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A Copa do Mundo é deles ?

A Copa do Mundo no Brasil é para mim, assim como para milhões de brasileiros, um sonho acalentado desde a infância. Mas antes que nossas almas sejam inundadas pelo ufanismo da líder de audiência, convém fazer alguns questionamentos sobre a serventia desse evento ao país.

Antes que alguém me acuse de ser do contra ou um estraga-prazeres, quero deixar claro que a realização de uma Copa do Mundo de futebol no Brasil é para mim, assim como para outros milhões de brasileiros, um sonho acalentado desde criancinha. Adoro o velho e (cada vez mais) violento esporte bretão. Por isso, quando o presidente da Fifa, Joseph Blatter, cumpriu o esperado e tirou de um envelope o cartão onde se lia “Brazil”, meu sentimento foi de grande alegria. Contudo, antes que nossas almas sejam inundadas pelo discurso ufanista da líder de audiência, convém fazer alguns questionamentos sobre a serventia de um evento como esse ao país (e aí, podem me chamar de cricri à vontade).

Vencida a etapa da confirmação da realização da Copa de 2014 no Brasil, seus desdobramentos imediatos no cenário político e empresarial nacional já provocam um iniciozinho de embrulho no estômago. Até janeiro do ano que vem deverá ser constituído o Comitê Organizador Local (COL) que, na verdade, funcionará como uma entidade privada, uma empresa de capital fechado responsável por toda a gestão do evento, que tem um custo inicialmente estimado em US$ 6 bilhões.

Ao que tudo indica, a CBF dará as cartas na escolha dos componentes do COL, num processo que envolve muitos interesses e cifras astronômicas e trará ainda mais poder político à entidade máxima do futebol brasileiro. Por enquanto, estão confirmados no comitê o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, o jogador Romário, o economista Carlos Langoni (responsável pelo planejamento financeiro da Copa de 2014) e o advogado Francisco Müssnich (responsável pelo ordenamento jurídico). Não se tem notícia de que o governo ou a CBF estejam pensando em realizar qualquer processo democrático para a escolha dos demais componentes do COL.

Ainda no primeiro trimestre de 2008, a Fifa enviará ao COL a primeira parcela dos US$ 400 milhões obtidos com seus patrocinadores e, segundo Blatter, “destinados à gestão da Copa de 2014 pelos próximos sete anos”. Somente a montagem da sede do COL, no entanto, é estimada pela CBF em US$ 100 milhões, o que já nos permite deduzir que o custo final será muito maior do que o inicialmente estimado, como sempre acontece em eventos desse porte.

Além da verba vinda da Fifa, o COL terá de administrar os investimentos privados que, segundo os cálculos realizados por Langoni, deverão atingir uma média de US$ 100 milhões em cada uma das 12 cidades-sede dos jogos. O restante dos investimentos viria dos cofres dos governos federal, estaduais e municipais que, de acordo com o estabelecido no Acordo do Anfitrião (Hosting Agreement) firmado com a Fifa, são responsáveis por garantir toda a parte de infra-estrutura para a Copa de 2014, como transportes, telecomunicações e hotelaria, entre outros.

A CBF já avisou que participarão do COL um representante de cada cidade escolhida como sede dos jogos da Copa. A disputa política para estar nesse seleto grupo – dezoito estados brigam por, no máximo, doze vagas – já é grande. Prova disso foi a presença de nada menos que 12 governadores em Zurique, na Suíça, para acompanhar o anúncio da decisão da Fifa: Binho Marques (Acre), Eduardo Braga (Amazonas), Jacques Wagner (Bahia), José Roberto Arruda (Brasília), Cid Gomes (Ceará), Alcides Rodrigues (Goiás), Blairo Maggi (Mato Grosso), Aécio Neves (Minas Gerais), Ana Júlia Carepa (Pará), Eduardo Campos (Pernambuco), Sérgio Cabral Filho (Rio de Janeiro) e José Serra (São Paulo).

Quem pagou?

O curioso dessa animada caravana é que ninguém sabe informar ao certo quem custeou as passagens de avião e a hospedagem dos governadores. Teriam sido pagas pelo Comitê de Candidatura do Brasil, embrião do COL. Ou pela Fifa, por intermédio da CBF. Como diz aquele velho forró, “ninguém responde, nem confirma, nem duvida” de onde possa ter saído essa verba. Segundo o jornal O Globo, a Fifa afirmou que “não contribui com um centavo para as despesas das delegações candidatas”. Ricardo Teixeira, por sua vez, admitiu que “alguns governadores foram convidados pelo comitê”, sem precisar quantos.

Como se vê, o presidente da CBF será nos próximos anos o segundo homem mais poderoso do Brasil, depois do presidente Lula. O ôba-ôba e o clima de puxa-saquismo formado em torno dele por autoridades que poderiam estar pensando em formas de tornar a Copa de 2014 um evento que realmente valorizasse a participação popular é repugnante. Os dirigentes do futebol, na maioria dos clubes e federações do Brasil, operam num esquema de irmandade, muito pouco afeito à democracia. Nesse contexto, a entronização de Teixeira como “o cara” que vai decidir quem entrará na milionária festa da organização da Copa nos mostra o quanto o Brasil ainda precisa avançar em termos de discernimento democrático e participação social.

Eterno Teixeira

Há duas décadas no comando da CBF, Teixeira avisou aos repórteres em Zurique, ao lado de um sorridente Blatter, que, pelas novas regras da Fifa, sua permanência na presidência da entidade brasileira está assegurada até 2014, sem a necessidade de eleições. A um repórter de uma rádio gaúcha que insistiu, perguntando se ele, assim como Lula, admitia ser “apenas um torcedor” em 2014, Teixeira respondeu de forma ríspida, chamando o interlocutor de “desinformado”.

A conhecida hostilidade de Teixeira com a imprensa se fez presente outras vezes em Zurique. Durante a coletiva, quando uma repórter canadense perguntou como o Brasil iria fazer para que a violência do país não atingisse os visitantes que chegariam para a Copa, o presidente da CBF foi mais uma vez ríspido, exigindo que a repórter se identificasse primeiro. Depois, afirmou que no Brasil “ninguém sai atirando nas escolas como nos Estados Unidos” e lembrou que atletas brasileiros da Seleção Sub-20 foram discriminados pela polícia do Canadá em agosto, sem especificar o caso.

Além de não admitir questionamentos mais espinhosos, Teixeira, talvez já sentindo os efeitos afrodisíacos da ampliação de seu poder, se arvorou a interferir na política parlamentar brasileira. Na Suíça, por diversas vezes ele disse à imprensa que o Congresso Nacional não poderia instalar uma CPMI sobre as relações ilegais entre o Corinthians e a empresa Media Sports Investiment (MSI), sob pena de a Fifa recusar o Brasil como sede da Copa de 2014. Devido à pressão da CBF, o deputado Sílvio Torres (PSDB-SP) somente protocolou o requerimento de criação da comissão de inquérito na Mesa Diretora algumas horas após a confirmação da indicação brasileira.

A Copa de 2014 fará com que, nos próximos sete anos, o país assista a um incremento da perigosa mistura entre os legítimos interesses públicos e os nem sempre louváveis interesses políticos e empresariais. Tudo regido por uma entidade, e seu manda-chuva, que sabem ganhar dinheiro como poucos, mas adotam práticas democráticas medievais. Não tenho dúvidas que o Brasil fará sua Copa com muita competência, mas não acredito que o processo de organização do evento, ou mesmo sua herança, tragam qualquer benefício para o povo brasileiro além da própria alegria que o futebol pode proporcionar.

Por Maurício Thuswohl, que é jornalista.

ARTIGO COLHIDO NO SÍTIO www.cartamaior.com.br.

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