretanto, quando morreu em 1830, a maioria dos companheiros que, ao seu lado, tinham lutado pela independência da Venezuela, Colômbia, Peru e Equador, não compreendia porque ele se ligava tanto a índios, negros e gente miserável. Chamavam-lhe «caudilho dos desnudados», «líder dos debaixo», «chefe da negrada e indiada».

O general Santander, ex-vice-presidente de Bolívar, que se tornou o seu mais implacável adversário, acusou o Libertador de desencadear um movimento, o qual, como escreveu Santander: «é como uma guerra na qual ganham os que nada possuem, que são muitos, e perdemos nós, os proprietários de terra que temos tanto, mas somos poucos».

Quem, hoje, lê estas páginas da história compreende as reações atuais da imprensa, dos ricos do mundo e de alguns intelectuais contra o que, atualmente, na Venezuela e em outros países do continente, se tem chamado de “revolução bolivariana”.

Na Venezuela, este movimento foi retomado em 1970, antes mesmo de Hugo Chávez, embora este tenha sido seu porta-voz e o líder que, em três eleições limpas e democráticas, conseguiu que mais de 70% da população do país assumisse este caminho. A base ideológica da atual revolução bolivariana que está se espalhando por diversos países do continente é o que os venezuelanos chamaram de “a árvore de três raízes”. A primeira raiz é bolivariana e pede um movimento que parta dos mais pobres, defenda a dignidade dos pequenos e conquiste uma maior integração latino-americana. A segunda raiz é zamorana e vem de Ezequiel Zamora, o general que dizia ser soldado para o povo ser soberano e para unir civis e militares. Finalmente a terceira raiz é robinsoniana e veio de Simón Rodríguez, o mestre de Bolívar. Ele é o Paulo Freire dos países andinos, defensor da educação popular e da igualdade de todas as raças, a partir de uma educação libertadora.

Atualmente, tanto na Venezuela, como no Equador e Bolívia, onde este ideal é retomado, os pontos que fundamentam a ação do governo e do povo são: 1. A defesa da plena autonomia nacional (daí o conflito com o governo dos EUA). 2. A participação plena do povo através de eleições democráticas, de referendos e outros meios de democracia participativa. 3. Um modelo de economia verdadeiramente sustentável e respeitosa da natureza. 4. Uma Ética de serviço ao povo que torna prioritário para todos os órgãos do governo a luta contra a corrupção e a pobreza.

Depois que sofreu o golpe de Estado em 2002 e quase foi morto por militares pagos pelo governo dos Estados Unidos e alguns aliados nacionais, Chávez disse ter se dado conta da impossibilidade de mudar as condições de justiça no país enquanto se mantiver a estrutura social e política que vem dos tempos coloniais. Optou, então, por um tipo de Socialismo que busca unir a tradição socialista vinda do marxismo e a inspiração cristã das Igrejas primitivas.

Esta referência à tradição cristã e as freqüentes citações de Jesus Cristo nos discursos de Chávez podem não ser ecumênicas. Afinal, o governo representa a todos os cidadãos, cristãos, fiéis de outras religiões e os que não seguem nenhuma religião. As leis e organizações do país devem ser laicais e sem nenhuma opção religiosa. Entretanto, todo mundo concorda que o projeto de uma sociedade nova e mais justa precisa não só de uma ideologia política atualizada e de uma ética de justiça, mas de uma espiritualidade ecológica e humana, baseada na sacralidade da vida e na opção do amor e da paz para todos.

Por Marcelo Barros, que é monge beneditino, teólogo e escritor. Tem 30 livros publicados.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.adital.org.br.

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